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Sandro Cabral fala das licitações e das PPPs

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Sandro Cabral é Doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor Associado do Insper na área de Estratégia e professor licenciado da Escola de Administração da UFBA, onde iniciou em janeiro de 2009. Entre setembro de 2014 e janeiro de 2015 foi Professor Visitante CAPES/Fulbright na Robert F. Wagner School of Public Service New York University (NYU). Em 2008 foi professor do Departamento de Administração da FEA-USP. Entre 2005 e 2006 realizou seu estágio de doutoramento na Universidade de Paris 1 – Sorbonne. Procura estabelecer em suas pesquisas pontes entre as áreas de Estratégia e Administração Pública – com especial interesse em temas relacionados às interações entre governos, empresas e ONGs (por exemplo, PPPs, concessões e terceirização) – a questões ligadas ao desempenho e accountability em serviços públicos e a inovações organizacionais na busca do interesse coletivo. Em suas pesquisas aborda diversos setores incluindo sistema prisional, organizações policiais, infraestrutura e megaeventos esportivos e culturais. Seus trabalhos têm sido publicados nas principais revistas de administração do Brasil e em periódicos internacionais de ponta tais como: Journal of Public Administration Research and Theory (JPART), Strategic Entrepreneurship Journal (SEJ), International Public Management Journal (IPMJ), Public Money and Management (PMM), Public Choice, entre outros.

Professor, privatizar os presídios seria a solução para os graves problemas enfrentados nesse setor?

A solução para a resolução dos problemas passa pelo cumprimento do que está na lei da forma mais eficiente possível e independe da modalidade de provisão, pois, ao fim e ao cabo a responsabilidade é do Estado. No Brasil, é impossível privatizar as prisões por conta de restrições legais. A participação privada é vedada em funções de direção e que envolvem o uso de força letal, as quais devem permanecer sob responsabilidade dos governos. Isso não quer dizer que modelos alternativos envolvendo empresas privadas e organizações não-governamentais não possam ser experimentados. Presentes algumas condições, a cogestão envolvendo atores públicos e privados e a parceria entre Estado e organizações sem fins lucrativos podem gerar resultados interessantes.

Quais são os riscos do sistema prisional ser gerido totalmente pela iniciativa privada?

O grande risco da privatização total do sistema prisional, como ocorre nos Estados Unidos, por exemplo, é a busca por redução de custos por parte do ator privado se dar em detrimento da qualidade do tratamento oferecido aos internos. Alguns de nossos estudos apontam que a participação privada deve vir acompanhada de intensa supervisão pública para evitar o dilema custo versus qualidade.

Com toda sua experiência, poderia nos dizer em que países esse modelo deu certo e em quais as coisas não ocorreram tão bem assim?

É difícil falar em experiência bem-sucedida de forma ampla, seja no setor público ou no setor privado. Tem-se algumas experiências pontuais de sucesso da participação privada em algumas prisões na Austrália, porém, ao mesmo tempo, no próprio sistema prisional australiano há algumas prisões sob responsabilidade de atores privados que não deram tão certo. Iniciativas de sucesso no sistema prisional passam por uma atuação forte do Estado, seja na provisão direta ou na provisão envolvendo atores externos. Uma experiência bem-sucedida tem como base a correta especificação daquilo que se deseja, a organização de um processo licitatório transparente e competitivo e uma intensa supervisão sob o responsável pela provisão para assegurar o cumprimento dos contratos. Isso requer que seja crível, ou seja, que zele pelo cumprimento dos preceitos legais e honre os compromissos assumidos junto aos provedores de serviço, por exemplo, não permitindo superlotação das unidades, que mina as possibilidades de tratamento digno, realizando o pagamento das faturas em dia, indicando supervisores contratuais competentes e honestos e, por fim, blindando os provedores de serviço de pressões políticas visando a contratação de apadrinhados.

Quais foram os principais erros do Estado, no caos que se instalou dentro dos presídios do nosso país?

Basicamente, os problemas se resumem pelo fato do Estado não cumprir corretamente os contratos, seja nas prisões públicas ao não cumprir com aquilo que está na Lei, seja em prisões como a de Manaus, onde o Estado não observou os princípios que mencionei acima. A estratégia de empurrar os problemas para baixo do tapete e de negar a existência das facções vêm cobrando sua fatura. A falta de cumprimento do que está na lei faz com que para um indivíduo encarcerado a adesão a uma facção seja uma espécie de garantia de sobrevivência dentro das prisões brasileiras. A conta pela proteção é paga por meio da lealdade em relação ao grupo que o acolheu. Infelizmente, o Estado ao tratar os internos de forma indigna acaba alimentando o crescimento das facções. Os padrões ruins de tratamento, diga-se de passagem, atendem aos anseios de boa parte da sociedade que enxerga as prisões como mecanismos de vingança.

Voltando a falar sobre privatização, em uma certa oportunidade, o senhor disse que essa palavra tem uma conotação negativa. Por quê?

Pela forma como processos de privatização ocorreram em diversos países em desenvolvimento (pouca transparência, privilégios a grupos mais bem posicionados, aumento dos custos dos serviços sem a necessária contrapartida em termos de qualidade, regulação deficiente por parte dos governos), em geral, o termo privatização é associado a algo negativo. Não raro, quando se quer desqualificar algum oponente, políticos aplicam a pecha de privatista ao rival, seja ele de direita ou esquerda.

Quais são as principais amarras para uma boa gestão pública dos presídios?

Além da rigidez para contratação, demissão de funcionários corruptos e execução de compras, o sistema prisional ainda carece de bons quadros técnicos que sejam capazes de garantir o cumprimento daquilo que está na lei. Naturalmente, as restrições orçamentárias limitam a atuação dos governos, mas tal qual em outros serviços públicos, a discussão sobre o uso eficiente de recursos materiais e humanos é praticamente inexistente e vista com desdém, sobretudo por parte daqueles que se beneficiam do Status quo. Além disso, outros atores do sistema de Justiça Criminal tem deixado a desejar em sua atuação. Fica difícil para um gestor prisional, por mais abnegado que seja, operar uma unidade penal sem um trabalho diligente do Judiciário, que é quem no final do dia determina o fluxo de entrada e saída nas prisões.

Gostaria que falasse um pouco sobre o modelo de terceirização das cadeias.

Nas prisões com operação terceirizada a responsabilidade pelas funções de direção, coordenação de segurança e uso letal da força permanecem nas mãos do Estado. Ao ator privado podem ser delegadas as funções de administração material da pena, incluindo, a vigilância interna, provisão de alimentação e demais serviços de assistência aos internos, incluindo atendimento médico, psiquiátrico, jurídico (em conjunto, ou não, com defensores públicos), atividades de reinserção, fornecimento de uniformes, kits de higiene, dentre outros itens de provedoria. No modelo de terceirização vigente no Brasil o governo constrói a unidade e licita sua operação ao ator privado, porém, permanece como o responsável.

O estado do Paraná teve sua terceirização interrompida em 2006, com o argumento de que isso era uma função do Estado. Como viu esse argumento e quais foram os desdobramentos advindos dessa decisão de lá para cá?

De fato, tratou-se de uma decisão do então governador legitimamente eleito que atendeu uma reinvindicação de parcelas importantes da sociedade paranaense. Ainda que a decisão tenha que ser respeitada, na qualidade de quem desenvolveu estudos sobre a experiência paranaense durante minha tese de doutorado, creio que faltou uma análise custo-benefício mais aprofundada até mesmo para substanciar o debate. Por exemplo, nossas análises feitas com dados do próprio sistema prisional paranaense apontam que as prisões terceirizadas apresentavam custos menores e indicadores superiores de segurança e ordem e de serviços oferecidos aos internos em relação às prisões públicas. Atribuo esse resultado a maior flexibilidade do setor privado em conjunto com um bom trabalho de supervisão contratual dos gestores públicos paranaenses, seja no âmbito das prisões (alguns diretores eram de excelente nível) seja no âmbito do corpo técnico do próprio departamento penitenciário local. A coexistência dos dois modelos, público e com operação terceirizada, serviu, inclusive, para promover melhorias nas prisões totalmente públicas do Estado. De toda a sorte, o setor privado somente pode desempenhar bem suas funções sob a condução de uma burocracia pública competente.

Quais mecanismos se fazem necessários, para que o público e o privado trabalhem de uma forma transparente na administração dos presídios, se caso isso venha ocorrer um dia em maiores proporções?

Boa capacitação dos dois lados é essencial, porém, como cabe ao poder público a responsabilidade pela gestão prisional, é necessário que nossos gestores prisionais do lado do setor público melhorem suas competências tanto para a execução na modalidade tradicional quanto para a gestão de contratos junto a atores privados, até mesmo para poder cobrá-los. Licitar de forma transparente é essencial, assim como estruturas de fiscalização que garantam o cumprimento da lei e o bom uso do dinheiro público. Os órgãos de controle são muito importantes, mas precisam ser realistas em suas demandas sob pena de inviabilizar qualquer tipo de provisão, seja pública ou com o apoio de atores privados. O Estado precisa ser crível, como disse antes, não entrando em conluio com o setor privado ou com facções criminosas, não comprometendo as boas práticas de operação das prisões por meio de acordos espúrios (como ocorreu em Manaus) e não realizando indicações políticas a prestadores de serviço. No caso de prisões terceirizadas é imprescindível que os diretores responsáveis pelas unidades estejam alinhados com o que preconiza a lei e tenham conduta ilibada. Novamente, indicações políticas devem ser evitadas para a direção das prisões terceirizadas, uma vez que podem dar margem ao conluio com operadores privados ruins ou a perseguições junto a operadores privados que se neguem a entrar em arranjos fraudulentos. Por fim, um bom entrosamento com o judiciário é fundamental para evitar superlotação. Sem isso, a provisão privada tende a ser tão ruim quanto a provisão pública. Como se vê é um esforço articulado que necessita de lideranças políticas fortes para dar credibilidade ao processo, coordenar esforços e explicitar que qualquer coisa fora da legalidade não será tolerada.

O que mais lhe alarmou em suas pesquisas sobre o sistema prisional brasileiro?

Não sei se alarmar é o termo, mas a forma pouco profissional como o tema, em geral, é tratado salta aos olhos. Embora, tenhamos alguns bons profissionais atuando, no geral o cenário é desolador e o “eu acho” sem nenhum respaldo técnico por parte dos detentores do micro poder acaba dando a tônica. O comando da política penitenciária nos estados, via de regra, oscila entre a negação do problema e coleções de frases de efeito vazias que cada vez convencem menos. São décadas assim e os resultados falam por si.

Saindo um pouco do assunto, o senhor afirmou que o patrimonialismo trava o Brasil. Acredita que teremos líderes num futuro próximo, que saibam encarar o negócio público como público e não como uma extensão dos seus negócios particulares?

O patrimonialismo é um grande problema que atinge o país de diversas formas. No caso da Justiça Criminal, o mesmo Judiciário que é lento para analisar certos casos é célere para analisar outros, não raro com decisões tomadas na madrugada e em finais de semana se a parte interessada é bem conectada. Em geral, a punição nesse país ainda se restringe àqueles que não estão bem posicionados para se fazer ouvir e os dois pesos e duas medidas ainda prevalecem. Isso gera um sentimento generalizado de descrença nas instituições. O uso do que é público para fins privados e o abuso da posição dominante está em todos os lados a começar pela barganha na escolha dos dirigentes do Legislativo, passando pelo vereador que em troca de apoio exige que as obras da prefeitura e a coleta do lixo sejam entregues a parentes ou amigos e chegando ao fiscal dos ambulantes nas ruas. O quadro generalizado de compadrio e expropriação do Estado por indivíduos e grupos de interesse abre as portas para as pequenas transgressões que, embora individualmente pareçam insignificantes, somadas, ajudam a explicar porque os serviços públicos no Brasil, em geral, são ruins. Infelizmente, dentro do atual sistema político brasileiro, não vejo lideranças políticas capazes de romper com esse círculo vicioso patrimonialista que só faz afastar os bons quadros da política.


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