Sérgio Helle nasceu na cidade do Crato, interior do Ceará, onde viveu até os 10 anos de idade. Hoje vive e trabalha em Fortaleza, capital do estado. Expôs pela primeira vez aos 16 anos, no Salão dos Novos (antiga mostra realizada pela prefeitura de Fortaleza). Aos 18 anos foi trabalhar como “arte-finalista” em uma agência de publicidade, “em uma época em que tudo era feito à mão”, como disse. Ainda hoje trabalha como freelancer na área. O artista é conhecido nacionalmente por mesclar as mais novas ferramentas digitais com as técnicas tradicionais de desenho e pintura. Foi um dos primeiros artistas brasileiros a usar o computador como ferramenta artística, realizando em 1995 sua primeira exposição em que participou com “infogravuras” (gravuras com base digital). Passou a assinar como Sérgio Helle por sugestão do jornalista Augusto César, antes assinava como Sérgio L. (daí Sérgio Helle), pois, havia outro artista Sérgio Lima em Fortaleza. Roberto Galvão, historiador de arte, membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), o definiu assim: “Sérgio Helle não é apenas um usuário da tecnologia disponível no seu tempo. É bem mais. Ele mergulha na tecnologia e a expande, alargando a possibilidade do seu uso artístico. Sua obra, efetivamente, contém tudo que poderia ser sintoma da pós-modernidade, porque além de ser um artista pós-moderno ele participa da construção do seu tempo”.
Sérgio, em que momento a arte deve ter um papel social?
Acredito que a arte sempre teve e tem um papel social importante. Independente se é uma arte “engajada politicamente” ou não. O simples despertar para outras maneiras de olhar, de sentir, já é um fator que alcança novos horizontes nas pessoas, um caminho para uma sociedade mais pensante e participativa.
Como o tempo dialogou com a sua arte, ou seja, sente que ela é atemporal?
O trabalho de um artista é influenciado o tempo todo por suas experiências pessoais e o meio onde ele vive. Acho que o registro de tempo no meu trabalho vem do acúmulo de experiências vividas e da procura em utilizar técnicas e recursos que a tecnologia atual me proporciona. Gosto dessa mistura do tradicional e da utilização de novas tecnologias na feitura do trabalho.
Em que momento o digital lhe chamou atenção?
Eu tinha ido no início dos anos 90 passar uma temporada em Paris, foi quando pela primeira vez tive contato com um computador com imagens e sons e fiquei fascinado com suas possibilidades (muito remotas em comparação aos dias de hoje). Logo pensei na possibilidade de fazer arte com essa ferramenta. Meses depois, já de volta ao Brasil, adquiri meu primeiro computador e comecei a experimentar desenhar e pintar. Tudo muito rudimentar e cheio de limitações, tanto na execução como na sua reprodução.
Qual foi o “start” para a mescla de arte e tecnologia em seus trabalhos?
Muitos artistas se utilizaram do que tinham disponível no seu tempo e inseriu esses recursos na feitura de sua arte, No século XIV, alguns artistas já utilizavam a técnica da câmara escura como auxiliar na produção de desenhos e pinturas. Andy Warhol se utilizava de polaroids, serigrafia, filmadoras… arte e tecnologia sempre estiveram interligadas. Comecei pintando cenas de filmes que eu via no videocassete ou cinema, usei fotografias, fotocópias e depois o computador.
Quando em 2001 participei da Bienal do Mercosul vi vários artistas que trabalhavam com computador, mas cada um tinha encontrado uma forma de utilizar essa ferramenta.
O crítico Roberto Galvão, afirmou que você alarga a possibilidade da tecnologia para o uso artístico. Quando isso se tornou cristalino para você?
Sempre fui muito atraído pela tecnologia. Por um período utilizava fotocópias em montagens. Fotografava a TV ou o cinema e depois ampliava as imagens inúmeras vezes em pedaços, como em um outdoor. Depois colava em madeira e pintava por cima. Costumava fazer cópias em transparências para depois inverter as imagens. Quando descobri depois que no computador tudo isso poderia ser feito em um clique foi mágico. Com o tempo a tecnologia foi se aprimorando e o “pintar no computador” foi ficando mais próximo ao que eu já era acostumado. O que no início era bastante limitado (como pintar com um mouse) foi sendo substituído por canetas e mesas digitais que simulavam, cada vez mais próximo da experiência tradicional do ato de pintar.
Esse alargamento de possibilidades é algo que sempre tem em mente constantemente?
Comecei a pintar da forma mais tradicional possível, com sobre tela, mas sempre estava procurando novas possibilidades. Colava telas de tapeçaria para dar mais textura, fazia colagens na tela com papel artesanal. Com o tempo mudei para tinta acrílica e fui incorporando outros materiais ao trabalho. Atualmente trabalho com técnica mista onde utilizo acrílica, pastel oleoso, lápis de cor, pigmentos…
O que não pode faltar em uma criação idealizada por você?
Acho que sou um artista muito ligado na estética. Reconheço o valor de vários trabalhos que muitas vezes não são esteticamente agradáveis, mas trazem conceitos interessantes, entretanto, não é o que faço ou convivo. Todos os meus trabalhos, mesmo os que resultam de experiências que fogem um pouco da pintura ou gravura, tem esse viés. Acredito na força da estética e no poder que ela tem de impactar mesmo os que não tem uma formação artística.
Que palavra define a sua exposição “PARADISUS” em sua visão singular?
Considero PARADISUS minha declaração de amor à natureza. Toda série começa com um despertar do olhar para algo. Eu via folhas de torém desde minha infância, é uma árvore muito comum em várias partes do país. Mas um dia eu realmente “vi” os desenhos das folhas quando ressecam, sua beleza, sua complexidade. Levei várias para o ateliê e comecei a desenhar. Fiz testes deixando as folhas secarem em vários ambientes, comecei a perceber o que acontece com as plantas quando morrem, suas deformações e belezas decorrentes dessas mudanças. Um mundo novo começou a surgir.
E o que lhe fez chegar a tal definição?
Fiquei 10 dias na Floresta Amazônica e o que mais me impressionou foi a vida e a morte tão presentes na paisagem, pra onde eu olhava via vida e morte, como uma revelação. Das folhas mortas no chão e outros restos de vida, das grandes árvores mortas e caídas, brotavam novas vidas em forma de grandes cogumelos… de novas árvores. A série é baseada em plantas mortas em que as reinvento, mesclo, dou novas cores e vida. Achava que Paraíso seria uma boa definição dessa representação da vida e da morte. Como eu vinha de umas séries que tinham como títulos nomes em latim, ACQUA e FRAGMENTA, achei que PARADISUS seria uma boa definição para esse novo universo.
Qual a influência do Ceará em suas criações?
A vida do artista, as pessoas ao redor, o local onde vive e viveu, são fatores que influenciam de forma contundente no trabalho do artista. Recentemente, após a experiência na Amazônia, fiz um trabalho que remetia à minha infância e lugar onde cresci. Fiz desenhos de folhas de torém que foram depois impressos em pedras, como se fosse fósseis. Nasci no Cariri, uma região do Ceará que também nos mostra a teia da vida em sua complexidade e amplitude de tempo. O GeoPark Araripe concretiza essa compreensão. A pedra Cariri é o suporte que guarda a imensa produção de fósseis encontrada no Sul do Ceará. Documentos sobre a vida da Terra, na Terra. Encontrei seca, ressecada, a primeira folha de torém que dá início à série Paradisus. Ela surge agora na pedra Cariri, e vai ressurgir sempre, como um símbolo da resistência, da força da natureza. Um fóssil em tempo contrário.
Depois de estar realizando o seu ofício com apuro por tanto tempo, acredita que trouxe para o público, mais interrogações, exclamações, reticências ou pontos finais?
Espero ter trazido mais interrogações e exclamações, pois, considero que questionamentos e surpresas são indispensáveis na arte.
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