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Ricardo Carneiro analisa o futuro dos BRICS

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Ricardo Carneiro é mestrado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1976) e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1984). Foi diretor executivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) por 4 anos. Atualmente é professor titular da Universidade Estadual de Campinas e editor da página Economia Contemporânea. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento econômico, política econômica, política macroeconômica e sistemas financeiros. “Esta é exatamente a característica da crise atual; a simultaneidade das crises política e econômica. Lembro que a tese defendida por alguns partidos que apoiaram o afastamento de Dilma, em especial o PSDB, era o de que a economia salvaria a política. Imaginavam, equivocadamente, que a crise econômica se devia exclusivamente à deterioração da confiança e das expectativas, ocasionada pelo Governo Dilma. E que a mera substituição da presidente melhoraria o estado de confiança promovendo uma rápida recuperação. E isto seria um ingrediente fundamental para equacionar a crise política. Como isto não ocorreu ambas as crises continuaram se agravando. As denúncias de corrupção envolvendo a cúpula do Governo fizeram inclusive com que muita energia fosse dedicada a administrar a crise política”, afirma o economista

Ricardo, como avalia a economia brasileira com ascensão de Michel Temer ao poder máximo da nação?

A chegada de Temer à presidência ocorre num quadro de profunda crise política e de ruptura institucional representado pelo processo de impeachment da presidente Dilma. De outro lado, ele chega ao poder com um programa econômico que não era o da chapa pela qual foi eleito (Uma Ponte para o Futuro). Qualquer que seja o posicionamento que se tenha sobre o impeachment ou sobre este programa econômico, eles de fato dividiram a sociedade. Ambos desdenharam do voto popular. Esses dois ingredientes são importantes por que fazem com que a ascensão de Temer à presidência ocorra com um déficit de legitimidade. Assim, para se legitimar ele teria que apresentar bons resultados e de forma imediata. Como isto não ocorreu, sua popularidade despencou. Creio que ao invés de uma solução ele se tornou um problema.

O senhor acredita que é impossível desassociar economia e política neste momento?

Sim, é impossível. Esta é exatamente a característica da crise atual; a simultaneidade das crises política e econômica. Lembro que a tese defendida por alguns partidos que apoiaram o afastamento de Dilma, em especial o PSDB, era o de que a economia salvaria a política. Imaginavam, equivocadamente, que a crise econômica se devia exclusivamente à deterioração da confiança e das expectativas, ocasionada pelo Governo Dilma. E que a mera substituição da presidente melhoraria o estado de confiança promovendo uma rápida recuperação. E isto seria um ingrediente fundamental para equacionar a crise política. Como isto não ocorreu ambas as crises continuaram se agravando. As denúncias de corrupção envolvendo a cúpula do Governo fizeram inclusive com que muita energia fosse dedicada a administrar a crise política, tirando capacidade de ação na frente econômica. Por se fiar demais na ideia da confiança, o Governo tardou a definir medidas emergenciais para enfrentar a crise. Assim, a crise política exerceu uma influência deletéria sobre a crise econômica e vice-versa. Elas se retroalimentaram.

Teremos alguma retomada no crescimento do país em 2018?

O cenário mais provável é o de uma recuperação moderada, com crescimento do PIB entre 1,5% e 2%. Após dois anos de recessão pesada, na qual o PIB caiu cerca de 8%, a economia se estabilizou no fundo do poço. Há sinais muito contraditórios sobre a recuperação, sobretudo quando se olha os dados da ponta (mês contra mês anterior dessazonalizado). Ela não é generalizada e se mostra fraca e em desaceleração em vários segmentos. Quando a comparação é feita com o ano anterior o resultado é melhor, mas é bom lembrar que a base de comparação é muito ruim. Em outros termos, com uma base de comparação muito baixa os resultados positivos da ponta aparecem magnificados. Assim, algum crescimento vai ocorrer, mas a sua intensidade não será alta. Para que isto ocorresse seria necessário um vetor de forças de maior intensidade puxando o crescimento. O único mais positivo é o do setor externo. O setor privado, além dos indicadores correntes ruins – renda e emprego das famílias; vendas e lucratividade das empresas – ainda mostra níveis elevados de endividamento. Sua recuperação será necessariamente lenta, exceto por um ou outro fator pontual de maior intensidade. Por outro lado, usar mais decisivamente o setor público como instrumento da recuperação não parece fazer parte dos planos do Governo.

Qual a principal preocupação da economia brasileira atualmente e que devemos ficar atentos?

Há dois riscos importantes e que podem deteriorar significativamente o quadro da moderada recuperação. O primeiro é econômico e adviria de uma degradação do cenário internacional. É indiscutível a formação de uma nova bolha nos preços de ativos, taxas de câmbio, commodities, engendrada pela política monetária não convencional (quantitative easing), nos países desenvolvidos. A reversão dessa política terá que ser feita com muito cuidado sob pena de estourar a bolha, com consequências globais importantes sobre o comércio internacional, e taxas de juros e de câmbio nos países periféricos. O outro risco é político e diz respeito a uma nova rodada de delações premiadas. Ainda no âmbito político, as eleições de 2018 indicam um quadro de provável turbulência.

Em 2009, o senhor afirmou que o que caracterizava os BRICs, era uma certa capacidade de resistir à crise. Como avalia o papel dos BRICs na atual conjuntura global?

Creio que os BRICS apontam para o futuro, para uma nova etapa das relações internacionais, sobretudo pela presença dos dois gigantes asiáticos, Índia e China, em particular deste último. Do ponto de vista recente, após 2008, o desempenho destes países mostra uma capacidade maior de enfrentar a crise. Isto é verdadeiro para o período 2010/2014, no qual as taxas de crescimento pré-crise sofrem uma leve desaceleração, mas também, para os últimos três anos. Ambos os países estão crescendo em torno de 7% ao ano no último triênio. O Brasil tem o pior desempenho dentre os cinco, certamente como resultado das políticas domésticas que tem posto em prática.

Vamos voltar para o mercado doméstico. O senhor é defensor de uma remodelação na atuação de bancos públicos como o BNDES?

Não há alternativa ao financiamento de longo prazo no Brasil, sem os bancos públicos. Para atividades de maior prazo de maturação ou risco, ou o financiamento se faz pelos bancos públicos, ou será buscado no exterior. Pode-se, contudo, imaginar que a queda das taxas de juros e a sua permanência num baixo patamar durante um período relativamente longo pode abrir espaço para a participação dos bancos privados e dos mercados de capitais em certos tipos de financiamento, sobretudo aqueles de até cinco anos. Assim, retirar os bancos públicos que financiam a infraestrutura, habitação, indústria, pode ocasionar uma escassez de crédito que será suprida pelos mercados internacionais, o que não é desejável. Dentro desse quadro pode-se imaginar uma divisão de tarefas entre o banco público e o privado, o que seria conveniente.

Até quando as commodities serão a salvação da balança comercial brasileira?

Na verdade, o que tem produzido o bom resultado da balança comercial brasileira, os superávits, é a recessão. Desde 2014, e com mais intensidade em 2015 e 2016, as exportações têm se contraído e o saldo é produzido por uma retração ainda maior das importações. Somente em 2017 é que as exportações voltam a crescer e mais rápido do que as importações. Neste ano, as commodities têm um papel importante na recuperação das exportações, mas os demais itens, inclusive os manufaturados também crescem. Dois fatores explicam isto: o quadro de ociosidade na indústria e o crescimento mais rápido da economia global, de forma sincronizada. A longo prazo é necessário buscar uma diversificação e depender menos das commodities, pois, sua demanda global cresce menos do que a renda, diferentemente dos manufaturados. O que assistimos nos últimos quinze anos foi uma exceção – devido ao crescimento da China – quando se analisa os dados seculares.

Por que a confiança é uma condição necessária, mas não suficiente quando se está à frente da política econômica de um país?

Parafraseando o dito popular, “confiança não enche barriga”. Ela é importante, no sentido de assegurar que certas condições favoráveis ao crescimento vão se manter no futuro. Todavia, essas condições têm que existir, pois, senão a confiança não significa nada. Por exemplo, é necessário que exista uma ou mais fontes de demanda alimentando o crescimento tais como consumo, exportações ou o próprio investimento em áreas não inteiramente exploradas como infraestrutura, petróleo, etc. Assim é necessário construir essas condições e sinalizar que elas serão preservadas. Nesse caso a confiança torna-se importante, pois, cria o horizonte para a realização da atividade mais nobre e difícil de uma economia: o investimento.

Quais os principais erros da esquerda quando esteve no poder quando se fala em economia?

Analisar os erros da esquerda requer também que se considere o contexto no qual administrou o país e as oposições que sofreu. Durante os dois Governos Lula, o contexto internacional favorável e certas condições domésticas, como a baixa disseminação do crédito e salários depreciados por anos de semi-estagnação permitiu um crescimento muito rápido do consumo. Isto acarretou o apoio quase generalizado das várias classes sociais. O esgotamento desse modelo, em decorrência de seu sucesso, e a crise de 2008, exigiram uma nova etapa, mais difícil do desenvolvimento. Esse novo modelo, no qual o investimento pesado na indústria, infraestrutura e petróleo exigia um esforço conjunto público-privado não foi adiante exatamente pela incapacidade de se garantir esta parceria. Gerou-se uma crescente desconfiança entre o empresariado e o Governo. Por sua vez, a política distributiva foi mantida, mas sem uma reforma tributária fundada na progressividade, o que levou a perda de apoio de segmentos médios da sociedade.

Qual o papel do Estado para a retomada do crescimento em nosso país?

O papel do Estado na economia brasileira tem que ser visto a partir de um duplo horizonte temporal. De uma perspectiva mais estrutural e de longo prazo, o Estado pode se constituir numa importante alavanca do crescimento econômico. Para tanto terá que construir uma importante sinergia com o setor privado induzindo o seu crescimento. Os instrumentos seriam a política fiscal (tributação e gasto) e as empresas estatais em áreas de maior risco nas quais o setor privado não entraria isoladamente: tecnologia avançada, recursos naturais estratégicos, financiamento de longo prazo, etc. Por sua vez, é importante pensar numa ação emergencial do Estado para enfrentar a crise: renegociação de dívidas privadas, retomada de obras públicas, e dinamização de programas sociais de grande impacto. Desenhar a retomada de investimentos estratégicos com o setor privado na área de infraestrutura e petróleo também seria crucial.

É possível uma união da classe trabalhadora, da classe média, do empresariado e da burocracia do Estado para o reerguimento da nação, ou vê a situação ainda polarizada neste sentido em um longo prazo?

Dificilmente a sociedade brasileira deixará de estar polarizada nas próximas eleições. Ganhará quem tiver a capacidade de cooptar mais segmentos ao centro. Assim, por exemplo, a classe trabalhadora com os movimentos sociais e os partidos de esquerda terão que necessariamente buscar aliados nos segmentos médios e nas suas organizações. Não poderão também dispensar apoios de parte do empresariado, principalmente dos médios e pequenos. A meu juízo, haverá uma disputa entre um projeto de centro-esquerda e outro de centro-direita. Ganhará que tiver mais capacidade de cooptar o centro e obter apoio popular.


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