A queda de Bashar al-Assad marca um dos eventos mais significativos da história contemporânea do Oriente Médio. Após mais de duas décadas no poder, o líder que comandou a Síria com mão de ferro sucumbiu a uma combinação de pressões internas e externas. No epicentro de sua deposição estão dinâmicas complexas envolvendo grupos armados, potências estrangeiras e uma população exaurida pela guerra. Em uma virada dramática, Assad deixou Damasco em um jato particular rumo a Moscou, uma fuga que simboliza sua derrota política e militar, mas também o início de um novo e incerto capítulo para a Síria.
O contexto em que se deu sua queda é repleto de contradições e incertezas. Enquanto civis comemoravam nos salões outrora imponentes do palácio presidencial, lideranças como a da Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham, ou HTS) se apresentavam como os novos protagonistas do futuro do país. Contudo, questões cruciais permanecem sem resposta: qual será o rumo político da Síria? Que alianças internas e externas definirão o destino da nação? E quem, de fato, desempenhou o papel decisivo na deposição de Assad?
Ao longo de mais de uma década de conflito, a Síria tornou-se um campo de batalha para disputas regionais e globais. O regime de Assad, sustentado por aliados como o Irã e a Rússia, enfrentou uma coalizão de oponentes que incluía grupos islamistas, milícias curdas e potências ocidentais. Cada um desses atores influenciou de maneira distinta os eventos que culminaram na derrocada do ditador. Além disso, a dinâmica interna entre grupos armados e as aspirações de uma população devastada pela guerra adicionaram camadas de complexidade ao cenário.
Com Assad fora do poder, o foco recai sobre Abu Mohammed al-Jolani, líder da HTS, cuja influência cresce rapidamente em meio ao vácuo de liderança. Além disso, a retirada de aliados históricos do regime, como o Irã e o Hezbollah, e a postura ambígua da Turquia tornam o desfecho ainda mais imprevisível. Por fim, o papel das potências globais, em particular a Rússia, que investiu pesadamente na manutenção de Assad, será crucial para determinar o equilíbrio de forças na região.
O estopim para a queda de Bashar al-Assad foi a revolta popular que eclodiu em 2011, como parte da chamada Primavera Árabe. Manifestações inicialmente pacíficas pediam reformas democráticas, mas foram brutalmente reprimidas pelo regime. Essa violência estatal alimentou uma insurgência armada, que se transformou em uma guerra civil prolongada. Ao longo dos anos, a capacidade de Assad de manter o controle sobre a Síria foi minada por uma combinação de deserções, pressões econômicas e resistência popular. A população, exaurida pela repressão e pela pobreza, tornou-se um ator-chave na deslegitimação do regime, embora sem um líder unificado para coordenar suas demandas.
A HTS emergiu como um dos grupos mais organizados e poderosos a desafiar Assad. Sob a liderança de Abu Mohammed al-Jolani, o grupo conquistou vastos territórios e consolidou seu poder na região noroeste da Síria. A moderação recente de al-Jolani, que distanciou a HTS da Al Qaeda, foi estratégica para ganhar apoio local e reduzir a hostilidade internacional. Contudo, a HTS enfrenta críticas por sua agenda islamista e por violações de direitos humanos. Mesmo assim, seu papel na queda de Assad foi central, especialmente ao coordenar ataques contra alvos-chave do regime e mobilizar apoio popular em regiões críticas.
O ENS, uma coalizão de milícias com ligações com a Turquia, também teve um papel relevante na deposição de Assad. Originado do Exército Livre da Síria, o ENS se reestruturou ao longo dos anos e se tornou uma força combativa eficaz contra o regime. Contudo, o grupo também enfrentou acusações de crimes contra a humanidade, especialmente contra curdos. Sua relação ambígua com o HTS, ora colaborativa, ora competitiva, moldou o cenário da guerra. A influência turca sobre o ENS é vista como um fator determinante para sua capacidade de operar com eficiência e expandir seu controle territorial.
O Irã e o Hezbollah, aliados históricos de Assad, sofreram perdas significativas com a queda do regime. O apoio militar e financeiro fornecido por Teerã ao longo dos anos foi essencial para a sobrevivência do ditador. Contudo, a derrota de Assad representa um golpe para o “Eixo da Resistência” liderado pelo Irã, enfraquecendo sua posição na região. A retirada do Hezbollah da Síria também ilustra a mudança de dinâmica no campo de batalha. A perda de acesso às bases na Síria impacta diretamente a capacidade do Irã de projetar poder e desafiar Israel, configurando uma derrota geopolítica significativa.
A Rússia desempenhou um papel crucial na manutenção do regime de Assad desde 2015, oferecendo apoio militar e logístico. No entanto, a queda do ditador evidencia os limites dessa influência. Moscou agora enfrenta o desafio de proteger seus interesses estratégicos na região, como as bases em Tartus e Latakia, sem o suporte de um regime aliado. A decisão de acolher Assad em exílio reflete uma tentativa de preservar uma imagem de controle e evitar um colapso total de sua influência na Síria. Contudo, a derrota representa um revés significativo para a política externa russa, especialmente em um momento de tensões crescentes com o Ocidente.
A relação entre os diversos grupos internos que combatem Assad é marcada por alianças fluidas e rivalidades intensas. Enquanto a HTS busca consolidar sua liderança, outros grupos, como as milícias curdas e as forças seculares no sul da Síria, mantêm uma postura crítica em relação à sua agenda islamista. Essa fragmentação interna complica qualquer tentativa de unificação política ou militar, aumentando o risco de conflitos futuros. A competição por territórios e recursos também adiciona um elemento de incerteza ao futuro da Síria, dificultando a estabilização do país.
A deposição de Assad também reflete o jogo de interesses das potências regionais e globais. A Turquia, por exemplo, emergiu como uma influência decisiva ao apoiar grupos como o ENS e pressionar por uma solução favorável aos seus interesses. Por outro lado, os Estados Unidos mantêm uma posição ambígua, focando mais em combater o Estado Islâmico do que em moldar o futuro político da Síria. A União Europeia, por sua vez, enfrenta o dilema de como lidar com o novo cenário enquanto busca minimizar o impacto da crise de refugiados. Esses fatores externos, combinados com as dinâmicas internas, serão determinantes para o rumo que o país tomará nos próximos anos.
Eder Fonseca é o publisher do Panorama Mercantil. Além de seu conteúdo original, o Panorama Mercantil oferece uma variedade de seções e recursos adicionais para enriquecer a experiência de seus leitores. Desde análises aprofundadas até cobertura de eventos e notícias agregadas de outros veículos em tempo real, o portal continua a fornecer uma visão abrangente e informada do mundo ao redor. Convidamos você a se juntar a nós nesta emocionante jornada informativa.
O setor agrícola do Brasil está passando por mudanças significativas à medida que o dinheiro…
A Guerra do Contestado (1912–1916) é um dos episódios mais significativos e complexos da história…
Poucos criadores na história da televisão podem reivindicar um impacto cultural tão duradouro quanto Marta…
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) é um marco na história…
A presença feminina na política sempre foi marcada por desafios históricos, sociais e culturais. Durante…
O fim de Nicolae Ceaușescu, o ditador que governou a Romênia com punhos de ferro…