Perito e avaliador de obras de arte, especializado em pintura e educação, o argentino Gustavo Perino, residente no Rio de Janeiro, tem uma grande tarefa pela frente: a organização e liderança do Congresso Internacional de Peritagem de Arte, ICAE (sigla em inglês). O evento acontecerá na cidade carioca em setembro de 2018. Bacharel em Peritagem de Obras de Arte pela Universidade do Museu Social Argentino (Buenos Aires), foi professor dessa casa de estudos e atualmente é coordenador e professor do curso de pós-graduação em Peritagem e Avaliação de Obras de Arte para o ciclo 2018-2020 na Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. Em seu histórico profissional, Perino conta passagens em grandes intuições privadas como Diners Club International e a Bosch Gmbh. Também tem participação nas instituições públicas como INTI, INTERPOL, Polícia Federal Argentina e Museu Pettoruti. Como fundador do grupo interdisciplinar chamado Givoa Consulting SRL ele tem a missão de investigar, atribuir e avaliar obras de arte e antiguidades, oferecendo assessoria e gestão de coleções de arte tanto para colecionadores, venda ou contratação de seguro. “A categoria de verdadeiro ou falso determinam o destino da peça. Uma obra que depois de uma pesquisa determina-se que é falsa não tem valor nenhum desde o ponto de vista cultural. É uma obra que foi criada com o objetivo de enganar”, afirma o perito.
Gustavo, como começou o seu interesse pelo mercado de artes?
Eu estive sempre ligado à arte, sobre tudo com a dança, mas também gostei sempre da pesquisa em diferentes áreas. Quando decidi estudar na universidade, minha procura foi por carreiras que tivessem vinculação com artes e me inscrevi em Curadoria de Arte. Porém, quando estava por começar a carreira dentro da faculdade eu descobri a Peritagem. Foi a combinação perfeita entre teoria e prática.
Quais as principais diferenças de uma obra de arte verdadeira e de uma obra de arte falsa?
A categoria de verdadeiro ou falso determinam o destino da peça. Uma obra que depois de uma pesquisa determina-se que é falsa não tem valor nenhum desde o ponto de vista cultural. É uma obra que foi criada com o objetivo de enganar. Além destas categorias existem outras como atribuição, cópia, réplica, imitação e cada uma delas têm o valor de ter sido criada por um artista e já por isso tem um valor cultural. São objetos únicos dessa pessoa e que tem uma boa execução e estética podendo ter seu valor de mercado.
O que são obras mal atribuídas?
São obras que se consideraram de um artista durante muito tempo e quando se faz uma pesquisa de arte e tecnológica, determinam que essa peça não tem todos os elementos de originalidade ou apresentam dúvidas sérias sobre algum assunto. Sendo assim, essa peça muda sua identificação. Por exemplo: as peças que foram atribuídas e certificadas como original de um grande mestre e depois de séculos foi identificada que a mesma foi feita pelo aluno do artista. Também existem peças que são atribuídas a um artista pela estética e com pesquisa se determina que esse quadro sem assinatura pertença a outro artista (esta mudança pode ser positiva desde o comercial ou negativa).
Na maioria dos casos, uma obra de arte vale mais quando o artista está morto (talvez Lucian Freud seja um exemplo notório de artista valioso quando estava vivo). Por que isso acontece?
É pela lei da procura e demanda. Um artista que morreu já tem uma produção limitada, não haverá uma nova obra dele, então começa a compra e a luta entre colecionadores que estão dispostos a pagar muito dinheiro para obter uma peça. Isso está mudando já que temos muitos artistas em produção que pela carreira deles ao longo do tempo hoje tem preços muito altos no mercado. Gerhard Richter [pintor alemão. Crescendo debaixo do Nacional-Socialismo e viveu durante mais 16 anos debaixo do comunismo da Alemanha de leste antes de se mudar para a Alemanha ocidental, em 1961] é um bom exemplo disso. De qualquer jeito quando ele não estiver mais aqui, seus preços vão subir mais ainda.
Uma maior circulação de capital pelo mundo como temos em nossos dias, contribui para esse movimento?
Contribui sim, já o comprador não tem fronteiras. Quando os investimentos tradicionais estão em risco sempre há um aumento da procura de arte, como falamos na pergunta quatro. A peça de arte sempre vai valer mais com o tempo. É um investimento seguro e conservador. Também existem as bulhas na arte contemporânea. (Filme: Blurred Lines: Inside the Art World – 2017) mas neste segmento só está representando uma parte muito pequena, mas que é muito poderosa do mercado de arte.
Na Segunda Guerra Mundial, várias obras de arte tiveram o seu destino ocultado (o que perdura até os dias atuais). É possível que muitas obras recuperadas tidas como verdadeiras, sejam, na verdade, falsas?
Infelizmente tem muitas possibilidades de isso acontecer. Foi um período escuro onde os falsificadores e donos do mercado aproveitaram a crise e espalharam pelo mundo milhares de obras falsas. O problema mundial sobre perícia é que faltam pesquisas e centros de pesquisas que possam iniciar processos sérios de investigação e determinar (além dos interesses do mercado) a verdadeira identidade das peças. Se hoje temos casos de museus que mudam a identificação de grandes peças de seu título de autênticas pelo título de atribuídas, naturalmente pode acontecer muito com obras recuperadas. Isso acontece com o trabalho da INTERPOL. Eles fazem um trabalho maravilhoso na luta contra o espólio de bens culturais, mas quando “pegam” obras questionadas não têm equipe nem financiamento para determinar definitivamente sua autoria.
Existe uma estimativa de obras falsas que circulam no Brasil?
As estimativas no mercado de arte são efêmeras, de cada 10 operações 7 são entre particulares e sem estatística alguma. Estima-se que 40% das peças que circulam no mercado tem problemas de autenticidade ou identificação. Seja a peça questionada ou com sua documentação. É por isso que o blockchain [tecnologia que visa a descentralização como medida de segurança. São bases de registros e dados distribuídos e compartilhados que têm a função de criar um índice global para todas as transações que ocorrem em um determinado mercado] vai revolucionar o mercado de arte.
“Salvator Mundi” de Leonardo da Vinci, foi uma obra superestimada ou os US$ 450 milhões pagos por Mohamed bin Salman foram mais que justos?
Não existe referência de preços que justifiquem esse recorde. Nesse caso, trata-se de uma operação de marketing das casas de leilões onde o que importa é o negócio e não se a peça é ou não original.
Como se chega num número tão vultoso como este em uma avaliação?
Quando são obras tão “únicas” a referência do valor está ligada a última venda de uma peça parecida no mercado na época recente. Nesse cenário estão os recordes dos Van Goghs, Picassos, Warhol etc, etc. Até as casas de leilões têm dificuldades para estimar o preço de saída dessas obras, normalmente eles têm alguns “interessados” e ofertas já feitas com antelação.
Quais os pilares norteiam o trabalho da Givoa Consulting?
Na Givoa procuramos nos destacar para além do conhecimento técnico, através de nosso modo de trabalho e com o compromisso constante com um serviço de qualidade diferenciada. Queremos ser a referência indiscutível e a fonte segura de consulta em peritagem e avaliação de obras na região. Nosso objetivo é ajudar na identificação de obras falsas dentro do mercado comercial da arte e trabalhar com a Justiça nos procedimentos legais que envolvam obras de arte. O Conhecimento, a Proximidade, a Transparência e o Compromisso são nossos valores.
Em virtude de trabalhar com esses valores, levando em conta a importância da profissionalização de nossa disciplina, recentemente tivemos o prazer de sermos chamados para coordenar e dar aulas na pós-graduação em Peritagem e Avaliação de Obras de Arte para o ciclo 2018-2020 na Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro.
Fale um pouco sobre o ICAE (Congresso Internacional de Peritagem de Arte) que acontece em setembro no Rio de Janeiro.
O ICAE nasceu pela necessidade de democratizar a informação e de reunir aos referentes internacionais da pesquisa de arte para tratar os temas e as necessidades da profissão. Como as novas tecnologias ajudam ao perito, como se pode trabalhar em conjunto entre o setor público e privado, como estas ações beneficiam à proteção do patrimônio e as instituições que lutam contra o trâfego de bens culturais e como, tudo isso traz impacto no mercado de arte local, regional e internacional.
O ICAE acontecerá todos os anos numa cidade diferente do mundo e reunirá os máximos exponentes da perícia de arte para definir as políticas de trabalho que regirão a profissão. O evento está apoiado pela UNESCO, pelo IBRAM, pelo Ministério de Cultura de Argentina, pela RIOTur, pelo Rio Convention Center and Visitors Bureau entre outras empresas e instituições. Em 29 de setembro no Rio de Janeiro teremos 9 palestras importantíssimas de profissionais provenientes de 7 cidades diferentes e todos com o mesmo objetivo: “a profissionalização do perito de arte”.
Nesse contexto, o ICAE será parte de uma importante agenda internacional de arte no Brasil, como a 33ª Bienal de Arte de São Paulo e a 8ª Edição de ArtRio, entre outros eventos que aconteceram no mês de setembro em todo o Brasil. O Congresso é único em seu tipo na América e por isso queremos potencializá-lo, fazendo parte desse calendário.
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