Ricardo Wahrendorff Caldas possui graduação em Economia (1984) e mestrado em Ciência Política pela Universidade de Brasília (1989). Obteve o Ph.D. em Relações Internacionais pela University of Kent at Canterbury (1994). Em 1995 desenvolveu pesquisas de Pós-Doutorado na Columbia University e no Rockfeller Center of Latin American Studies (Harvard University), e em 1997 na Universidade de São Paulo. Tem interesse nas áreas de Políticas Públicas, Integração Regional, Acordos Internacionais e Política Cultural. Atualmente é Professor Adjunto IV da Universidade de Brasília, lotado no Instituto de Ciência Política (IPOL). Foi Diretor do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM) da Universidade de Brasília (UnB) de 2010 a 2014. Com sua experiência em analisar cenários, o experiente e requisitado cientista político afirma: “As pessoas estão claramente discutindo o que é ser de direita e o que é ser de esquerda, com muitas pessoas dizendo eu sou de esquerda ou eu sou de direita. Também não podemos esquecer que tem um grupo intermediário. Eu diria que hoje a grosso modo nós teríamos em torno de um terço (33 a 40%) de pessoas conservadoras; em torno de 33 a 40% de pessoas de esquerda ou de centro-esquerda e temos no meio um grupo de pessoas entre 20 e 25% mais ou menos que estão no centro. Essas pessoas que são decisivas na hora de votar”.
Professor, quais os principais respingos das duas últimas eleições presidenciais para o futuro do país?
Acho que foi uma clara divisão entre direita e esquerda, sendo que em 2014 tivemos a vitória da presidente Dilma indo para reeleição, já com desgaste bastante acumulado e na eleição de 2018 tivemos uma vitória de um candidato claramente conservador. Então, agora fica o embate destes dois grupos que foram formados, ambos com muita capacidade eleitoral e muita competitividade.
Essa divisão um pouco mais clara entre direita e esquerda em nossa sociedade, veio para ficar?
Na minha opinião sim. As pessoas estão claramente discutindo o que é ser de direita e o que é ser de esquerda, com muitas pessoas dizendo eu sou de esquerda ou eu sou de direita. Também não podemos esquecer que tem um grupo intermediário. Eu diria que hoje a grosso modo nós teríamos em torno de um terço (33 a 40%) de pessoas conservadoras; em torno de 33 a 40% de pessoas de esquerda ou de centro-esquerda e temos no meio um grupo de pessoas entre 20 e 25% mais ou menos que estão no centro. Essas pessoas que são decisivas na hora de votar.
O combate à corrupção foi o tema principal das últimas eleições. Esse tema está esgotado para os próximos pleitos em sua visão?
Penso que é um tema que veio para ficar, ele não está esgotado. Certamente esse tema vai ser escrutinado nas próximas eleições em 2022 para saber o que o presidente atual, no caso o que o presidente Bolsonaro fez a respeito e as pessoas vão querer sentir (o que é uma coisa muita subjetiva) se a corrupção diminuiu ou não. Certamente vai afetar as próximas eleições também.
Quais os principais pilares do Governo Bolsonaro?
Combate a corrupção, combate ao socialismo/comunismo e também um discurso muito contra os Governos anteriores, especialmente os Governos Lula e Dilma, ou seja, contra o PT. E também é claro, os valores tradicionais conservadores: família, moralidade, bons costumes, enfim, essas coisas todas que fazem parte das bandeiras dos governos conservadores.
Os militares são a grande sustentação desses pilares ou enxerga outros “atores” além dos já citados?
Não, eles são um dos atores. Existem vários atores sociais. O presidente Bolsonaro teve 45 milhões de votos no primeiro turno e quase 55 milhões no segundo turno. Não existem 50 milhões de militares no Brasil. Havia muitas pessoas com valores conservadores que não estavam encontrando um candidato para votar. De certa forma o presidente Bolsonaro representa uma resposta a uma demanda social existente dos atores sociais e de parcelas da sociedade como a classe média, que não tinha um candidato conservador para votar. Existem vários atores. Existem muitos trabalhadores conservadores, classe média, alguns poucos intelectuais, há um grupo expressivo de estudantes também e de professores que são conservadores, embora eles não tenham a hegemonia no movimento estudantil e no movimento corporativo dos professores respectivamente.
Como o senhor enxerga o Partido do Trabalhadores após a prisão de Lula?
O partido ficou claramente desgastado com todo processo da prisão e com o impeachment da presidente Dilma. Ele está tentando montar uma frente grande, uma frente ampla como foi feito no Uruguai anos atrás, só que os demais partidos de esquerda não estão querendo dividir o ônus do Partido dos Trabalhadores (até porque não faz sentido se eles podem ter candidaturas próprias). O Partido dos Trabalhadores está um pouco sem rumo, a bandeira que mais uniu o partido era a bandeira do “Lula Livre” e com a soltura do ex-presidente Lula, eles ficaram sem a bandeira. Então, o Partido dos Trabalhadores está precisando se reinventar. Existe um movimento dentro do Partido dos Trabalhadores para atrair o segmento evangélico (que é um grande apoiador do presidente Bolsonaro), mas até agora esse processo não deu nenhum resultado claro ainda.
Sentimos que o PSDB hoje se ancora muito na figura do governador paulista João Doria Jr. Ele é a única esperança para o tucanato voltar ao poder máximo da nação?
O que aconteceu com o PSDB, é que ele perdeu o seu espaço na história. Ele não conseguiu fazer oposição ao Governo Lula, não conseguiu fazer oposição ao Governo Dilma, sendo que a sua participação no impeachment foi muito colateral. É um partido que perdeu espaço político e que perdeu espaço histórico não sabendo se posicionar. Não soube atuar como oposição, e escolheu mal na minha opinião o candidato nas últimas eleições de 2018 (o ex-governador de SP Geraldo Alkmin), cuja atuação estadual se viu em meio a denúncias de desvios de recursos nas obras do metrô das demais ferrovias e nos trabalhos metroviários do estado. Com isso, ele acabou tendo uma votação pífia na eleição e deixou o partido completamente sem rumo também. Ele aprofundou o processo de divisão do partido e de falta de rumo. O governador João Doria ao contrário, representa a ala bem-sucedida do partido. Ele foi eleito (apesar de ter sido por uma pequena margem, mas foi uma vitória). Ele conseguiu dar um novo rumo, uma nova cara ao partido.
Não sei se já é o momento histórico dele para ser presidente ou do PSDB. Também não vejo outro nome nacional para o partido, já que o deputado Aécio está fora de qualquer cogitação. Então, o PSDB tem poucas opções. Eu diria certamente que hoje o governador João Doria é a melhor de todas. Existe uma segunda que é um pouco mais recente ainda que é o governador do Rio Grande do Sul (no caso Eduardo Leite), mas ele ainda não tem nenhum alcance nacional. Penso que o momento na próxima eleição ainda não é do PSDB, porque ele vai ter que se refazer, alterar a sua imagem e ele precisa de toda uma reconstrução que não é feito de um ano para o outro. Julgo que vai levar muito tempo e eu não vejo esse processo finalizado até as próximas eleições em 2022.
Vamos falar um pouco sobre política internacional. Como enxerga as atuais tensões entre os Estados Unidos e o Irã?
As tensões entre EUA e Irã não são novas, elas são antigas. Desde a queda do xá Reza Pahlavi no Irã e a tomada da embaixada americana nos anos 70, as relações entre os dois sempre foram ruins, nunca se recuperaram completamente e agora o presidente Trump está vendo nesta rivalidade histórica que já dura praticamente 40 anos, uma oportunidade de se destacar como líder internacional. Eu diria que parte das tensões são parte de um processo histórico e partes delas são fruto de uma atuação específica e focada do atual presidente em busca de noticiário até para deixar a questão do impeachment em segundo plano (o que ele conseguiu).
Hoje em dia ninguém está falando mais do impeachment do presidente Trump com a mesma frequência (em 05/02 o presidente norte-americano foi absolvido). Está todo mundo no partido democrata questionando se foi correto matar o general Suleimani ou não, mas ele conseguiu o que ele queria que era mudar o foco do debate. E, ao mesmo tempo, com a descoberta que o Irã abateu aquele avião, a imprensa nacional está toda focada no sistema de defesa do Irã que é falho como ficou evidente, inclusive os movimentos de protestos dentro do Irã aumentaram com essa falha que gerou a morte despropositada de quase 200 pessoas. Isso acabou enfraquecendo o Irã e acabou gerando um bônus inesperado para o presidente Trump.
Muitos acreditam que Trump é um grande jogador no tabuleiro global. O senhor também tem essa percepção?
Com certeza. Ninguém que chega a presidência do EUA ou mesmo do Brasil, é um mau jogador. A questão é que alguns dão mais ênfase ao plano externo e outros dão ênfase ao plano interno, mas certamente se eles se preparam, eles jogarão com facilidade e com segurança nos dois campos. É o que está acontecendo agora com o Trump. Ele se sentia muito acuado quando encontrava com líderes como a premiê da Alemanha Angela Merkel, ou o próprio ministro do Canadá Justin Trudeau. Ele sentia que falavam mal dele pelas costas e tal… aquilo tudo lhe ofendia um pouco porque ele não tinha essa tarimba que os outros têm e que já eram treinados para isso.
Eu diria que agora com essa questão do Irã, ele recuperou o espaço perdido, mostrou liderança conduzindo as investigações… Os EUA foram os primeiros a levantar a possibilidade que o avião teria sido abatido por um míssil iraniano, depois isso foi confirmado pelo serviço secreto britânico e depois reconfirmado pelo serviço secreto canadense. Com isso ele passou a ter um papel de líder sem dúvida nenhuma, indubitavelmente. Os próprios primeiro-ministro do Canadá e do Reino Unido reconheceram isso implicitamente quando fizeram as declarações sobre a queda do avião.
A posição do Brasil tem sido adequada nessa crise?
O Itamaraty tradicionalmente (o Brasil), sempre teve a partir dos anos 80 e 90, uma posição mais simpática aos países árabes (por questões de exportações, etc). Só que o Brasil tem interesses tanto nos EUA como no Oriente Médio como um todo. O Governo atual tem uma atuação muita próxima dos EUA (de apoiar os EUA), até eu diria de uma aliança com os EUA. Mas essa aliança tem que ser pesada e mesmo os aliados tradicionais da OTAN, não dão uma carta-branca para o governo norte-americano. Temos que pesar entre os nossos interesses comerciais no Oriente Médio e o nosso apoio aos EUA (essa aliança que foi criada). O Brasil tem que ter uma posição de equilíbrio nessa crise. Eu diria que a posição do Brasil logo que a crise estourou, foi inicialmente de alinhamento automático com o EUA, mas quando foi levantada a questão dos interesses comerciais, penso que o Itamaraty corrigiu essa declaração inicial que foi talvez um pouco prematura e depois apresentou uma postura mais equilibrada. Penso que a postura tem sido correta.
Em quais outros acontecimentos devemos ter um olhar mais atento na atual conjuntura global?
Como economista eu olho muito como está indo à economia global. A perspectiva para este ano é de um crescimento de pelo menos 3%. Temos dois grandes players na área internacional além dos EUA evidentemente, que são a China e a Índia, sendo que a Índia já passou a China em crescimento econômico. Temos dois grandes motores da economia mundial que são a China e a Índia, e logo depois os EUA. É importante acompanhar o desempenho desses atores para observarmos como está saindo a economia global. Eu penso ainda que o momento, (apesar de alguns acontecimentos pontuais como esse do Irã), e o desempenho da economia global ainda é positivo e não vejo nenhuma mudança a curto prazo. Ano que vem, teremos eleições na Alemanha, talvez seja a primeira eleição no pós-guerra (nos últimos 20 anos) que a primeira-ministra disse que não participaria, então isso seria uma grande mudança que deve ser acompanhada. Já tivemos eleições no Reino Unido; já tivemos eleições na França; não há nenhuma outra mudança expressiva em curso.
A única exceção óbvia e que estamos todos acompanhando é a eleição dos americanos que dá uma espécie de tom para o panorama internacional. Eu diria que a chances do presidente Trump, especialmente após esse episódio da crise com o Irã aumentaram. Se fossemos colocar em números a probabilidade que teria era de 51% de chances de ser reeleito contra 49% de não ser. O fato dele estar no poder ajuda, porque ele domina a máquina, ele controla a agenda pública. Há uma rejeição muito grande dentro do partido democrata em torno do nome dele, mas poucos candidatos democratas têm condições de estar a altura dele para disputar a eleição. O caso mais evidente e óbvio é do Joe Biden, que realmente é muito popular, mas um fato interessante que não podemos esquecer é que apesar de muita gente não gostar do Trump, 75% dos americanos apoiam a forma como ele conduz a política econômica.
Não vamos esquecer que o nível de desemprego nos EUA está em torno de 3,5%, a inflação menos de 3% e com crescimento entre 2,5% e 3%. São indicadores macroeconômicos muito bons e pode acontecer de muitos americanos na hora de votar, fecharem os olhos e dizer: “olha, não é o meu candidato, mas ele está fazendo um bom trabalho na economia. Vamos manter esse trabalho!” É aquela história que as pessoas votam com o bolso. Isso pode acontecer, já que reduziu bastante o desemprego em áreas deprimidas dos EUA, então é possível que àqueles “swing states” ou estados que mudam de opinião a cada eleição, onde houve o nível de crescimento de emprego, acabem por apoiar a reeleição do presidente Trump. Não podemos esquecer que o sistema norte-americano é estadual, cada estado envia o seus delegados, então ele não precisa ter a maioria dos votos como já aconteceu na eleição passada, bastando ele ter a maioria dos delegados. Isso eu diria que é possível! Temos que ficar com o olhar mais atento para a eleição dos EUA.
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