Francisco Gomes Jr. é advogado e sócio da OGF Advogados. Formado pela PUC-SP, pós-graduado em Direito de Telecomunicações pela UNB e Processo Civil pela GV Law – Fundação Getúlio Vargas. Foi presidente da Comissão de Ética Empresarial e da Comissão de Direito Empresarial na OAB. O advogado traz sua análise sobre a situação política atual e sua relação com a internet, principalmente redes sociais. Em seu artigo “A política na era digital” (publicado recentemente), Francisco adentrou em assuntos importantes como a polarização formada a partir de nichos de opinião, onde se fala para uma plateia determinada, com possibilidade de seleção através de bloqueios e cancelamentos. “A pós-verdade surge como decorrência de um debate mais raso em política e em outros temas. Quando se transforma debate em bate-boca, estimula-se aos poucos uma forma de linguagem que tem como prioridade ganhar a discussão, ainda que abdicando da verdade. Responde-se um argumento com o qual não se concorda através de uma ofensa, um xingamento e a plateia vibra com essas atitudes. Para que ter uma discussão aprofundada sobre economia, por exemplo, se posso encerrar um assunto com “e sua mãe?”. Para que ter uma coerência em minhas opiniões se posso simplesmente apagar postagens e construir uma “nova verdade?”. As redes sociais, acredito que de forma involuntária, são os principais mecanismos”, afirma.
Francisco, quais são as maiores dificuldades da política na era digital?
A era digital altera paulatinamente a forma de comunicação entre os cidadãos e os ocupantes de cargos políticos. Hoje, políticos se comunicam através de redes sociais, aplicativos e do Twitter (presidentes se comunicam por esse meio, o que era impensável há cinco anos). Essas novas formas de comunicação ampliam o público que se insere em discussões políticas, mas o espaço das redes sociais limita a profundidade do debate pela própria natureza da linguagem que nelas se usa. A linguagem passa a ser a da “lacração” e de argumentos rápidos e muitas vezes ofensivos. A tendência é termos uma geração que entenda a atividade política como um embate entre lados da população e não mais como um diálogo entre todos os setores da sociedade para o bem comum.
A formação de bolhas têm dificultado a discussão política na internet. Os fatos ocorridos em 2013 foram cruciais para essas bolhas “ganharem corpo?”.
As bolhas ou nichos são decorrências das redes sociais. Ao selecionar por algoritmos quais postagens aparecem em seu feed de notícias, as redes passaram a trazer mensagens coincidentes com a sua, para estimular um maior tempo de navegação naquela rede. É mais agradável ler e ver coisas com as quais se tem afinidade e a ter como amigos nessas plataformas as pessoas com o mesmo gosto e opinião. Isso formou os nichos. Os fatos de 2013 são de suma importância, manifestação popular de grandes proporções para demonstrar a insatisfação social com políticos e poderes no país. Mas com o tempo o movimento se esvaziou, limitando-se a eleger alguns representantes ao Parlamento. Entretanto, não há uma relação direta dessas manifestações com as bolhas, até porque essas bolhas crescem mundialmente e não somente no Brasil, fruto de uma polarização política global.
Esse processo é irreversível?
A princípio sim. As redes sociais estimulam nichos dando vazão a grupos extremados inclusive, que se abastecem e combinam ações através delas. A primeira responsabilidade de monitoramento do conteúdo postado é da própria rede (lembremos que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, foi banido definitivamente do Twitter) e do Poder Judiciário, em outras palavras, existem remédios para conter excessos, quando ocorrerem denúncias e provas. Mas como não há como censurar previamente o conteúdo das redes (e nem se deve), a “lacração” nas redes e postagens ofensivas de grupos radicais mostra-se uma tendência irreversível.
A política da pós-verdade é impulsionada por quais mecanismos em sua visão?
A pós-verdade surge como decorrência de um debate mais raso em política e em outros temas. Quando se transforma debate em bate-boca, estimula-se aos poucos uma forma de linguagem que tem como prioridade ganhar a discussão, ainda que abdicando da verdade. Responde-se um argumento com o qual não se concorda através de uma ofensa, um xingamento e a plateia vibra com essas atitudes. Para que ter uma discussão aprofundada sobre economia, por exemplo, se posso encerrar um assunto com “e sua mãe?”. Para que ter uma coerência em minhas opiniões se posso simplesmente apagar postagens e construir uma “nova verdade?”. As redes sociais, acredito que de forma involuntária, são os principais mecanismos. Quando falo em redes sociais, incluo outras formas da comunicação digital como blogs, canais de YouTube, dentre outros.
Quais os maiores riscos da pós-verdade?
O grande risco é que a verdade perca sua importância, sobretudo no debate político. Tudo passa a ser aceito. Como exemplo, teorias negacionistas risíveis até pouco tempo atrás (como terraplanistas, negadores do aquecimento global e antivacinas) ganham mais espaço. Deixam de ser teorias conspiratórias para serem encaradas por boa parte da sociedade como reais. Ainda que a ciência prove e demonstre o contrário, essa verdade não vale, ela não tem mais importância. E isso se aplica a tudo, pode-se pegar um fato político consolidado, como Hitler sendo um extremista da direita e dizer simplesmente que Hitler era de esquerda, sem maiores motivos ou justificativas. O risco da pós-verdade é substituir a verdade por novas narrativas sem compromisso com ela.
A pós-verdade levará à pós-democracia?
A pós-verdade estimula polarizações, negações e fanatismo. Em última análise pode representar uma ameaça ao Estado de Direito, o surgimento de regimes com menores liberdades individuais e mesmo regimes autoritários de direita ou de esquerda. Os valores democráticos passam a ser ameaçados, tem-se uma menor tolerância.
Onde podemos ver os eixos da pós-verdade mais claramente?
Vou citar exemplos de dois lados distintos para que minha manifestação não soe como simpática a um lado ou outro. Tem-se um fato notório ocorrido há alguns anos que foi a corrupção na Petrobras. Além de inúmeras confissões e depoimentos, houve a devolução de R$1,5 bilhão aos cofres públicos, dinheiro recuperado no país e fora dele. Apesar disso, boa parte da esquerda nega a corrupção, nega o envolvimento de seus membros e prega para seu público que tudo não passou de uma perseguição política.
Por outro lado, a extrema-direita também nega fatos notórios. Como sabemos, o país viveu por décadas em Regime Militar e abusos ocorreram. Notícias de tortura se disseminaram com nomes dos torturados e torturadores. Apesar disso, boa parte da direita nega essas torturas, diz se tratar de uma perseguição, um revanchismo. Poderíamos dar centenas de exemplos como esse mas, em síntese, fatos são narrados para atender à finalidade de determinado grupo e cada grupo defenderá sua versão. O compromisso com a verdade vai sendo substituído pela necessidade de ganhar o debate político.
O site Breitbart e consequentemente o seu ex-diretor, Steve Bannon, seriam os “pais” da Era da Pós-verdade?
Steve Bannon é um autor admirado pela ala conservadora mais extrema. Nos tempos atuais é um dos incentivadores da pós-verdade à medida que defende que o político deva pautar a sociedade, com aparições constantes e chocantes, não necessariamente verdadeiras. No extremo, se a repercussão for muito negativa, pode-se negar o que foi dito ou mudar, mas o espaço nas mídias foi ocupado e aparecer, na era das redes, tem importância fundamental. Mas se fossemos aprofundar o debate poderíamos ver em “O Príncipe” de Maquiavel traços desse político moderno que busca resultado, não interessando os fins. Ou mesmo em Schopenhauer que apresentou a teoria erística, formas de se ganhar um debate sem ter razão. Steve Bannon soube aplicar essas ideias nas mídias digitais que cresciam. Soube se valer de fake news, teorias conspiratórias e outros meios para eleger seus candidatos.
Essa pós-verdade impõe quais desafios ao jornalismo?
O jornalismo será a trincheira onde se luta pela obtenção da verdade, onde se luta para desmascarar falsas alegações e mentiras. Por conta desse papel, vem sendo combatido por determinados grupos que querem a sua verdade e não a verdade jornalística. Áreas como o jornalismo e o Direito serão fundamentais na luta pela restauração da verdade como princípio.
O senhor vê a imprensa brasileira embarcando na pós-verdade com frequência?
Essa frequência vem diminuindo, mas ainda se embarca em fatos falsos criados para gerar polêmica. A pós-verdade ainda pauta boa parte do debate. Acredito ser fundamental para a imprensa aprofundar-se no funcionamento dos mecanismos digitais. Não basta mais se falar em robôs. É necessário saber como se multiplicam as fake news, como são as células de capilaridade, como funcionam algoritmos e assim por diante. Com alguma frequência vemos em debates nas mídias youtubers como Felipe Neto e outros e nota-se o amplo conhecimento que eles têm de ferramentas que a imprensa desconhece. Para fugir das armadilhas, é fundamental que a imprensa se aprimore no conhecimento dos novos mecanismos.
Como definiria o centro, a direita e a esquerda brasileira na Era da Pós-Verdade?
Sem nenhum juízo de valor político, repito, entendo que a direita está melhor adaptada às mídias digitais, até mesmo porque valeu-se há alguns anos da consultoria de Steve Bannon e outros operadores digitais. Formaram células digitais que multiplicam suas notícias e estão descolando-se da dependência das mídias tradicionais. O centro, através de alguns políticos, têm alguma visão sobre a utilização de redes e outros meios digitais, ainda que de forma inferior à direita. Já a esquerda está engatinhando ainda nesse campo, parece mais retrógrada e com dificuldade em alterar a forma tradicional de comunicação e campanha.
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