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O jornalismo tem que fiscalizar o poder

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Eugênio Bucci formou-se em Comunicação Social pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (1982) e em Direito também pela Universidade de São Paulo (1988). Pela ECA-USP, doutorou-se em 2002 e defendeu sua tese de livre-docência em 2014. Como jornalista profissional, foi diretor de revistas mensais (como Superinteressante e Quatro Rodas), crítico de cultura e televisão em jornais (Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil) e revistas (Veja, Nova Escola e Sem Fronteiras), além de Secretário Editorial da Editora Abril. Em agosto de 2012, o artigo “O desejo de censura”, publicado em 31 de julho de 2011, sobre a censura judicial sofrida pelo Estadão, venceu o Prêmio “Excelência Jornalística 2011”, da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Em 2014 obteve o título de Livre-Docente pela Universidade de São Paulo, com a pesquisa “O Estado de Narciso: Como e por que o jornalismo das emissoras públicas e toda a máquina da comunicação pública no Brasil foram postos a serviço da vaidade particular dos governantes”, que viria a ser publicada em 2015 pela Companhia das Letras, no livro “O Estado de Narciso – a comunicação pública a serviço da vaidade particular”. Em 2017 foi aprovado em concurso para professor titular do Departamento de Informação e Cultura da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP).

Professor, para onde caminha o jornalismo com toda ebulição trazida pelo digital?

A era digital pulverizou as bases tradicionais do negócio da imprensa, cuja sustentabilidade vinha da publicidade e dos recursos pagos pelo público, por meio de assinaturas e compra de exemplares avulsos. Hoje, quem mais capta recursos do mercado anunciante são os conglomerados de redes sociais e sites de busca na internet, que não produzem conteúdo jornalístico. As empresas jornalísticas perderam receita. Agora, elas procuram se reposicionar, com novos modelos de assinaturas (algumas vão bem, como o New York Times) e tentam cobrar pelo uso de suas reportagens e artigos nas redes sociais e nos sites de busca. Esse processo está longe do fim, mas pode apontar algumas saídas.

Qual será o papel essencial do jornalista no século já intitulado como o século das incertezas?

O principal papel é fiscalizar o poder. Organizações não-governamentais de jornalismo investigativo, sem fins de lucro, não-comerciais, vêm adotando fórmulas de trabalho colaborativo entre jornalistas de diferentes países e isso tem dado certo (como no caso dos Panama Papers). O jornalismo é uma atividade social indispensável para que a democracia não se perca no autoritarismo e no populismo.

O que pode ameaçar os grandes grupos de comunicação neste momento?

A perda de receita publicitária, de um lado, e a falta de competência em se renovar e pôr em prática novos modelos de trabalho e de relações com o mercado. As ameaças que vêm de fora são sérias, mas o imobilismo e a falta de criatividade e de agilidade são ainda mais perigosos.

Como as empresas de menor porte podem se destacar neste cenário?

Pela criatividade e pela consistência ética e técnica do trabalho. Basta ver o sucesso de entidades jornalísticas dedicadas à checagem de fatos e ao combate contra as fake news.

O senhor afirmou em 2016, que quem controla a imprensa é o público. E o contrário, também fica evidente em algum ponto?

Existe muito no nosso meio uma febre em torno dessas teorias conspiratórias que acreditam que a imprensa manipula o público. Embora existam casos de manipulação, a regra geral não é essa. A sociedade controla mais a imprensa do que a imprensa controla a sociedade. Os riscos de manipulação se revelam mais graves nas redes sociais. Isso vem sendo bastante documentado. E uma das principais forças para combater essas manipulações é a nossa boa e velha imprensa.

Como avalia a formação dos novos profissionais oriundos dos cursos de comunicação do nosso país?

Poderia ser muito melhor. Nesse campo, o Brasil está atrasado. Mas acredito que veremos melhoras expressivas no próximo período.

Quando o poder do Estado se choca com o poder da imprensa em sua visão?

Em primeiro lugar é preciso fazer uma distinção. O poder do Estado não se compara com o papel da imprensa em nenhuma condição. Não é correto nesse sentido pensarmos que haveria um poder na imprensa capaz de fazer frente ao poder do Estado. Há conflitos entre o Estado e a instituição da imprensa, que por definição é uma instituição não estatal. Esses conflitos ocorrem predominantemente em casos de tentativa de censura por meio do Estado contra a imprensa.

Ainda falando de Estado e imprensa, como analisa a cobertura da Operação Lava Jato pelos principais órgãos midiáticos?

Foi satisfatória. Claro que houve abusos – tanto aqueles cometidos pelos protagonistas judiciais da Lava Jato como aqueles cometidos pela precipitação de órgãos de imprensa, ou pelo comodismo de alguns veículos de ficar no papel de meros “divulgadores” a serviço de autoridades do Ministério Público ou do Poder Judiciário. Mas, no plano geral, a cobertura serviu para deixar a sociedade brasileira mais bem informada.

Em que países se pratica o melhor jornalismo em sua visão?

Eu apontaria os Estados Unidos. A França merece uma atenção, também, porque, graças à colaboração da imprensa, além do apoio das autoridades, soube estabelecer boas estratégias de combate às fake news.

O Governo Temer aumentou em mais de 50% os gastos com publicidade estatal. Quando isso pode se tornar prejudicial na relação entre veículos e Governo?

Desconheço essa cifra. 50% em relação a que período? De qualquer maneira, com ou sem esses 50% a mais ou a menos, o Estado brasileiro (em todos os seus níveis, na União, nos Estados e nos municípios) investe uma enormidade de dinheiro público no mercado anunciante (que é privado). Não há nenhuma justificativa ética, legal ou de eficiência para tamanho desperdício. A única justificativa é dar um agrado para os órgãos de imprensa, com o objetivo de aliciá-los.

Por que o Brasil não conseguiu criar uma empresa pública de comunicação que se compare, por exemplo, a uma BBC?

Porque a sociedade brasileira não compreendeu a necessidade desse tipo de instituição e os políticos, na inércia, não veem utilidade nisso.


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