O gaúcho Renato Borghetti é um instrumentista de talento apurado, sendo um dos maiores acordeonistas do Brasil e tocando gaita-ponto. Começou na música aos dez anos de idade, tocando uma gaita-ponto que ganhou do pai em Barra do Ribeiro. Em pouco tempo já era atração no Centro de Tradições Gaúchas comandado por seu pai e, aos 16 anos, se apresentou pela primeira vez. Seu primeiro disco, o “Gaita-Ponto” tornou-se o primeiro álbum de música instrumental brasileira a ganhar um disco da ouro, vendendo cem mil cópias. Excursionou por todo o Brasil, e por diversos países da Europa, e fez uma temporada no S.O.B.’s, em Nova Yorque. Em 1991 ganhou o prêmio disco do ano, na categoria regional, da Associação Paulista de Críticos de Arte. O músico mescla folclore e modernidade em suas composições, tendo um estilo inconfundível. Tem mais de uma quinzena de discos gravados e dezenas de participações em gravações. No início deste ano lançou com o seu quarteto o disco “Gaita na Fábrica”. “Tenho um carinho muito grande pelo projeto Fábrica de Gaiteiros. Quando comecei a tocar ainda existiam algumas fábricas de acordeões no Brasil, mas em determinado momento da história todas fecharam, desativaram ou passaram a produzir outros produtos. Exatamente neste período entrou o acordeon importado no mercado brasileiro, porém, muito caro e inacessível para muitas famílias”, afirma o conceituado instrumentista.
Renato, no começo de sua biografia que está publicada em seu site, diz que você é um dos artistas brasileiros de mais sólida carreira internacional, mas que poucos sabem. Por que você acredita que poucos sabem do seu sucesso no exterior?
Este texto, que concordo e, por isso, pedimos para utilização no site, foi escrito pelo crítico gaúcho Juarez Fonseca em uma matéria do jornal ZH (Zero Hora). Mesmo buscando fazer uma música contemporânea e atual o meu trabalho é regional, com raízes profundas na cultura gaúcha. Moro hoje em uma pequena cidade do interior do estado chamada Barra do Ribeiro e é natural associar música e sua origem. Sempre que tocamos no exterior temos que situar geograficamente o Rio Grande do Sul, que no inverno faz frio e às vezes neva, produzimos bons vinhos. Temos que explicar além do samba (que é lindo), que temos muitos outros ritmos e que o Brasil é muito grande com várias manifestações culturais. O que acontece hoje nestas viagens é simplesmente o retorno ou a devolução do instrumento que toco, o acordeão diatônico, à sua origem com esta bagagem de mais de 100 anos de aculturação no sul do Brasil. A gaita chegou pelas mãos dos imigrantes e aqui se tornou um dos instrumentos mais populares. Temos tocado com frequência fora do Brasil, principalmente na Europa levando esta música gaúcha.
Quais são as principais diferenças e similaridades do público internacional, mas precisamente do europeu em comparação com o público brasileiro?
Eu não vejo grande diferença em tocar para uma plateia brasileira ou estrangeira. A escolha das músicas eu faço da mesma forma aqui e lá. Se o show é em um local ao ar livre e aberto ao público eu procuro fazer as músicas mais alegres e festivas, quando em locais fechados ou teatros posso tocar as músicas mais elaboradas onde os detalhes ficam mais fáceis de perceber. Mas estes cuidados eu também tenho quando faço shows aqui no Brasil. O público europeu é muito familiarizado com o som do acordeon então não acho muito difícil tocar por lá.
O músico Nicolas Krassik, afirmou que o violino é um companheiro “ciumento” que requer bastante atenção e dedicação. O acordeon também é ciumento a esse ponto?
Claro, todo o instrumento requer uma dedicação e um tempo de estudo. É claro que quando somos mais novos talvez esse tempo tenha sido maior. Tocamos o acordeão junto ao peito e a intimidade acontece de forma natural, pois, assim como necessitamos de ar para respirar ele também é fundamental para fazer vibrar as paletas e saírem as notas. Nós gaúchos chamamos o acordeão de gaita e eu acho ele um instrumento muito versátil. Pode ser tocado tanto com uma orquestra ou em um trabalho instrumental bem elaborado quanto em uma festa popular, rodeio ou bailão.
Uma característica marcante que você tem em sua música é a improvisação. É possível manter o espírito da improvisação original, sem se repetir em alguma oportunidade?
A improvisação entrou na minha música em um período bem pontual. Quando gravei o primeiro disco não tinha uma banda própria e nem fazia shows individuais. Com o sucesso deste trabalho me obriguei a montar um grupo para cumprir agenda de shows. No início minhas músicas eram muito mais trabalhadas em cima de convenções e não tinha espaço para improvisos. A partir do quinto disco eu mudei de banda e entraram músicos de outras vertentes musicais e aí que me foi apresentado o improviso.
Fale mais sobre isso.
Como o meu instrumento é diatônico e mais limitado, o campo harmônico se torna menor e o improviso um pouco mais difícil, mas é possível. Uma comparação que eu faço para entender um pouco a gaita é como se fosse um piano somente com as teclas brancas sem as pretas.
Em que momento de sua carreira, você sentiu que sua música tinha ultrapassado as fronteiras do Rio Grande do Sul?
Quando gravei o primeiro disco a previsão era lançá-lo somente no mercado gaúcho, com a aceitação a gravadora decidiu lançá-lo também em outros estados. Desde esta época comecei a tocar no Brasil todo e os convites apareciam de forma muito natural e espontânea. O segundo trabalho teve a participação do Sivuca [multi-instrumentista, maestro, arranjador, compositor, orquestrador e cantor, 1930-2006] e recebi o convite para gravar com Luiz Gonzaga [compositor e cantor brasileiro. Conhecido como o Rei do Baião, ele foi uma das mais completas, importantes e inventivas figuras da música popular brasileira, 1912-1989] estava feito o elo gaita/sanfona… aproximamos o Nordeste do Sul através do fole. O convite para o Free Jazz Festival no Rio de Janeiro foi um marco importante na minha carreira fora do estado do Rio Grande do Sul.
O que o projeto Fábrica de Gaiteiros representou e o que ainda representa em sua vida?
Tenho um carinho muito grande pelo projeto Fábrica de Gaiteiros. Quando comecei a tocar ainda existiam algumas fábricas de acordeões no Brasil mas em determinado momento da história todas fecharam, desativaram ou passaram a produzir outros produtos. Exatamente neste período entrou o acordeon importado no mercado brasileiro, porém, muito caro e inacessível para muitas famílias. A ideia da criação da Fábrica de Gaiteiros é resgatar esta tradição do Sul do Brasil na fabricação do instrumento e usá-los para o aprendizado de crianças e jovens de sete a 15 anos de forma gratuita. Em resumo fabricamos a gaita, mas não vendemos, toda a produção é destinada para as crianças que aprendem a tocar e podem estudar em casa sem precisar comprar o instrumento. Hoje além da fábrica temos nove escolas em oito cidades, sendo mais de 300 crianças recebendo aulas de gaita-ponto.
Aos 16 anos, você se apresentou no Centro de Tradições Gaúchas que era comandado por seu pai. O que ficou dessa experiência no músico bem-sucedido que viria a se tornar?
Eu não venho de uma família de músicos, ganhei uma gaita quando tinha 12 anos, mas não como um instrumento musical e sim como um brinquedo. Meus pais sempre foram ligados ao folclore e eu me criei dentro de um CTG chamado CTG 35 – Centro de Tradições Gaúchas. Comecei dançando na invernada artística, mas logo me tornei gaiteiro das atividades internas do CTG. Neste período estavam começando os festivais nativistas no estado e eu fui convidado para participar de um na cidade de Uruguaiana chamado Califórnia da canção nativa. Este foi o primeiro grande palco que eu me apresentei, a partir daí comecei a participar em diversos festivais pelo estado do Rio Grande do Sul.
Críticos dizem que sua música é uma mistura de folclore com modernidade. Como você definiria o seu estilo que eles [críticos] dizem ser inconfundível?
Penso que o segredo para tudo na vida é o equilíbrio e na música não seria diferente. Eu procuro fazer uma música regional que me identifique com a minha origem que é o Rio Grande do Sul, mas que, ao mesmo tempo, seja uma música universal. Este ponto de equilíbrio nunca está no mesmo lugar a gente vai aprendendo muito ao longo da vida e das experiências musicais que vão acontecendo. É muito importante a experimentação e a mistura de ritmos e influências. Apenas um limite eu acho importante: o de não descaracterizar a origem da minha música que é o Rio Grande do Sul.
Gostaria que falasse um pouco sobre o seu disco “Gaita na Fábrica” lançado no início deste ano.
O disco “Gaita na Fábrica” que lancei agora neste início de ano foi gravado na Fábrica de Gaiteiros por isso o nome. Utilizamos o auditório que existe no local, retiramos as cadeiras e aproveitamos o tratamento acústico e utilizamos como uma grande sala, ficou um lugar muito agradável, pois, fica às margens do rio Guaíba com um visual e uma energia fantástica. Gravei com o quarteto que me acompanha a mais de 20 anos que são Pedro Figueiredo no sax e flauta, Daniel Sá violão e Victor Peixoto no piano. A maioria das músicas é autoral e como gravamos na Barra do Ribeiro as margens do rio quase todas tem nome relacionado a água e à cidade. É o meu 34º trabalho entre vinil, CD e DVD.
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