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O talento prodigioso do animador Otto Guerra

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O primeiro curta-metragem de Otto Guerra foi “O Natal do Burrinho”, lançado em 1984 e ganhador do Kikito no Festival de Cinema de Gramado desse mesmo ano. Em 1995, Guerra lançou o longa “Rocky & Hudson – Os Caubóis Gays”, baseado nas tiras de Adão Iturrusgarai. Em 2006, lançou “Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll”, baseado nos personagens do cartunista Angeli e primeiro longa-metragem de animação brasileiro a receber do Ministério da Justiça o selo “proibido para menores de 18 anos”. No ano de 2013, o diretor lançou “Até que a Sbórnia nos Separe”, baseado na dupla musical Tangos & Tragédias. É um dos cinco brasileiros citados no livro Animation Now, a bíblia da animação mundial, publicado pela editora alemã Taschen: “Otto Guerra pertence à animada e criativa turma do cinema gaúcho no estado brasileiro do RS. Com uma carreira diversificada, que abrange filmes publicitários e ácidas comédias autorais, ele se tornou o papa underground da animação brasileira, fazendo sucesso e escola com seu caminho torto. Guerra, em português, é o nome para war/guerre/krieg. Otto armou sua trincheira, a empresa Otto Desenhos Animados, em 1978, e desde então vem alvejando a cultura de massa e os temas infantis com as suas sátiras impagáveis.” Em 2017, foi homenageado no 45º Festival de Cinema de Gramado. Recentemente levou a cartunista Laerte para o cinema com “A Cidade dos Piratas”.

Otto, por que a escolha pelo cinema?

Essa coisa de ter uma “vocação” precoce me faz sentir mais como vítima da atividade do que agente. Eu não tinha escolha, ou sentava desenhando, ou morria. Como praticamente todos os animadores, comecei fazendo HQs. Sim, toda criança desenha, mas entre 8 e 10 anos param, eu não parei. Além dos quadrinhos, antes da animação, por volta de 1970 surgiu o gravador cassete e do dia para a noite, virei locutor de rádio, novelista, autor, ator, diretor. Encenava textos de pé em cima da eletrola da sala.

Em que momento se deu o interesse pelo cinema de animação?

Quando vi os primeiros filmes animados, sobretudo “A Bela Adormecida”. Muitos anos depois vi na TV gaúcha um anúncio sobre uma oficina de animação. Tinha 17 anos, me inscrevi e não perdia uma aula. Em casa fiz uma mesa de luz, migrei das histórias em quadrinhos para os filmes animados, fiz um pequeno curta em super 8mm e aquilo era mais chapante que qualquer droga lícita ou ilícita. Animação ao invés de HQ, porque substituí? Talvez eu intuísse que desenho animado, com seus filmes comerciais, poderia pagar meus boletos, o que as HQs dificilmente fariam. Com a grana dos comerciais comprei equipamento e pude contar minhas histórias.

Como o cinema de animação está situado no Brasil se compararmos com o resto do mundo?

O Brasil está surpreendendo o universo da animação mundial. Nem nas minhas mais delirantes expectativas otimistas, imaginava que ainda em vida eu faria longas-metragens, séries, e tantos curtas. O Brasil se seguisse produzindo assim seria uma potência mundial do desenho animado em breve.

A publicidade teve algum efeito prático no seu modo de realizar o seu trabalho atual?

Iniciamos com propaganda em 1978, a equipe cresceu rápido, realizamos centenas de enfadonhos filmes comerciais. Mas, ao mesmo tempo que eram um mergulho no inferno, os filmetes de propaganda deram fôlego para os trabalhos autorais. Foi estratégico investir a grana suada da publicidade em filmes para cinema.

O que não pode faltar em um filme em que você está envolvido?

Despretensão, humor, roteiro que me identifique e boa direção de arte.

Trabalhar com o modelo já pronto como foi em “Wood & Stock” é mais desafiador do que algo em que se pode mexer?

Sem dúvida. Mas como não criei nenhum universo próprio nos quadrinhos apelei a autores que admiro. Então, evidente que surgem problemas, é como cuidar de filhos dos outros. Quando disse ao criador do Wood & Stock [no caso o chargista Angeli] que adaptaríamos seu desenho o mais próximo possível ele disse: “sei Otto, a Rê Bordosa vai ficar parecia com a Turma da Mônica”.

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Você já disse que o cinema é uma força poderosa que pode transformar coisas. Em que momento sentiu que estava transformando algo?

Na realidade o poder transformador está na cultura, onde o cinema está inserido. A evolução da nossa espécie se dá muito pelo contador de histórias, desde épocas ancestrais e vai ser assim para sempre.

Quando o lúdico deve andar com o racional neste ofício?

O racional atrapalha demais. Ele nos faz desaprender ao longo da vida. Nascemos sabendo os segredos do cosmos, da alegria, do nosso corpo, mas aos poucos somos doutrinados e nossa espontaneidade se esvai com valores e limites que vão se estreitando cada vez mais. Por fim viramos cópias do modelo ensinado conforme o grupo que estamos inseridos. Um criador precisa manter alguma conexão com o cosmos, com o conhecimento nato da criança, com a magia que é a imaginação em estado bruto. Temos uma montanha-russa acoplada a um avião supersônico na cabeça quando nascemos. Com o tempo viramos um pedalinho. Eu tento manter meu lado lúdico não levando a vida a sério, citando Domingos de Oliveira: “o humor é a única forma de falar sério da vida”.

Ideias antigas já foram usadas em novas ideias que foram transpostas consequentemente para as telas?

Nada se cria, é uma repetição infinita contar histórias que ao longo do tempo vão evoluindo ou involuindo, (Risos).

Como as novas tecnologias têm lhe ajudado na distribuição de suas criações?

A mudança do analógico para o digital democratizou a produção. Hoje é muito mais acessível produzir audiovisual. Temos então mais tempo para trabalhar o conteúdo das histórias. Não se gasta mais tanta energia na confecção do filme. O audiovisual está num crescimento exponencial a partir dos meios digitais, da nuvem internet, virou uma imensa bola disforme que procura ainda definir qual forma tomará depois dessa dramática demolição de tudo que conhecíamos simplesmente como cinema e televisão. O que vem aí? Não se sabe.

O que descobriu de mais interessante mergulhando na “profundeza de seu abismo?”.

Que é melhor se jogar mesmo. O medo paralisa. Claro vamos nos machucar, errar, passar constrangimentos, mas é isso, tem que se jogar no abismo. E também não adianta mirar em algum objetivo definido, tudo o que existe é o caminho, a queda. Vai de friozinho na barriga, vento no rosto, até desespero e choradeira. Mas para mim o único abismo que faz sentido hoje é amar.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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