Norton Ricardo Ramos de Mello é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paraná – UFPR (1993) com Mestrado em Engenharia Biomédica pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR (1997), PhD. Healthcare Management – Senior Living, pela Florida Christian University, Orlando, FL – USA (2020). Atualmente é CEO da BIOENG Projetos, tendo desenvolvido mais de 1.500.000 m² na área de saúde e bem-estar. Professor de vários cursos de Pós-Graduação no Brasil, professor convidado no curso de Mestrado em Healthcare Services FCU, Orlando, FL, EUA. É autor de 5 Livros sobre Planejamento e Projetos de Edificações de Saúde. Membro da Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica, da Associação Brasileira para o Desenvolvimento do Edifício Hospitalar e da International Federation of Hospital Engineering. O engenheiro analisa que os shoppings centers deixaram de ser um ambiente focado prioritariamente no consumo e no lazer e passaram a oferecer um leque considerável de serviços. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) apontou que centros médicos e/ou laboratórios representam 37% das operações nos shoppings brasileiros e a tendência é de crescer cada vez mais. Laboratórios de análises clínicas, de diagnóstico de imagem, planos de saúde e academia são apenas algumas das operações que vêm usufruindo os espaços dos grandes centros comerciais.
Norton, o que foi fundamental para o crescimento da oferta de operações de saúde dentro de shoppings?
Duas situações favoreceram esse fenômeno, o processo de desospitalização para procedimentos de baixa complexidade e o grau de conveniência oferecido aos usuários de shoppings através de segurança, estacionamento e mix de lojas e serviços.
Esse movimento começou mais ou menos há duas décadas. Em que momento ele tem mais destaque pré-pandemia?
A partir da baixa oferta de edificações preparadas para serem Centros Médicos. Os shoppings e as atividades de saúde perceberam a sinergia que podem produzir no sentido de aumentar o volume de pessoas transitando entre as atividades, o que é positivo para ambos.
Os serviços de saúde se tornam mais humanizados com essas iniciativas?
Certamente, pois, se inserem dentro do cotidiano das pessoas, diminuindo a ansiedade em ambientes pensados para proporcionar conforto, comodidade e felicidade, ao passo que dentro de clínicas e hospitais há um certo “clima” de apreensão (especialmente em hospitais). Hospitais, em geral, não se preocupam em oferecer ambientes mais lúdicos e inclusivos ou multissensoriais. Esses estabelecimentos possuem temperatura, cores, luminosidade e odores muito peculiares e característicos, mas que, na verdade, não precisavam ser dessa forma. Poderiam, sim, se transformar em “shoppings de saúde”.
A desospitalização já é uma tendência mundial. Como os shoppings são aliados nessa tendência?
A partir do momento em que há um entendimento por parte da gestão dos shoppings de que as atividades relacionadas à saúde tem um potencial gigantesco na atração de público, passamos a ver um jogo em que todos ganham. De um lado a administração do shopping diminuindo a vacância e aumentando a rentabilidade do estacionamento, os demais lojistas pelo aumento no tráfego diário de pessoas, o operador de saúde pela visibilidade e conveniência de não precisar se preocupar com segurança e estacionamento, locando apenas a área referente à sua atividade-fim, e, em especial, aos usuários/pacientes que terão maior conforto e adesão a esse modelo por conta dos ambientes dos shoppings já fazerem parte do seu dia a dia.
Essa tendência é irreversível?
Difícil afirmar, mas ficará por um bom tempo até que surjam novas formas de prestar assistência de saúde ou que se consolidem as teleconsultas e telemedicina, por exemplo. Os wearables vinculados aos sistemas de monitoramento da saúde e bem-estar das pessoas estão ganhando cada vez mais espaço, oferecendo uma nova forma de se pensar a promoção da saúde, antagonizando o modelo de tratamento de doenças. Acredito que a tecnologia será uma grande aliada nesse processo, porém, não podemos descartar uma grande parte dos casos em que o contato entre o profissional de saúde e o paciente é fundamental. Ainda não conseguimos imaginar, por exemplo, um dentista fazendo um procedimento à distância.
Quais os cuidados que devem ser tomados nesse processo em sua visão?
A estruturação da operação de saúde dentro de um shopping não é uma tarefa fácil. Jogar ambientes de saúde dispersos no mall não será amigável ao público e poderá provocar mais desconforto que a conveniência tão desejada. Temos uma questão de logística de entrada de insumos, saída de resíduos de saúde e diversos outros materiais, assim como a possibilidade de contaminação e infecção dos demais ambientes e pessoas circulando pelo shopping, que pode se dar inclusive pelo ar, portanto, há um conjunto de elementos a serem pensados para mitigar os possíveis problemas e isso envolve até a seleção de quais atividades poderão ou não se instalar nesses espaços.
Qual a importância dos elementos lúdicos nesse ambiente?
Primordialmente baixar a ansiedade e o stress causado pelos ambientes de saúde, em geral, especialmente por serem até certo ponto desconhecidos do público. Esses elementos trazem uma conexão com as memórias afetivas positivas das pessoas e podem se dar através de um conjunto de sensações como aromas, estímulos sonoros e visuais, mas não descartamos a interação através de games específicos, tato e eventualmente o paladar para algumas atividades específicas. Em uma brinquedoteca multissensorial que projetamos em um hospital observou-se uma sensível melhora na recuperação pós-cirúrgica das crianças, além de promover uma forte ligação de fidelidade com a instituição.
Quais atividades não são recomendadas para este local?
Em especial as que tratam de doenças infecciosas e de alto grau de transmissibilidade. Estão nesse rol as relacionadas com infectologia e algumas situações muito particulares de outras especialidades onde os pacientes podem estar imunodeprimidos e a ida ao shopping pode expor essas pessoas a um risco desnecessário.
Como os empreendimentos estão se adaptando a esse novo cenário?
Ainda há uma carência muito grande de profissionais especializados que possam orientar os shoppings nesse movimento, portanto, as iniciativas que estão surgindo ainda não são propriamente estruturadas, mas sim esparsas no sentido de “vamos experimentar isso para ver como será a repercussão”. Essa forma mais empírica pode levar a resultados muito ruins e fazer com que uma experiência altamente lucrativa e viável se torne uma catástrofe econômica. A Bioengenharia Aplicada em Projetos Arquitetônicos auxilia a estruturar essas operações de forma mais fluida para garantir resultados em alta performance tanto para os shoppings como para os operadores de saúde.
Poderia nos dar um exemplo notório?
Ainda estamos engatinhando no Brasil nesse sentido. Existem algumas iniciativas melhor estruturadas como em Curitiba em um shopping da rede Multiplan. Nos demais shoppings pelo Brasil o que se vê são situações muito particulares tendo apenas um operador de saúde ancorando. O mais comum são farmácias e laboratórios, mas estamos avançando lentamente em diagnóstico por imagem e clínicas médicas.
Os ambientes multiusos vieram para ficar pós-pandemia?
Complicado dizer que a forma de projetar na exceção será a regra, mas sem dúvida que a forma de compartilhar custos irá atrair muitos empreendedores para dentro dos shoppings e outros empreendimentos com características semelhantes como os Medical Centers, os quais oferecerão cada vez mais atrativos para o usuário em termos de conforto e conveniência.
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