Ricardo Setti exerceu as funções de editor-chefe de “O Estado de S. Paulo” (1990-92) e de diretor regional do “Jornal do Brasil” em São Paulo (1986-90). Foi também redator-chefe das revistas “IstoÉ” (1984-85) e “Playboy” (1985-86) e editor-assistente e editor de “Veja” (1975-83), além de repórter, redator, editor-assistente e subeditor de publicações como a extinta revista “Visão, o “Jornal da Tarde” e a sucursal de Brasília de “O Estado de S. Paulo”. Foi diretor editorial das Revistas Femininas da Abril (1999 a 2001) e diretor de redação de “Playboy” (1994-99), tendo antes sido, na Abril, diretor editorial-adjunto (1992-94). Além de jornalista, é formado em Direito pela Universidade de Brasília e autor dos livros “Conversas com Vargas Llosa” (Brasiliense, 1986), publicado também em Portugal (Dom Quixote) e editado na França (Pierre Belfont), em língua espanhola (diferentes editoras) e nos Estados Unidos (“The Paris Review”) e “Conversas com Vargas Llosa — Antes e Depois do Nobel” (Panda Books, 2012). Foi o editor das memórias políticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, “A Arte da Política — A História que Vivi” (Civilização Brasileira, 2006, 5ª edição 2012). Foi um dos autores do texto do livro “A Revista no Brasil” (Editora Abril, 2000). Ainda na área de edição de livros, fez a leitura crítica de originais de várias obras, como o emblemático “Chatô, o Rei do Brasil” escrito por Fernando Morais.
Setti, para onde está indo o jornalismo como conhecemos?
Esta é uma pergunta de um milhão de dólares. Na era pós-moderna, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso denomina “contemporânea”, iniciada nos anos 90, os muitos fenômenos ocorridos no mundo, especialmente no campo da tecnologia, impactaram fortemente o jornalismo, como se sabe. O avanço do digital e as redes sociais estão destruindo o jornalismo tal como foi conhecido até o início desta era por duas razões principais. Primeiro, esse cenário tornou virtualmente obsoleto o jornalismo impresso, devido à rapidez e facilidade de acesso propiciadas pelos meios digitais. Segundo, incluiu mundo afora, por meio das redes sociais, literalmente milhões de divulgadores de informação e opinião — gente que em sua esmagadora maioria não tem formação jornalística e que, portanto, tanto técnica como eticamente não lida corretamente com a informação. Em muitos casos, de forma deliberada, pessoas e grupos a serviço de alguma causa, de alguma corrente político-ideológica ou até agindo em proveito próprio.
Este cenário, entretanto, também permitiu que imergisse na internet um grande número de veículos com credibilidade e qualidade, tanto os surgidos na própria web (Politico e HuffPost, entre os muitos dos EUA) como os conteúdos que vários veículos tradicionais conseguiram produzir com as mesmas características (a britânica The Economist online, entre vários outros casos). E incontáveis blogs com conteúdo variado, em parte apreciável de qualidade. Este segundo panorama, que inclui a utilização massiva de transmissão de imagens ao vivo ou gravadas, está aos poucos matando a TV aberta e provavelmente vai no futuro diminuir consideravelmente a importância da TV por assinatura.
Com a crise se abatendo sobre os meios tradicionais, tanto os impressos como a TV, a maior parte das empresas de comunicação, de olho nos dividendos dos acionistas, burramente deixou de investir e/ou cortou investimentos naquilo que mais lhes qualifica e diferencia, e que a médio prazo melhoraria seu retorno: a qualidade jornalística. O resultado, então, foi menos jornalistas, jornalistas menos bem formados, mais mal pagos e com piores condições de trabalho. Isso tudo leva a que o conteúdo produzido nesses veículos seja menos relevante justamente em um período da história em que, para sobreviver, deveria ser até mais do que isso: deveria ser indispensável para o consumidor de informação.
Claro que há empresas que conseguiram enfrentar a borrasca e, depois de percalços, sair-se bem. Uma delas felizmente é o melhor jornal do mundo, The New York Times. Além do milhão de assinantes do jornal impresso, o NYT já tem 2,5 milhões de assinantes pagos de seus conteúdos digitais, e o número continua crescendo. A operação digital levou tempo para se acertar, mas hoje é altamente lucrativa tendo um padrão também alto de qualidade. O jornal pode se dar ao luxo de ter mais de 1.000 jornalistas quando veículos semelhantes em outros países mal chegam à centena.
Os grandes veículos ainda terão uma grande relevância num futuro próximo?
Os grandes veículos que atingiram um bom grau de credibilidade terão, sim, relevância no futuro, se souberem fazer a passagem para o meio digital investindo na qualidade do conteúdo e na relevância e diversidade de opiniões (apresentadas devidamente à parte das informações) que contiverem. Os grandes veículos podem aproveitar o recall de que ainda dispõem para se destacar no meio digital. E precisam ter atenção integral para a interatividade com seu público. É fundamental, também, para que se tornem úteis ao consumidor de informação, que trabalhem duro para apresentar os possíveis cenários decorrentes dos news que divulgam, e as circunstâncias que levaram a que ocorresse. Antigamente se diria que precisam colocar a notícia no contexto e apresentar seus possíveis desdobramentos. Acho, contudo, que a maioria dos veículos tradicionais não conseguirão realizar essa transição.
Colocaria como exceção o rádio, com sua agilidade e ubiquidade e o cardápio de jornalismo com entretenimento. Parece-me que continuará tendo forte penetração no Brasil, em que os grandes veículos de rádio, por sinal, atravessam período de grande audiência no jornalismo de opinião. Tem um vigor extraordinário, mesmo na era digital, em países como os Estados Unidos e a Espanha — com um jornalismo que inclui informação quente, debates, mesas redondas e entrevistas relevantes.
As redes sociais “quebraram” um pouco dessa relevância?
Reitero minha convicção de que o baixo grau de qualidade técnica, o baixíssimo índice de credibilidade e o baixo padrão ético observados nas redes sociais são uma oportunidade para veículos confiáveis, de alta qualidade informativa e que sigam diretrizes como as que esbocei nas duas respostas anteriores.
Por falar em redes sociais, como enxerga o jornalismo realizado nas plataformas digitais?
Há bom e mau jornalismo realizado nas plataformas digitais. Não tenho a pretensão de ser dono da verdade nem melhor do que ninguém. Mas, até como leitor, considero baixa a qualidade do jornalismo realizado nos principais portais brasileiros e nas plataformas digitais dos grandes jornais e revistas. Não há “chip” de memória para situar o consumidor de informação na quase totalidade dos casos e muito menos prospecção quanto ao que poderá ocorrer. E jornalismo não é o que aconteceu ontem ou o que aconteceu hoje, como disse o grande repórter americano Theodore White antes da era digital: jornalismo é o que está acontecendo. Focar em cenários e tendências, portanto, é essencial. No caso dos veículos tradicionais online, em geral, pouco ou nada acrescentam ao que publicaram em papel.
Felizmente existem blogs e sites de muito boa qualidade. É chato citar casos concretos, porque fatalmente cometerei injustiças e omissões. Mas não dá para não mencionar o equilíbrio político, o esforço para explicar os fatos e a variedade da pauta do Nexo Jornal. O Poder360, dirigido pelo Fernando Rodrigues, é mais um desses sites. Aliás, o impressionante arquivo montado sobre políticos brasileiros pelo Fernando, acessível por meio do Poder360, é um marco em matéria de jornalismo sério e útil. Estou falando de jornalismo informativo. O jornalismo de opinião no Brasil, enormemente disseminado na web, é outra coisa.
Qual o verdadeiro peso de revistas como a Veja no cenário político nacional?
A Veja, na qual trabalhei por uma década entre os anos 70 e 80, teve uma enorme importância política, porque não apenas levantava casos importantes na esfera do poder — inclusive durante a Ditadura Militar — como pautava a imprensa escrita diária e a TV. Reuniu por pelo menos duas décadas redações com jornalistas de grande categoria, que posteriormente fariam carreiras brilhantes em outros veículos.
Parece-me que quando a Veja, em matéria política, paulatinamente passou a situar-se num determinado campo ideológico, e foi deixando de lado o trabalho notável que realizava no levantamento de bastidores do poder, começou a perder a influência. A isto se somou o menor empenho em realizar grandes reportagens nos terrenos dos costumes, da educação, da saúde, dos esportes, etc, o encolhimento da cobertura quente, bem feita e analítica de eventos internacionais e o enxugamento drástico do espaço destinado à cultura. Além, é claro, do “ataque” que partiu do fenômeno digital. Tudo isso levou à perda de influência.
Não quer dizer que Veja não tenha um espaço na discussão do poder no Brasil. Agora, porém, a revista tem fiéis, como uma espécie de igreja, e muito menos leitores de distintas tendências políticas, desejosos de se informar.
No que o jornalismo de outrora é melhor que o atual?
Falamos do Brasil, não é mesmo? Pois bem, é difícil e injusto fazer uma comparação simplista, preto no branco. O atual tem um dinamismo e uma rapidez extraordinários, mas muitas vezes perde em profundidade, em análise. O de outrora, em poucas palavras, tinha jornalistas melhores, mais bem pagos e que contribuíam para a formação dos novos — o que redundava, em veículos como a própria Veja e o falecido e inesquecível Jornal do Brasil, com conteúdo de qualidade. A falta de formação de gente nas redações é uma tristeza. Pessoalmente, devo muito ao que aprendi com chefes e colegas, e nunca hesitei em colaborar para o crescimento de jornalistas mais jovens, dentro de minhas possibilidades. Atualmente, de olho nos custos, os grandes veículos exploram a mão de obra barata de recém-formados e não formam gente, por falta de tempo e de vocação.
E no que o jornalismo atual é melhor que o de outrora?
O jornalismo atual é melhor que o de outrora sempre que alia a rapidez e a facilidade de acesso à qualidade e utilidade do conteúdo, o que inclui o bom texto.
Qual o papel dos veículos impressos num mundo cada vez mais digital?
As revistas talvez possam ter uma sobrevivência mais prolongada dos que a dos jornais. Talvez, como o livro em papel, sejam objetos culturais já incorporados de vez à vida das pessoas. Talvez, não tenho plena certeza. De todo modo, revistas segmentadas continuam resistindo em seus nichos — sobre viagens, sobre automóveis, sobre determinados esportes, sobre vida saudável, sobre celebridades, sobre economia e negócios em diferentes abordagens, sobre decoração e um grande número de temas mais. Há outras que se impõem pela qualidade de seu temário mais amplo. The New Yorker ou The Atlantic, nos EUA, por exemplo. A Piauí, no Brasil, que tem excelente padrão jornalístico, não sei se pode ser incluída nesta relação porque é também, embora não somente, produto de um mecenato.
Você já entrevistou grandes personalidades do cenário nacional. Em qual dessas entrevistas se sentiu mais intimidado?
Para dizer a verdade, só me senti intimidado por entrevistar figurões no começo de minha carreira, sobretudo pela enorme timidez, que com o tempo venci. De todo modo, qualquer entrevista que faça, ainda hoje, ultrapassados os 50 anos de carreira que iniciei aos 19 anos, me deixa com um pouquinho de frio na barriga. Ainda bem. Se o frio na barriga passar, será péssimo sinal.
As “fake news” são um fenômeno velho que hoje parece novo pelo voraz mundo digital ou isso é um fenômeno genuinamente do mundo digital que passaria despercebido pelo mundo offline?
Com outro nome, as fake news sempre existiram. Mas as propriamente ditas são produto integralmente associado ao mundo digital. Graças ao poder disseminador das redes sociais, elas são uma ameaça terrível que paira sobre o público e sobre as próprias instituições democráticas (vejam-se as tentativas da Rússia de interferir em eleições em outros países utilizando também fake news). E é obrigação do jornalista ajudar o leitor/internauta/telespectador etc a aprender o que é informação de boa qualidade — a que tem fontes identificadas, busca o contraditório, traz cifras e dados de instituições sérias, não contém viés partidário.
As notícias falsas de outras eras tinham um alcance muito menor, e não eram produtos reproduzidos, como hoje, por robôs. As mais nefastas consistem naquelas que se divulgam em meio a notícias verdadeiras.
Como é o sentimento de um brasileiro ao enxergar o seu país “pelo lado de fora” como é o seu caso neste momento?
De perplexidade e de tristeza.
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