O Presídio Cândido Mendes, localizado na Ilha Grande, Rio de Janeiro, é um marco na história criminal do Brasil. Foi neste complexo penitenciário que surgiu uma das organizações criminosas mais poderosas e temidas do país: o Comando Vermelho (CV). Conhecido por ser uma prisão de segurança máxima, o Cândido Mendes se tornou, ao longo de décadas, uma verdadeira escola do crime, onde a convivência entre presos políticos e criminosos comuns resultou na formação de um grupo que moldaria a criminalidade no Brasil por gerações.
Neste texto, exploraremos como o presídio, com suas dinâmicas sociais e políticas, serviu como berço para o Comando Vermelho, abordando o contexto histórico, as condições dentro do presídio, os primeiros passos do CV e as consequências desse marco na segurança pública brasileira.
O Presídio Cândido Mendes, fundado em 1894, foi projetado inicialmente para receber prisioneiros políticos, sendo utilizado durante períodos de instabilidade política no Brasil, como a
Era Vargas e o Regime Militar. Com o passar dos anos, passou a receber também criminosos comuns de alta periculosidade, tornando-se uma das principais prisões de segurança máxima do país.
Durante o regime militar (1964-1985), muitos opositores políticos foram presos no Cândido Mendes. Essas pessoas, em sua maioria, eram intelectuais, ativistas e membros de organizações de esquerda que resistiam à ditadura. A convivência entre esses presos e os criminosos comuns, especialmente ladrões de banco e traficantes de drogas, gerou um intercâmbio de ideias e técnicas. Enquanto os presos políticos compartilhavam conhecimentos de organização e táticas de guerrilha, os criminosos comuns absorviam essas informações e as adaptavam para o contexto do crime organizado.
O Cândido Mendes, ao longo de sua história, ganhou notoriedade por ser um lugar de extrema violência e repressão, além de ter um sistema carcerário falho e superlotado, o que contribuiu para a ascensão de facções criminosas.
As condições dentro do Presídio Cândido Mendes eram desumanas. A superlotação, a falta de estrutura adequada, a ausência de programas de ressocialização e a violência extrema entre os detentos faziam da vida no presídio um verdadeiro inferno. Os presos eram tratados como meros números e amontoados em celas superlotadas, sem a mínima condição de higiene ou segurança.
Em meio a esse caos, a lei do mais forte prevalecia. Grupos de prisioneiros passaram a se organizar para garantir sua própria sobrevivência, já que o Estado era ausente na proteção e nos cuidados com os detentos. Nesse cenário, surgiram alianças entre criminosos que buscavam resistir às brutalidades do sistema penitenciário e assegurar um mínimo de dignidade para si.
A falta de controle das autoridades também facilitava a entrada de drogas, armas e outros itens proibidos no presídio, o que alimentava uma rede de poder e influência entre os presos. A corrupção dos agentes penitenciários e a ausência de medidas efetivas de controle criaram um ambiente de completa autogestão entre os detentos, onde facções emergiam como as novas autoridades.
Foi nesse contexto que o Comando Vermelho começou a tomar forma. Nos anos 1970, a convivência entre presos políticos e criminosos comuns no Cândido Mendes gerou uma troca de experiências que seria crucial para a formação da facção. Os militantes de esquerda, que tinham sido presos pelo regime militar, possuíam conhecimentos avançados em organização e articulação política. Eles compartilhavam essas habilidades com os detentos comuns, que, por sua vez, as adaptaram para o contexto do crime.
Um dos fatores que mais influenciou a criação do CV foi o princípio de solidariedade entre os presos. Os presos políticos, habituados a trabalhar em grupo e a lutar contra um inimigo comum, ensinaram aos criminosos comuns a importância da união para enfrentar as adversidades. Esse sentimento de coletividade e de “justiça” entre os presos foi uma das bases ideológicas do Comando Vermelho.
A facção começou a se estruturar com base em princípios como a lealdade, o apoio mútuo e a disciplina, características que herdaram dos militantes políticos. Aos poucos, o CV se consolidou como uma organização que não apenas cuidava da sobrevivência de seus membros dentro da prisão, mas também organizava atividades criminosas fora dela.
Inicialmente, o Comando Vermelho atuava principalmente dentro dos presídios, organizando a vida dos detentos e promovendo ações de resistência ao sistema carcerário. Entretanto, não demorou para que a facção começasse a expandir sua influência para além dos muros do Cândido Mendes. Com a liberação de alguns de seus membros, o CV passou a controlar atividades criminosas, como o tráfico de drogas e roubos a bancos, nas ruas do Rio de Janeiro.
Nos primeiros anos, o CV funcionava como uma espécie de “cooperativa” do crime, onde todos os membros tinham direitos e deveres, e os lucros das atividades criminosas eram divididos de forma justa entre os integrantes. A facção se diferenciava por sua organização e por sua capacidade de impor ordem em um ambiente de caos, tanto dentro quanto fora das prisões.
Com o tempo, o CV foi ampliando seu campo de atuação, passando a controlar territórios e a disputar com outras facções o domínio do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. A violência, que inicialmente era usada apenas como mecanismo de defesa dentro do presídio, passou a ser uma das principais ferramentas da facção para expandir seu poder.
A partir da década de 1980, o Comando Vermelho passou a dominar o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, consolidando-se como a principal organização criminosa da cidade. O controle de territórios estratégicos nas favelas e a imposição de um rígido código de conduta entre seus membros permitiram que o CV se fortalecesse e expandisse suas atividades.
A facção se utilizava de métodos extremamente violentos para garantir seu domínio, não apenas sobre outras facções, mas também sobre a população das comunidades em que atuava. A repressão do Estado, ao invés de enfraquecer a organização, muitas vezes servia como combustível para a radicalização dos métodos do CV, que via nas ações policiais uma justificativa para aumentar sua influência nas favelas.
O CV também foi pioneiro na construção de alianças com outras facções criminosas em todo o Brasil, formando uma rede de apoio mútuo que garantiu sua sobrevivência e expansão. A facção passou a ter influência em vários estados, levando a um aumento significativo da criminalidade e da violência no país.
O surgimento do Comando Vermelho no Presídio Cândido Mendes deixou um legado profundo na segurança pública do Brasil. A facção transformou-se em um modelo para outras organizações criminosas, que adotaram práticas semelhantes de organização e gestão do crime. O modelo de “comando” se espalhou por outros presídios do país, resultando na criação de facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo.
A violência associada ao tráfico de drogas e às disputas territoriais aumentou exponencialmente nas décadas seguintes, levando o Estado a adotar políticas de segurança cada vez mais repressivas, como as operações militares em favelas e o uso crescente de forças de segurança especializadas. No entanto, essas medidas muitas vezes falhavam em combater as causas estruturais da criminalidade, perpetuando um ciclo de violência que parece não ter fim.
O Cândido Mendes, que deveria ter sido um espaço de reabilitação, tornou-se o berço de uma organização que desafiaria o próprio Estado, mudando para sempre a dinâmica do crime organizado no Brasil.
A história do Presídio Cândido Mendes e do Comando Vermelho é um reflexo das falhas do sistema prisional e da política de segurança pública no Brasil. O Estado, ao negligenciar as condições dentro dos presídios e ao tratar os presos como seres descartáveis, contribuiu para a formação de organizações criminosas que hoje desafiam a ordem pública.
O surgimento do CV não foi um acidente isolado, mas sim o resultado de anos de descaso e de uma visão punitivista que enxerga a prisão apenas como um local de punição, e não de ressocialização. Para que o Brasil consiga enfrentar o problema da criminalidade, é fundamental repensar o papel das prisões e investir em políticas que promovam a reintegração dos presos à sociedade.
O legado do Cândido Mendes e do Comando Vermelho deve servir como um alerta: enquanto o sistema carcerário for tratado com desprezo e os presos forem relegados à marginalidade, as prisões continuarão a ser escolas do crime, e novas facções continuarão a surgir, perpetuando o ciclo de violência que assola o país.
Eder Fonseca é o publisher do Panorama Mercantil. Além de seu conteúdo original, o Panorama Mercantil oferece uma variedade de seções e recursos adicionais para enriquecer a experiência de seus leitores. Desde análises aprofundadas até cobertura de eventos e notícias agregadas de outros veículos em tempo real, o portal continua a fornecer uma visão abrangente e informada do mundo ao redor. Convidamos você a se juntar a nós nesta emocionante jornada informativa.
A década de 1930 no Brasil foi marcada pela introdução de uma nova e fascinante…
Nas últimas semanas, o pequeno país africano da Guiné Equatorial tem sido palco de um…
Nos últimos anos, a busca pela beleza natural tem se tornado uma das principais tendências…
Em uma decisão que promete reverberar por toda a indústria de mídia e jornalismo digital,…
Nos últimos dias, um tema que tem ganhado força no debate público e nas redes…
Errol Flynn, o galã aventureiro dos anos dourados de Hollywood, deixou um legado inegável no…