Pablo Miyazawa foi editor-chefe da revista Rolling Stone Brasil de 2006 a 2014. Trabalhou também nas revistas Nintendo World, EGM Brasil, Herói, Play e Pokémon Club. Na Conrad Editora, manteve o site Gamer.br no portal IG entre 2006 e 2011, e o Blog do Pablo Miyazawa no portal UOL, em 2014. Já publicou trabalhos na Folha de S. Paulo e nas revistas Superinteressante, Set, MTV e Status. Começou sua carreira como “Powerline” da Gradiente Entertainment (representante da Nintendo no Brasil) – o “powerline” dá dicas para jogos por telefone. Em 2015, foi o primeiro integrante da equipe editorial da filial brasileira do portal IGN, especializado em jogos eletrônicos. Em 2016, lançou o livro “52 Mitos Pop” pela editora Paralela. “Ainda hoje é difícil para mim compreender o que foi esse período de quase oito anos em que vivi e respirei Rolling Stone todos os dias, para o bem e para o mal. O trabalho era árduo, intenso e, por vezes, impossível. A ânsia por fazer por merecer a marca levou a equipe muitas vezes ao desgaste total, mas o esforço sempre compensava, mesmo quando as coisas não davam tão certo quanto o desejado. Hoje, após quatro anos de minha saída, consigo enxergar mais bons momentos do que ruins. A experiência como um todo foi transformadora para mim, tanto no pessoal como no profissional. (…) Vejo como inevitável o processo de individualização do jornalista”, afirma.
Pablo, você começou sua carreira como “powerline” da Gradiente Entertainment. Quais lembranças que você tem dessa época?
Foi onde tudo começou para mim. Quando se tem 18 anos, pelo menos no meu tempo, era difícil enxergar muito longe. Não consegui avaliar na época se aquela decisão de trabalhar fora de minha futura “área” faria alguma diferença em minha carreira futura. Acabou que fez sim, toda a diferença. Por isso que gosto de dizer a quem me pergunta que “toda decisão é importante, até aquelas que parecem não fazer diferença”. Como eu poderia saber o que o futuro me reservaria? Mas se eu não estivesse naquela posição, na hora e lugar certos, não teria recebido a oportunidade que conduziria toda minha carreira. Tudo foi importante.
Daquela época, lembro de tudo ser divertido, uma descoberta interessante a cada dia. Mesmo com uma rotina enfadonha de atender telefones durante seis horas diárias e responder dúvidas de consumidores, eu realmente me sentia me preparando para algo maior, então procurava me divertir, mesmo quando a rotina incomodava. Ter contato direto com o consumidor final me trouxe um olhar diferenciado para lidar com as necessidades das pessoas, de uma forma semelhante ao aprendizado durante meu primeiro emprego, aos 12 anos, em uma banca de jornal. Agora consigo ter consciência completa do quanto aquela fase da vida me ajuda profissionalmente ainda hoje.
Você afirmou que os jogos ajudam as pessoas a adquirirem novas sensações e percepções que não conseguiriam ter na vida real. Quais foram são principais sensações e percepções que não teve na vida real, mas que sentiu jogando games?
É engraçado pensar nisso hoje, que os videogames fazem parte da minha profissão. Hoje, enxergo os jogos como um meio que preciso compreender e decifrar, então é difícil separar as personas e apreciar puramente, como eu fazia quando era criança. Mas vez ou outra, com mais frequência que eu imaginava ser possível, me pego encantado com a capacidade dos games de nos transportar a outras realidades e nos fazer pensar e agir de um modo que a vida real não nos oferece espaço. Vejo os games hoje como portais para diferentes mundos, possibilidades, sensações e pensamentos. Nenhum outro meio consegue alcançar essa gama de adjetivos de uma só vez.
Em 2011, você afirmou que falta foco nos objetivos para a indústria de games aqui no Brasil. Esse foco de certa maneira já foi encontrado, passados quase oito anos dessa sua declaração?
Certamente, muito mudou de 2011 para cá. Hoje temos uma indústria real instalada no país, e um mercado consumidor maduro que sabe o que pode esperar, e que quer sempre mais e melhor. Ao mesmo tempo, há uma indústria de produção independente jovem, promissora e criativa, que ainda está longe de alcançar seu potencial completo – mas, felizmente, há muito espaço para isso. Enfim, em 2011 eu parecia desanimado com os rumos da indústria nacional, mas as peças de certa forma foram se alinhando. Se hoje temos problemas, eles estão mais ao redor da indústria em si do que nela própria. O mais importante é que a quantidade de consumidores de games jamais vai deixar de crescer no Brasil. Acredito que daqui a uma década o país estará entre os cinco mais relevantes desse setor no mundo.
Como foi a experiência de editar a Rolling Stone, mítica publicação criada pelo editor não menos mítico Jann Wenner?
Foi realmente uma experiência mítica, na falta de outro adjetivo abstrato (Risos). Ainda hoje é difícil para mim compreender o que foi esse período de quase oito anos em que vivi e respirei Rolling Stone todos os dias, para o bem e para o mal. O trabalho era árduo, intenso e, por vezes, impossível. A ânsia por fazer por merecer a marca levou a equipe muitas vezes ao desgaste total, mas o esforço sempre compensava, mesmo quando as coisas não davam tão certo quanto o desejado. Hoje, após quatro anos de minha saída, consigo enxergar mais bons momentos do que ruins. A experiência como um todo foi transformadora para mim, tanto no pessoal como no profissional.
Para onde você acredita que o jornalismo cultural deve caminhar nas próximas décadas?
Enxergo uma evolução gradativa do que já estamos experimentando há alguns anos. Vejo como inevitável o processo de individualização do jornalista e a diminuição da relevância do veículo e da empresa de maneira geral. Veremos mais iniciativas independentes que dão certo, a maior valorização do papel do influenciador (e sua consequente profissionalização) e a decadência mais acelerada dos antigos detentores do monopólio da informação. As redes sociais e o imediatismo da cobertura ao vivo também estão modificando o modo como o jornalismo tradicional se comporta, e isso terá consequências diretas em como o consumidor do futuro irá optar por se informar e participar. Enfim, nada será como hoje e o futuro está próximo e não está escrito – quem disser que sabe o que vai acontecer nos próximos três anos, provavelmente está muito enganado.
A palavra em voga hoje (sobretudo no jornalismo impresso) é reformulação. Você sente que essas reformulações são reais de fato, ou com sua experiência poderia dizer que é apenas uma sobrevida para a voracidade inevitável do mundo digital?
Eu escuto que o jornalismo impresso vai morrer desde que entrei na faculdade de jornalismo, em 1996. E ainda assim, dos meus vinte e poucos anos de profissão, 17 foram trabalhando em revistas de apelo popular. A verdade é que o formato tradicional desse negócio está com os dias contados – a dependência do apoio publicitário sempre foi o “calcanhar de Aquiles” do jornalismo impresso, e não é mais segredo que o mercado não enxerga mais o papel como um meio obrigatório de propagar suas marcas. Como jornais e revistas vão se sustentar se ainda são dependentes desse modelo moribundo? A grande maioria das empresas do setor está sofrendo com isso. Resolver essa equação pode garantir uma sobrevida ou um renascimento do jornalismo como produto nos próximos anos.
Falando um pouco de rock, o mais influente gênero musical sofre com a morte de heróis lendários nos últimos tempos como David Bowie, Lemmy Kilmister, Joe Cocker, Scott Weiland, Jack Bruce e Chris Squire só para citar alguns grandes nomes. Como vê o futuro do rock e qual o peso real da perda desses grandes expoentes insubstituíveis?
O auge da relevância do rock foram as décadas de 1960/70, então era realmente questão de tempo que seus principais expoentes – e seus sucessores – fossem desaparecendo aos poucos (inclua aí o Prince a essa lista). Eu sempre questiono os músicos que entrevisto sobre o “fim do rock”, e sempre recebo respostas evasivas ou agressivas: “O rock não está morto coisa nenhuma, está vivo nas garagens, nos clubes, etc”. Pode até ser verdade que ainda há rock de boa qualidade sendo feito no mundo inteiro, e agora mais do que nunca temos a chance de ter contato com isso. Mas também é fato que o rock como instrumento de propagação de mensagens é coisa do passado (atualmente, vários outros gêneros musicais fazem esse papel de modo mais alinhado com os anseios das novas gerações). Logo, o rock hoje é mais um gênero musical com muitos fãs, de apelo global, que dependendo da circunstância, pode ganhar novos impulsos aleatórios — não está morto, mas apenas descansando, esperando a hora de se levantar. Agora, importância histórica como foi 50 anos atrás, essa não irá voltar.
Voltando a Rolling Stone, qual assunto ou personagem você queria ter colocado na capa da revista, mas por um motivo ou outro não conseguiu?
Foram mais vitórias do que derrotas. Hoje, quatro anos após deixar a publicação, não consigo pensar em muitos personagens que ficaram no “quase”. As negociações com o Los Hermanos foram longe, e foi bem triste que a capa acabou não dando certo. Durante toda minha permanência sonhei em ter o Silvio Santos na capa, mas sabíamos que seria tarefa quase impossível, porque ele raramente faz esse tipo de coisa. Hoje gosto de valorizar as vitórias, como foram as capas com Romário, Ronaldinho, Racionais MCs e com os três presidenciáveis da eleição de 2010. As vitórias foram se tornando cada vez mais raras com o passar dos anos, porque os grandes personagens foram ficando escassos, mas lembro de que o desafio da “próxima capa” era um dos principais fatores motivadores para me fazer continuar.
“Uma imprensa especializada deve ser atuante, antenada e relevante, pautando a grande imprensa, mas não agindo como um nicho ou com complexo de vira-lata.” Seus anseios do que espera ser um empresa especializada, estão sendo concretizados no IGN Brasil?
De certa forma, estão sim. Cada vez mais, a imprensa de nicho está ganhando sua própria importância porque o público está mais exigente e com nível elevado e com mais acesso ao novo, ao diferente. Os veículos precisam saber acompanhar a tendências que o público deixa claro por meio de números comprovados, feedbacks e comportamentos — não dá mais para ser arrogante e pensar que vamos determinar o que as pessoas vão consumir. Neste momento único que vivemos da relação de troca de informação entre público e mídia, as engrenagens se inverteram. É o consumidor que manda. Como jornalistas e produtores de conteúdo, temos de escutá-los com atenção.
Acredita que o jornalismo colaborativo é uma saída para os novos tempos ou nada substitui o jornalismo tradicional?
Complementando o que falei na resposta anterior, acho que a velha escola e os velhos formatos chegaram a um ponto em que não há mais como olhar para trás e celebrar velhas vitórias. Renovar e se reinventar são palavras de ordem para aqueles indivíduos ou instituições que pretendem continuar atuando com relevância e viabilidade financeira nos próximos anos. Nada sustentado pela palavra “tradicional” terá como sobreviver por muito tempo, pelo menos no que diz respeito à comunicação.
Você ressaltou em algumas entrevistas, que temos que viver uma vida simples e parar de nos levarmos tão a sério. Gostaria que falasse um pouco mais sobre esse ponto interessante da sua visão de mundo.
Eu adoraria conseguir cumprir meus próprios conceitos, mas, na prática não é nada fácil. Sobre levar uma vida simples, a ideia é se afastar ao máximo de falsos valores, vaidades e superficialidades. Tentar construir uma trajetória baseada em princípios positivos e dar valor ao que interessa, e isso não se aplica somente à carreira, mas à vida privada também. Na prática, isso quer dizer tratar a todos por igual, respeitar pontos de vista e visar sempre transmitir boas energias e trabalhar por um bem maior. Parece utopia, mas tem funcionado – e me ajudou a chegar aqui.
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