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O mundo de emoções do gigante Carlos Lyra

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Carlos Eduardo Lyra Barbosa nasceu no dia 11 de maio de 1933, no Rio de Janeiro. Cantor, compositor e violonista, grava em 1955 a canção “Menina”, conhecendo seu destacado parceiro musical Roberto Menescal logo após no colégio. Com ele abriu, em 1956, uma escola de violão em Copacabana, que se tornaria ponto de encontro de futuros artistas da Bossa Nova. Considerado um dos precursores desse movimento musical por sua primeira composição, “Quando Chegares” (1954), em meados da década de 1950 participava do conjunto do pianista Bené Nunes, apresentava-se em shows universitários e continuava a compor. Gravou em 1959 o emblemático disco, “Carlos Lyra – Bossa Nova”. Foi um dos fundadores do Centro Popular de Cultura (CPC) e da União Nacional dos Estudantes, em 1961. Entre 1974 e 1976, mudou-se para Los Angeles para fazer Terapia do Grito Primal. Retornou ao Brasil logo após desse período para lançar seu livro “O Seu Verdadeiro Signo”. Em 1979, participou do congresso de reconstrução da UNE em Salvador, onde cinco mil jovens cantaram sua música Hino da UNE, composta em parceria com Vinicius de Moraes. Em sua longínqua e vitoriosa carreira, trabalhou com importantes parceiros do cenário cultural brasileiro, entre os quais se colocam os já citados Vinicius de Moraes e Roberto Menescal, além dos talentosos e influentes Ronaldo Bôscoli, Chico Buarque e Ruy Guerra.

O poeta francês Paul Claudel, dizia que a música é a alma da geometria. E para você, o que é a música?

Goethe uma vez disse que “a arquitetura é a música petrificada”. Tentava com isso ver a música e a comparar a uma beleza plástica que pudesse ser enxergada e tocada. Música é algo de uma incrível criatividade e de enorme emoção não só para quem a cria, como para quem a ouve. É a pura expressão da alma. Algo que emociona sem se ver e tem a incrível capacidade de se propagar e unir pessoas.

A música deve ter um papel social ou ela pode exercer outros papéis além desse em especial?

A música, pode definir normas, direitos, deveres e até condicionar o comportamento dos indivíduos usando o conteúdo de sua letra. Então, por esse lado, tem um papel social, dentro da definição clássica. Mas a música tem outro papel, mesmo sem letra, que passa pela emoção, pela alegria e pela união. Quanto mais gente envolvida na execução de uma música, mais grandioso é o sentimento propagado. Não só pelo que se ouve e toca a alma, mas em seu preparo, onde pessoas distintas se unem e passam muito tempo juntas para elaborar, experimentar e encontrar a expressão que se quer passar. A música une. A música faz intercâmbio de emoções por todo o planeta. A música salva.

Gostaria que você falasse um pouco de como surgiu a atemporal canção “Minha Namorada” composta com o poeta Vinicius de Moraes na década de 60.

Eu fiz uma melodia e coloquei no gravador de Vinicius como sempre fazia. Uns dias depois ele passa na minha casa. Eu morava na Barão da Torre a alguns quarteirões de distância do Tom e Vinicius costumava, tal qual um letreiro ir de casa em casa depositando letras. Lembro desse dia em especial quando ele tirou um papel do bolso do paletó dizendo ser a letra que ele fazia para a minha música e eu, ao tentar tocá-la, vi que não encaixava na melodia. Eu perguntei: Vinicius, é isso mesmo? E ele falou: “Não parceirinho! Essa é uma letrinha que estou fazendo pro Tonzinho”. Era a letra de “Garota de Ipanema!”. Colocou a mão no outro bolso e me deu a letra certa, de “Minha Namorada”. O ano era 1962.

Críticos dizem que o senhor faz parte de uma Bossa Nova mais ativista. O que seria esse ativismo em sua definição?

Na verdade, no início, as composições da Bossa Nova eram muito preocupadas com a forma. As melodias elaboradas, as harmonias sofisticadas e a interpretação sempre delicada. Mas não havia conteúdo. Era apenas o sol, a praia, a luz, a flor, o amor… Era um reflexo do dia a dia de uma juventude da classe média dos anos 50. Quando fundamos o CPC (Centro Popular de Cultura) e começamos a trabalhar trazendo a música popular pro asfalto e levando a música da classe média para o povo, fui me politizando e com isso foi muito espontânea a elaboração de letras com mais conteúdo, exercendo um papel social. Então, acho que se referem a ativismo exatamente focando nessas letras como a de Influência do jazz, onde critico o excesso de influências que estavam deturpando a essência da nossa música ou em “Feio Não é Bonito” que mostra outra realidade e a questiona.

O que existe de similaridades (esteticamente falando) e que não se perdeu com o tempo, nos seus discos “Carlos Lyra” de 1961 e “Era no tempo do Rei” de 2010 e que só você percebe como autor?

Minhas influências são as mesmas: o impressionismo, a música francesa, os standards americanos, os boleros mexicanos… as coisas que eu ouvia e que formaram meu senso estético que certamente perdura. A diferença é que no disco de 61 eu gravei músicas que havia criado espontaneamente, ainda sem o conteúdo que falei acima. No “Era no tempo do Rei”, eu musiquei letras do Aldir Blanc, todas feitas para personagens ligados a chegada da família real no Rio de janeiro em 1930. Então me incumbi de fazer cada uma com um ritmo distinto e sempre focado nos gêneros musicais da época, com alguma licença poética. Mas a estética é a mesma. A elaboração é a mesma. Tenho uma assinatura melódica que quem conhece a fundo minha música, a reconhece seja o ritmo que for. Não perco a obstinação da busca incessante pela excelência em minha criação.

Em uma certa ocasião, o senhor afirmou que faz música mais que adora o cinema. Em algum momento de sua carreira, pensou musicalmente em suas composições como se fosse um cineasta?

Acho que o cineasta tem mais uma visão estética ligada à plasticidade visual. Eu penso músicas que me inspiraram, mas como um background para a minha criação, muito mais baseado nas emoções que senti com as músicas que ouvi em certas cenas. Minha paixão pelo cinema é à parte da minha ligação com a música. Eu vejo a direção, a luz, o cenário, os cortes. A edição é primordial e o texto – o roteiro – tem que ser impecável para se conseguir um bom resultado. Minha paixão por cinema é muito mais ligada a minha paixão pela literatura do que pela música.

Por que acredita que a Bossa Nova continua sendo tão influente entre os amantes da música?

A Bossa Nova é uma música popular que virou um clássico e, como todo clássico, ela atravessa gerações e tem sempre maior influência onde a classe média é mais forte. Quando me refiro a classe média, me refiro àquela parte da sociedade que investe e consome cultura. Quando o investimento em educação e cultura é baixo você cria gerações sem conhecimento e, por consequência, sem parâmetros de julgamento e apreciação. Por isso a Bossa Nova é mais forte nos países onde a classe média é mais forte. Onde se lê mais, onde se frequenta teatros, óperas, museus. A Bossa Nova teve a raiz no samba mais influências diversas de músicas de todo o mundo e isso a tornou universal.

Em 2008, o senhor afirmou que a cultura no Brasil é precária. Algo mudou mesmo que seja minimamente de lá para cá?

Sinceramente, não vejo qualquer melhora. Enquanto estou respondendo essa entrevista, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, com 200 anos de história, está sendo consumido pelo fogo. E isso por abandono. Falta de investimento em segurança. Falta de preocupação na preservação da nossa história. Eu chamaria de descaso. É triste. Nos últimos 10 anos a China deu um salto qualitativo em educação e investimento em ciência e tecnologia que é de se aplaudir. Enquanto isso, no Brasil, se houve algum salto foi do precipício. Estão destruindo o nosso futuro e a nossa memória.

Qual a responsabilidade dos meios de comunicação nessa alienação musical da sociedade brasileira?

Imensa porque ela só dá acesso a um tipo de música. A mídia foca em intérpretes e compositores jovens, bonitos, que vão vender sua imagem descolada para a juventude que o Estado privou de cultura. Estamos vivendo uma ditadura velada onde as pessoas não têm possibilidade de escolha. Elas só consomem o que as dão. Música de qualidade é pra todos. As pessoas só precisam ter acesso.

No que o senhor tem trabalhado atualmente?

Estou com três formatos de shows diferentes. O que eu faço com meu sobrinho, Cláudio Lyra, com ou sem banda, que se chama “Cantos & Contos da Bossa Nova”, onde falo de minhas composições desde o início até hoje, mostrando parcerias novas, inclusive com ele. Um chamado “Os Bossa Nova”, lançado com um CD da Biscoito Fino que está à venda desde 14 de setembro. Nesse, estão João Donato, Roberto Menescal, Marcos Valle e eu, o tempo todo no palco, cantando e tocando músicas um do outro, juntos em duetos ou até em quarteto. Tem sido muito divertido. Fizemos até músicas novas entre nós para celebrar não só essa parceria como os 60 anos de Bossa Nova. E o terceiro show se chama “Em casa com Tom & Lyra” onde sou convidado de Paula e Jaques Morelenbaum. Cantamos músicas lindas do Tom e minhas.

Estou, também, acabando de gravar um álbum de inéditas. Só falta colocar a voz e mixar. Até o final do ano estarei lançando. Se chama “Além da Bossa” e mostra toda a minha vertente de compositor com ritmos que vão do medieval ao tango. É um projeto idealizado pelo meu produtor musical, Alexandre Moreira, executado por minha mulher e produtora, Magda Botafogo, que foi abraçado por muita gente que eu admiro e que contribuiu participando com orquestrações e arranjos magníficos e com execuções impecáveis e inspiradas. Tem sido um presente pra mim. Não só poder gravar e mostrar minhas músicas como compartilhar desses momentos com tantos amigos queridos.

Qual foi o momento que merece um destaque especial que o senhor considera fundamental na sua tão bem-sucedida carreira?

Acho que o dia que tomei coragem e liguei para o Vinicius de Moraes me apresentando e pedindo umas letrinhas. Essa parceria foi uma das coisas mais ricas que levo comigo e que me levou a ser um compositor com clássicos inquestionáveis.


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