Sabrina Fidalgo estudou Teoria do Teatro e Artes-Cênicas na Uni-Rio e, no final do ano 2000, se radicou em Munique, Alemanha, onde estudou alemão e concluiu o curso de Humanidades e Estudos Sociológicos no Studienkolleg bei den Universitäten des Freistaates Bayern. Em 2008 abriu junto com sua mãe a produtora independente de cinema Fidalgo Produções. Estreou no cinema escrevendo, dirigindo, atuando e co-produzindo o curta-metragem “Sonar 2006 – Special Report” (2006). Em seguida, igualmente escreveu, dirigiu, atuou e produziu os curta-metragens: “Das Gesetz des Staerkeren” (2007), “Black Berlim” (2009), “Cinema Mudo” (2012) e “Personal Vivator” (2014). Ainda em 2014, realizou o documentário musical de média-metragem “Rio Encantado” para a televisão. “Black Berlim” foi escolhido como filme síntese sobre migração e imigração pelo Latin America Film Institut da Freie Universität Berlin. Seu curta-metragem “Rainha” (2016) estreou no Festival Ver e Fazer Filmes e levou os prêmios de melhor atriz, melhor ator co-adjuvante, melhor figurino e melhor som. Em 2017 o filme recebeu o prêmio de melhor filme de média-metragem do 8º Festival de Cinema Independente CIVIFILMES de SP e este ano angariou os prêmios de melhor atriz no 6º FESTCINE e o troféu FISCINE de melhor filme de média-metragem no prestigiado Festival de Cinema de Jaraguá do Sul.
Sabrina, como o cinema entrou em seu mundo?
Eu comecei a frequentar salas de cinema muito cedo. A lembrança mais remota que eu tenho é de uma sessão do musical “Annie” no Art Copacabana, um antigo cinema de rua que já não existe mais, na companhia dos meus pais e de uma tia. Meu pai (o dramaturgo Ubirajara Fidalgo) era um cinéfilo inveterado e sempre me levava ao cinema para assistir filmes infantis (mas me lembro de, algumas vezes, ele me levar para ver outros filmes como, por exemplo, uma ópera no Barra Shopping, era “La traviata”, com direção de Franco Zeffirelli). Em casa a gente via muitos filmes juntos, era uma época pré-internet, pré-dvd, anos 80 total. Vi muitos filmes maravilhosos com ele, que sempre se dava o trabalho de me explicar sobre os bastidores, os atores, diretores, movimentos cinematográficos. Minha mãe também adorava cinema, então cresci com pais que me passaram esse amor. Lembro-me que, a primeira vez que me dei conta de que eu realmente queria fazer isso da minha vida, foi aos 7 anos, quando assisti o filme “O Mágico de Oz”, com direção de Victor Fleming, com Judy Garland, e que, depois, durante muitos anos, se tornou um clássico do Corujão nas noites de natal e réveillon. Lembro da sensação de certeza de querer fazer cinema quando terminei de ver esse filme.
Como é fazer cinema em nosso país?
É difícil, mas fazer cinema é difícil em qualquer lugar do mundo. Principalmente na esfera independente. Mas não troco por nada. É complicado porque não é algo que só dependa de você unicamente, como pode ser com a música, por exemplo. Você sempre vai depender da boa vontade de uma equipe, produtores, coprodutores… Toda essa engrenagem burocrática de fomento e editais, a competição, o machismo e racismo dos editais, curadorias, comissões… têm que ter espírito de gladiador para conseguir encarar a arena. Sem contar que temos esses números vergonhosos lançados pela Ancine (Agência Nacional do Cinema) onde temos zero por cento de participação de mulheres negras na linha de frente de grandes produções com distribuição nos cinemas. Mas sou otimista e positiva em relação a mudanças nesse cenário.
Quais os principais erros que um cineasta jamais pode cometer?
Se levar a sério. É tudo tão complexo e difícil, mas no final das contas fazer cinema ainda é um privilégio, especialmente em um país onde a maioria das pessoas sequer conseguem terminar os estudos e muito menos conseguem levar a cabo a realização de seus sonhos. Fazer cinema é mágico, incrível e poderoso, mas somos operários, meros contadores de histórias. Vejo muitos colegas com egos inflamados ou atuando de forma blasé no meio e só lamento. Além do mais, tudo muda o tempo todo, alguns bombam no primeiro curta e nunca mais conseguem fazer nada incrível. Outros só conseguem o reconhecimento depois de muitos erros e tropeços. É importante ter noção de que não somos “seres especiais” e, principalmente, tratarmos todo mundo bem porque hoje quem está, por baixo pode estar por cima amanhã e vice-versa.
Que papel você que acredita que exerce sobre o público sendo guionista e diretora das suas obras?
Acho que um papel positivo, especialmente para meninas negras. Quando eu era pequena os meus mestres cinematográficos eram, em sua maioria, homens. Eu não tinha uma mulher negra cineasta como exemplo a seguir. Fico muito feliz e com uma sensação de dever cumprido quando meninas negras vêm falar comigo com brilho nos olhos falando que sou uma inspiração para elas seguirem no cinema.
O negros têm “um espelho” quando assistem aos seus filmes?
Com certeza.
Em qual destes filmes o espelho se tornou mais reluzente em sua visão?
Eu diria “Black Berlim” (2009), “Personal Vivator” (2014) e meu último trabalho, “Rainha” (2016), que são obras que abordam direta ou indiretamente questões relacionadas a gênero e raça.
Cinema e ativismo devem ser via de mão dupla em uma produção que você idealiza ou isso não deve ser sempre necessário?
Não é necessário. É um erro pensar que cinema e ativismo devem ser a única via e fomentar esse patrulhamento. Para mim o mais importante é a figura de quem conta a história. Ter mulheres e pessoas negras escrevendo e dirigindo suas próprias histórias já é algo revolucionário por si.
Como as novas tecnologias têm lhe ajudado na distribuição de suas criações?
Eu só vejo vantagens com as novas tecnologias, não sou saudosista. Tenho colegas bem puristas que ainda acreditam que uma exibição em 35mm é algo superior. Mas eu acho maravilhoso que hoje possamos simplesmente subir um link digital em formato H264 para exibição nos cinemas. Imagina a demanda de ter que se tirar um filme da lata… e ainda tem a questão financeira. Se não fosse o advento das tecnologias o fazer cinema ainda estaria restrito ao topo da pirâmide da elite econômica.
O cinema no Brasil é racista em algum ponto?
A cinematografia brasileira é basicamente racista, porque foi toda construída sob o ponto de vista de um só tipo de olhar: pós-colonial, branco, masculino e rico. Quase todas as (sub)representações negras, femininas e indígenas ao longo de décadas beiram a caricatura e os estereótipos racistas e machistas na maioria dos filmes realizados até aqui. E toda a engrenagem do fazer cinema no Brasil ainda se movimenta nessas bases; do fomento às seleções em festivais até a distribuição nos cinemas. Só agora começamos a nos movimentar por uma real mudança de paradigma nesse sentido. Mas repetindo: sou otimista com o que vem por aí a partir de agora. Estamos vivendo um momento especial, um momento de descolonização dos olhares no cinema e no audiovisual como um todo.
“Rainha” fala sobre padrões de beleza estabelecidos. Como foi tratar desse tema em uma sociedade que impõe a beleza como um diferencial?
Foi importante, porque desde sempre nos é imposto apenas um único olhar sobre algo tão subjetivo como a beleza. E essa imposição é algo irreal em se tratando de um país como o Brasil. Não somos magros, brancos, altos, não temos um metro de pernas, cabelos lisos… isso é uma minoria e essa é apenas uma visão, uma visão eurocentrada e colonizada que exclui tudo o que não está nesse lugar, ou seja, a maioria da população. E isso é um mal que acomete vários outros países. Na Tailândia as meninas querem parecer pálidas como as japonesas, que é o ideal mais próximo do “consumismo” na Ásia. Na Índia tem o triste fenômeno de clareamento de pele com produtos de procedência duvidosa, assim como em vários países da África. Aqui na América do Sul pessoas com ascendência indígena negam suas raízes e tentam de todas as maneiras se aproximar de um ideal de beleza europeu e daí por diante. Sem contar com a onda de anorexia e bulimia que acomete milhares de mulheres jovens no Ocidente. Falar sobre padrões de beleza estabelecidos nesse filme foi muito importante, porque é algo que nos afeta de maneira drástica e perdura por toda uma vida.
Você está mudando as perspectivas do nosso país – como bem afirmou a revista norte-americana Bustle. Essa mudança de perspectiva é uma luta diária ou uma semente que irá germinar em um médio prazo?
Quero acreditar que é uma luta diária. Há quatro anos tudo isso seria impensável e veja só o tanto de mudanças que estão acontecendo de lá para cá! Eu não opero no futuro, minha luta é diária e quero ver resultados no presente. Quero que meus filhos tenham a possibilidade de viver numa sociedade transformada e totalmente diferente da que vivemos agora.
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