De acordo com um estudo global publicado na revista científica Nature Sustainability, 80% do lixo encontrado nos oceanos é composto por plástico. Essa circulação maior de produtos pode gerar uma maior pegada de carbono, tanto pelo transporte a longas distâncias, quanto pelo aumento na exploração de recursos para fabricação de presentes e embalagens, principalmente de plásticos. Porém, é possível minimizar os danos à natureza ao longo do ano. Para o professor Edson Grandisoli, coordenador pedagógico do Movimento Circular, um ecossistema colaborativo que se empenha em incentivar a transição da economia linear para a circular, a Economia Circular e o consumo podem andar juntos: “Acredito que fomentar e estimular um consumo mais consciente e também sustentável são parte do processo da Economia Circular. Nesse ponto, vale lembrar que os maiores impactos socioambientais são causados por uma pequena parcela da população humana, enquanto os problemas gerados por esse consumismo são compartilhados por todos, e são sentidos, em especial, pelas populações mais vulneráveis”. Ele ainda diz com execlusividade para o portal Panorama Mercantil: “Os modelos de produção e negócio não foram desenhados originalmente para a circularidade, então o investimento inicial pode ser alto, o que desanima. Temos que enxergar essa mudança a longo prazo, em um futuro no qual o business usual não atrairá mais novos talentos e novos consumidores”.
Qual o conceito da chamada Economia Circular?
De maneira bem ampla, a Economia Circular propõe mudanças sistêmicas na cadeia de produção, consumo e descarte com o objetivo de reduzir os desperdícios e estimular a reutilização de materiais que já estão em circulação. Dessa forma, produziríamos cada vez menos resíduos e poluição ao longo dos processos, o que é benéfico para todos e para o ambiente, além de estimular um novo olhar para os recursos, para o consumo e para a importância de ações de regeneração da natureza.
Quando esse novo padrão surge como contraponto ao chamado modelo linear?
Muitas referências trazem a publicação do livro dos economistas e ambientalistas britânicos David W. Pearce e R. Kerry Turner, em 1989 (Economics of Natural Resources and the Environment) como ponto de partida para a Economia Circular. Entretanto, muitas de suas ideias e práticas já são abordadas em outros livros e artigos desde a década de 1960.
Quais as maiores oportunidades geradas pela Economia Circular?
Em primeiro lugar a oportunidade de criarmos uma cultura que traga a preocupação com o ambiente e com tudo o que ele nos provem do ponto de vista de serviços ecossistêmicos. Em conjunto, criar e valorizar oportunidades socioeconômicas como a valorização do trabalho dos catadores e cooperativas, por exemplo. Além disso, oportunidades na área de energias alternativas, design de produtos e tecnologias sociais também estão associadas à Economia Circular que permitem a abertura de novas frentes de atuação para milhares de pessoas.
Como o senhor enxerga a transição das empresas do modelo linear para a Economia Circular?
Já se observam grandes e importantes evoluções nessa direção, mas a velocidade de implantação de novas práticas deve aumentar para que realmente possamos dar conta dos principais desafios socioambientais da atualidade, em especial, a mudança climática. A mudança da matriz energética é um passo fundamental, bem como a redução do desperdício, o diálogo intersetorial para a criação de uma logística reversa eficiente, a mudança de valores por parte de quem consome e a criação de políticas que estimulem o reuso e a reciclagem. Ou seja, temos ainda muitos desafios pela frente.
Por onde passa essa transição?
Penso que em um primeiro momento, da compreensão da importância dessas mudanças, as quais serão benéficas para todos, incluindo o setor produtivo e comércio, os quais precisam ver essa transição como urgente e também como uma enorme oportunidade, e não um ônus. Entretanto, acredito que ninguém faz nada sozinho. O diálogo intersetorial deve gerar corresponsabilização, uma vez que estamos falando de uma cadeia que deve ser repensada e recriada. Somente com colaboração, boas parcerias e incentivos seremos capazes de caminhar juntos na direção da mudança.
Quais os principais pilares da Economia Circular?
Muitos deles já citei. Destacaria a valorização do reuso e reciclagem, a redução do desperdício e das perdas ao longo da cadeia de produção, consumo e descarte, as mudanças na matriz energética e a busca por corresponsabilização.
Qual a ligação do chamado ESG com a Economia Circular?
O conceito de ESG traz um olhar ainda mais cuidadoso às questões ambientais, fatores sociais e de governança nas empresas. A busca por uma economia mais circular vai ao encontro dessas dimensões e estimula práticas que dialogam com a necessidade urgente de mudanças em todos os setores. O estímulo ao reuso, a criação de modelos de inclusão social e econômica, o alinhamento de propostas e ações entre os sistemas produtivos, governo e população e a importância de financiamentos à inovação e escalabilidade de novas práticas são pontos fundamentais ligados tanto à ESG quanto à Economia Circular.
Economia Circular e consumo sustentável são complementares?
Acredito que fomentar e estimular um consumo mais consciente e também sustentável são parte do processo da Economia Circular. Nesse ponto, vale lembrar que os maiores impactos socioambientais são causados por uma pequena parcela da população humana, enquanto os problemas gerados por esse consumismo são compartilhados por todos, e são sentidos, em especial, pelas populações mais vulneráveis.
Como as empresas podem investir na Economia Circular?
Acho que um passo fundamental é compreender a fundo o conceito e o que ele propõe. A partir daí, buscar conexões e possibilidades de adaptações e mudanças nos negócios, sem perder de vista a importância das parcerias para isso. A princípio pode ser um movimento mais lento e que encontra várias barreiras humanas e de logística. O investimento é gradual também na mudança de mentalidade.
Está havendo um investimento de fato nesse ecossistema econômico?
Sim, mas como citei, podemos fazer muito mais. Os modelos de produção e negócio não foram desenhados originalmente para a circularidade, então o investimento inicial pode ser alto, o que desanima. Temos que enxergar essa mudança a longo prazo, em um futuro no qual o business usual não atrairá mais novos talentos e novos consumidores.
Quais casos notórios podemos citar?
A criação da resina plástica pós-consumo reciclada (PCR) pela Dow em parceria com a Boomera LAR que pode ser incorporada em diferentes aplicações de embalagens; a parceria 3M e Terracycle no caso da reciclagem das esponjas de lavar louça, a Conatrec que colabora na estruturação de cooperativas de catadores são exemplos de ações ainda raras e quase inimagináveis num passado recente, mas que já estão aí como exemplo a ser seguido.
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