O produtor, diretor e roteirista Paulo Nascimento, cursou a faculdade de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no Rio Grande do Sul. Após a formatura, Paulo mudou-se para Porto Alegre, onde hoje é sócio da Accorde Filmes e diretor e roteirista da Rede Globo. Tem diversos trabalhos em longa-metragem, curta-metragem, séries de TV e documentários, além de trabalhos em publicidade. Em seus filmes já adaptou diversas obras literárias importantes, uma delas do escritor Luiz Antônio de Assis Brasil. Ainda desenvolveu co-produções com a Argentina, como o longa-metragem de ficção “A Oeste do Fim do Mundo”, e possui indicações e premiações em Festivais de Cinema no Brasil e no exterior. Seu mais recentes trabalhos são “Teu Mundo Não Cabe Nos Meus Olhos”, tendo como protagonistas Edson Celulari e a argentina Soledad Villamil e “A Superfície da Sombra” com o ator Leonardo Machado. “Cada vez mais as coisas se misturam, pelo menos, a meu ver. Ainda acho que as séries, nesse momento, tem um lado mais livre, mais criativo e, acima de tudo, uma durabilidade maior, uma abrangência maior. Está difícil levar alguém ao cinema, por mais que depois tenham outros canais de divulgação do filme. (…) É puxado fazer e entender o processo de uma série, mas, por um tempo, pretendo investir mais nisso, até como aprendizado”, afirma o diretor e produtor.
Paulo, o cinema brasileiro está indo para qual direção?
A direção em que as pessoas passaram a, infelizmente, perder o hábito de verem filmes que não sejam o entretenimento, ou seja, para ver algo na tela grande, hoje todos querem um som ou um 3D ou algo que justifique, senão, por um valor muito mais baixo, se aluga num Net Now ou Apple TV. É perfeitamente compreensível, pois, o que faz uma pessoa pagar R$ 40 reais para um casal, nos dias de desconto, mais estacionamento, a tal pipoca e entrar numa sala com alguém conversando ou mexendo no celular, ao lado, para ver um filme que se pagará R$ 16 reais em uma destas plataformas. Não é um caminho do cinema brasileiro, mas um caminho mundial, aqui agravado pela crise que mudou o hábito de muita gente. Estou falando de cinema, mas afeta restaurantes, etc, etc. Quando você muda o comportamento, não volta e o cinema é um pouco disso.
Quando um roteiro torna-se bem-sucedido em sua visão?
Quando ele se comunica de uma maneira direta e simples. A coisa mais difícil é contar uma história simples, daquelas que emociona e funciona. Todos buscamos isso, mas é uma loteria. Quando funciona é um motivo de soltar foguetes, mas ninguém sabe a fórmula (talvez, ainda bem senão seríamos das ciências exatas).
O que você acredita que não pode faltar em um filme dirigido por você?
Vontade de contar aquela história. Não saberia trabalhar de uma forma mais “industrial” no sentido de contar algo que não gosto. Preciso gostar muito do que vou mostrar e depois torcer para que os outros gostem como eu. Não é fácil, mas se não começar assim, a chance de chegar a algum lugar é zero. O contador de histórias tem que se identificar de alguma maneira com a história que conta.
É possível fazer um filme que seja ativista e, ao mesmo tempo, comercial?
O ativismo vem se transformando em um produto comercial também. Isso não é ruim, é uma evolução. A sociedade percebe uma ação polêmica, identificada, com foco, como algo positivo e aí isso vira uma corrente que se transforma em comercial. Nunca fui contra a palavra “comercial”, o que sou contra é ser comercial por ser, sem um propósito. Nunca fui bom em marketing então não corro esse risco, mas o importante é que se separa cada vez menos as palavras – ativista e comercial.
A arte deve ter um papel social?
Sempre tem. Se mexer em algum botão lá no interior de uma criança, um adulto, qualquer sensação nova, uma mudança mínima, é um papel social. Existem, mas são raros os filmes ou séries que possam ser totalmente descartáveis. A intenção de alguém passa ali naquela obra, seja para um lado ou outro.
Você tem experiência em cinema e televisão. Quando você acredita que um converge com o outro tecnicamente?
Cada vez mais as coisas se misturam, pelo menos, a meu ver. Ainda acho que as séries, nesse momento, tem um lado mais livre, mais criativo e, acima de tudo, uma durabilidade maior, uma abrangência maior. Está difícil levar alguém ao cinema, por mais que depois tenham outros canais de divulgação do filme, mas a série já é dirigida a um público que irá se multiplicar quando for exibida em outro canal, outro país, no streaming, enfim, há uma carência maior de conteúdos – séries do que filmes. É puxado fazer e entender o processo de uma série, mas, por um tempo, pretendo investir mais nisso, até como aprendizado.
Quais as maiores diferenças do cinema argentino em comparação com o brasileiro?
É meio geral que é o roteiro, mas acho que é o foco. Os argentinos pensam em histórias “mínimas” como uma maneira de se comunicarem com seu público. Eu me identifico muito com histórias simples e mínimas, talvez por isso me identifique tanto com o cinema argentino. Eles acharam um jeito de dizer: “Ok, não temos a “plata” que os americanos têm, mas inventamos um jeito de sermos interessantes”. É uma escola, tenho tentado aprender muito com eles em todas as minhas produções que sempre tem um pé lá.
É possível não se envolver emocionalmente quando se realiza um documentário como “Janeiro 27?”.
Esse documentário é algo a parte. É aquela obra que você foge a vida toda de fazer porque o tema é tão avassalador que você fica o tempo todo fora de qualquer domínio lógico, profissional. Não dá pra conversar com aqueles pais e não tomar partido. Não dá para tratar como algo jornalístico ou um fato, é uma tragédia humana, por dentro e por fora. O que aconteceu lá foi o começo, mas o que vem acontecendo com os pais, irmãos, amigos, é algo revoltante e aí concluo que não tenho isenção nenhuma pra falar sobre isso, apenas queria não ter feito, mas fiz, porque vi que, com o Luiz Alberto Cassol, que foi o primeiro a ser procurado pelas famílias, não tínhamos outra alternativa. Tem horas que é preciso acreditar no destino e no chamado.
Você já trouxe algo do teatro para a televisão ou para o cinema?
Acho o teatro um trabalho de carpintaria imensamente maior do que faço na TV ou cinema. A falta de controle do foco, do que mostrar, como é o teatro, me deixa confuso, parece que não estou nunca contando a história. Nunca dirigi teatro e acredito que não tenho habilidade para isso, não tenho essa visão geral que é preciso. Minha visão é conduzida por uma lente. Posso escrever para teatro, mas aí deixo a dificílima função de traduzir o que escrevi, para um diretor de teatro experiente.
Como as novas tecnologias ajudam em seu ofício?
As novas tecnologias trazem cada vez mais liberdade para realizar. Há 15 anos qualquer curta que nós pensávamos (longa era quase impossível) começava pelo preço da câmera e do negativo. Hoje se começa pela história, atores, etc., a parte técnica é muito menos importante. Precisamos de menos luz, menos equipamento e isso nos permite sonhar mais, fazer mais e aprender mais.
O que acredita ser essencial para um cineasta estar produzindo em alto nível e por um logo tempo?
Nunca acreditar que está em alto nível. Acredito que seja um pouco assim em todas as áreas. Não existe jogo ganho. Qualquer sensação de conforto é o primeiro passo pra se tornar medíocre. Sempre há alguém melhor, alguém que inova e você tem que estar sintonizado. Informação é tudo. Um antigo professor de cinema do Rio me disse um dia: “Todo ano entram 20 gênios na minha turma, mas nunca vi um gênio de verdade”. Acredito muito nisso. Não somos gênios, não seremos gênios, somos aprendizes, eternos, em busca da melhor forma de comunicar. A genialidade passa e vira apenas referência. Quem não se encanta com “Amarcord”, mas quem faria hoje algo assim? É a referência, mas as coisas se movem o tempo todo e a gente tem que estar atento a isso com uma grande dose de humildade para saber que não sabemos nada, apenas estamos ali, naquele momento, tendo a oportunidade de fazer um filme ou uma série. Somos operários e sempre seremos, graças aos céus…
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