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Os ensaios marcantes do autor Cristovão Tezza

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Cristovão Cesar Tezza nasceu em Lages, Santa Catarina, mas, acompanhando a família, mudou-se com oito anos para Curitiba, no Paraná, onde vive até hoje. Esta cidade é cenário de boa parte de sua literatura, como nos romances “Trapo” (1988), “Juliano Pavollini” (1991), “O Fantasma da Infância” (1992), “Uma Noite em Curitiba” (1995), “Breve Espaço” (1998) e “O Fotógrafo” (2004). Em sua juventude, Tezza trabalhou em teatro, participando do Centro Capela de Artes Populares, com sede em Antonina, Paraná, sob direção de W. Rio Apa. Em dezembro de 1974, foi para Portugal, matriculado no Curso de Letras da Universidade de Coimbra – mas, devido à Revolução dos Cravos, a Universidade ficou fechada por um ano. Romancista, contista, cronista e ensaísta, Tezza é autor de mais de 20 livros publicados no Brasil. Suas obras já foram traduzidas em 18 países, como China, Estados Unidos, Noruega, México, Eslovênia e Inglaterra. A tradução inglesa de seu romance “O Filho Eterno” (The eternal son, Ed. Scribe) foi finalista do prêmio IMPAC-Dublin. A edição francesa (Le fils du printemps, Ed. Metailiè) recebeu o Prêmio Charles Brisset do Instituto de Psiquiatria da França. Recentemente lançou “A Tradutora”, narrativa longa na qual o autor demonstra mais uma vez que é capaz de escrever sob o ponto de vista feminino.

Cristovão, o que ficou do garoto nascido em Lages que perdura no seu modo de pensar e até mesmo de escrever até os dias atuais?

Não sei – uma criança é um ser mutante, que a partir de um “núcleo duro” (que não sabemos nunca o que seja exatamente) vai se adaptando a um mundo em torno, às vezes hostil, às vezes amigável, mas sempre estranho. Tenho memórias fugidias da infância, algumas bastante idílicas, até o primeiro grande choque, que foi a morte do meu pai, nos meus 7 anos. Em seguida, com a mudança para Curitiba, a vida em apartamento e as dificuldades da transição comecei a sentir o desejo de escrever, mas não sabia exatamente o quê. De certa forma, comecei a definir quem eu queria ser, escrevendo.

Na juventude o senhor trabalhou no teatro. Algo desta experiência forjou, de algum modo, a sua carreira literária?

Acho que sim. A experiência de teatro como participante de uma comunidade alternativa (como então se dizia) na passagem dos anos 60 para os 70 foi crucial na minha formação. E isso tanto no sentido intelectual, pelas leituras, pelas referências artísticas e estéticas que iam se criando, como no existencial – a vida entendida como alguma coisa “à margem do sistema”, um dos mantras mais fortes daquele tempo. Tudo isso deixa marcas. Do ponto de vista técnico, a experiência inicial de escrever para o palco e de ler muito teatro deu alguns traços da minha literatura. Meus romances são sempre nitidamente “visíveis”, e muitos deles tendem a concentrar a ação numa sequência temporal bastante fechada, como numa peça de teatro. “Um Erro Emocional”, por exemplo, é um encontro entre dois personagens que simula uma sequência de “tempo real”. Não por acaso, meus livros têm se prestado a boas adaptações para o palco. “O Filho Eterno”, com o ótimo Charles Fricks, sob direção de Daniel Herz, ganhou o prêmio Esso e continua correndo o país. “Beatriz” é outra adaptação bem-sucedida, feita pelos Atores de Laura. No momento, o ator Marcello Airoldi está produzindo uma adaptação teatral de “O Professor”. Em 1995, Ariel Coelho fez uma adaptação de “Trapo” que considero ter sido quase perfeita.

O senhor é romancista, contista, cronista e ensaísta. Em que momento você acredita que conseguiu passar para o leitor, sua forma singular e única de escrever nestes 4 gêneros literários?

Depois das tentativas poéticas e teatrais da juventude, que nunca me satisfizeram, passei a me ver fundamentalmente como um romancista, e passei a trabalhar nessa direção. Nunca fui precoce. Imagino que só com “Ensaio da Paixão”, escrito em 1981 (e publicado só em 1985), comecei a me sentir um pouco mais seguro. No ano seguinte, escrevi “Trapo” (publicado apenas em 1988 – naquele tempo, tudo acontecia mais devagar…), que foi o meu primeiro livro maduro e acabou me lançando nacionalmente. O ensaísta nasceu da vida profissional – fui professor da UFPR durante 20 anos, e a entrada tardia no universo da ciência, por assim dizer, acabou despertando esse lado mais “objetivo” de ver o mundo. Depois passei a escrever resenhas e textos críticos para jornais; e o mestrado e o doutorado lapidaram as bases, por assim dizer. O contista, no meu caso, é um ramo do romancista. Escrevi um livro de contos com a mesma personagem Beatriz, o que é uma ideia romanesca. E o cronista nasceu por absoluto acaso: convidado pela Gazeta do Povo, de Curitiba, a assinar uma coluna semanal, acabei aceitando pelo puro prazer da novidade. Era um gênero totalmente novo para mim. Fiquei lá pouco mais de cinco anos, mas nunca me senti exatamente um cronista. Eu parecia mais um quinta-coluna, um impostor na coluna. Bem, foi uma belíssima experiência, que me rendeu duas coletâneas (“Um Operário em Férias” e “A Máquina de Caminhar”). Quando eu senti que a obrigação semanal começava a interferir na minha literatura, resolvi encerrar a carreira de cronista.

Quando entrevistamos o escritor Luis Fernando Verissimo, ele levantou uma questão importante, onde dizia que existe uma discussão se a crônica é um gênero literário respeitável ou não. Qual a sua visão sobre a crônica neste conceito de respeitabilidade?

Encerrei minha coletânea “A Máquina de Caminhar” com um ensaio bem-humorado sobre a crônica como gênero – “Um discurso contra o autor”. Resumindo, a partir da minha experiência, eu diria que a crônica é filha bastarda do jornalismo, e, à solta, acabou por definir novos contornos estilísticos e temáticos. Mas, pela sua vinculação umbilical com o esquadro do jornal (limitação de espaço e exigência de uma linguagem de comunicação direta com o leitor), jamais perdeu completamente a sua aura transitória. Não há livro de crônicas, por mais excepcional que seja, que consiga fazer frente a “Dom Casmurro”, “Claro Enigma” ou “Vidas Secas”. Mas não há nada a estranhar nisso – a transitoriedade, o toque francamente imediato, é, de certa forma, o filé mignon da crônica, a sua razão de ser, aquilo que, paradoxalmente, lhe dá permanência.

Seus livros já foram traduzidos em mais de 18 países como China, Estados Unidos e Noruega. Em qual deles o senhor ficou mais surpreso com a recepção?

Do ponto de vista da recepção crítica, a Itália me surpreendeu mais – a tradução de “O Professor” (publicado neste ano com o título “La caduta delle consonanti intervochaliche”) está tendo uma recepção crítica excepcional; posso dizer que superior mesmo à que recebeu no Brasil, que já foi especialmente boa. Outro momento importante foi o prêmio Charles Brisset, na França, a “Le fils du printemp”, tradução de “O Filho Eterno”. Também a edição inglesa de “O Filho Eterno” repercutiu bastante, quando se tornou um dos dez finalistas do prêmio IMPAC-Dublin de obras publicadas em língua inglesa. Entrar nesta lista chamou a atenção para o livro em vários países.

Qual dos seus livros foi o mais desafiador desde a pesquisa até o último ponto final?

Acho que foi “Breve Espaço”, publicado originalmente em 1998 com o título de “Breve Espaço Entre Cor e Sombra” e relançado há pouco pela Record, em edição revisada e com o título de “Breve Espaço”. Foi desafiador por várias razões – de certa forma, foi um momento de virada na minha linguagem romanesca. E o tema também era novo para mim – o romance, a partir de um personagem pintor, discute a relação entre literatura e pintura. Outro aspecto diferenciador é que praticamente a metade do livro é escrita sob o ponto de vista de uma mulher, e mulher estrangeira. Nenhum livro se faz por um processo tranquilo, mas este foi o mais intranquilo de todos. E também foi o que me custou mais pesquisa: parte da trama do romance se faz a partir de uma cabeça de Modigliani que, numa sequência complicada de operações escusas, e ficcionais, teria vindo parar em Curitiba.

O seu livro “Filho Eterno” de 2007, fala de um pai e seu filho com Síndrome de Down. Como foi fazer este livro em especial?

Em 1980, meu primeiro filho nasceu com síndrome de Down, e passei mais de 20 anos sem tocar neste assunto na minha literatura. Era demasiadamente pessoal, demasiadamente emocional, para eu me interessar pelo tema. Mas, num momento, quando a experiência já estava sedimentada na minha vida, senti necessidade de enfrentar literariamente minha história. Não sabia bem por onde começar – se seria um ensaio, uma sequência de crônicas, um estudo de caso -, até me decidir pela única forma em que me senti realmente livre, a ficção, o romance. Transformei o pai em personagem, um “ele”, e a narrativa finalmente fluiu, como todos os meus romances – mais pela intuição do que por planejamento. Mas, é claro, era uma intuição já temperada por décadas de literatura.

Falando ainda sobre “Filho Eterno”, o poeta Fabrício Carpinejar disse que não há literatura sem crueldade. Acredita que não há literatura sem crueldade?

Entendo “crueldade literária” como um estado de frieza, de distância do objeto, de não envolvimento. O escritor pode representar a emoção mais forte, mas como quem manobra um bisturi.

Quais as principais similaridades e diferenças que o senhor enxerga pessoalmente em sua escrita nos livros de ficção “Gran Circo das Américas”, de 1979, e “O Professor”, de 2014?

Uma diferença abissal, naturalmente. O “Gran Circo” é uma narrativa frágil, de alguém que está aprendendo a escrever, tateando inseguro o caminho. “O Professor” é um romance de maturidade, tanto do ponto de vista temático quanto técnico. Similaridades? Não sei. Talvez um certo foco nos aspectos concretos, cotidianos, da vida, que eu fui aprofundando livro a livro.

Voltando a crônica, o senhor afirma que um cronista precisa escrever em voz alta o tempo todo. Já viu algum cronista escrever em voz baixa e também ter um resultado satisfatório como quem escreve em voz alta?

A metáfora que usei é uma citação clássica de Rubem Braga, talvez o nosso maior mestre da crônica, para quem ser cronista era “viver em voz alta”. Naturalmente, a exposição diária em jornal – essa “voz alta” permanente – é uma marca de todo cronista, mesmo quando o texto é intimista ou poético; na crônica, a exposição pessoal direta é quase inescapável.

Como foi escolher “apenas” 64 crônicas das mais de 300 escritas para compor o livro “A Máquina de Caminhar”, e se uma daquelas que não entraram, ainda fica em seu pensamento “dizendo”: por que você não me republicou também?

Tive a felicidade de contar com o paciente trabalho do jornalista e tradutor Christian Schwartz, que fez a seleção, a organização e a apresentação dos meus dois livros de crônicas, “Um Operário em Férias” e “A Máquina de Caminhar”. Acho que foram seleções temáticas ótimas, justamente pelo olhar de fora – eu não teria feito melhor.

Você acaba de lançar “A Tradutora”, retomando a personagem Beatriz, que já havia aparecido num livro de contos e no romance “Um Erro Emocional”. Por que retomá-la?

A ideia central de “A Tradutora” – uma intérprete que acompanha um executivo da FIFA em Curitiba no ano da Copa – já nasceu como uma narrativa para Beatriz. Eu já tinha a personagem pronta. No fundo, invejo os autores de livros policiais, que passam a vida acompanhando o mesmo detetive. Agrada-me a ideia romanesca como um mundo paralelo ao mundo real – Beatriz, para mim, habita este mundo paralelo. Provavelmente ainda escreverei mais livros com ela. Bem, o que era para ser quase que apenas um conto virou um romance, tecnicamente bastante complexo, com várias narrativas sobrepostas no mesmo olhar. Senti um grande prazer na escrita de “A Tradutora”. Espero que este sentimento se estenda ao leitor.


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