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Sergio Vale fala das entrelinhas do mercado

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Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados, empresa de consultoria em análise macroeconômica e colunista da revista Exame. Formado pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo – FEA/USP é mestre em Economia pela mesma instituição. Obteve mestrado em economia pela Universidade de Wisconsin Madison EUA. Foi colaborador do jornal “O Estado de São Paulo”, colunista do extinto jornal “O Diário de São Paulo” e professor nos cursos de Economia e Administração das faculdades IBMEC-SP. “Se na votação na Câmara, que acreditamos ocorrer em junho, não funcionar e o Governo perder, na verdade, quem perderá é o país como um todo. Imediatamente o mercado entenderá que o ajuste fiscal não acontecerá nesse Governo, já que não há alternativa à reforma da Previdência. Com isso, haverá um forte ajuste nos preços de ativos, a começar da taxa de câmbio. Haverá pressão inflacionária por conta disso e veremos o BC ter que subir a taxa de juros para conter a inflação. O resultado subsequente é voltarmos à recessão. O que seria mais complicado dessa vez é o que país ainda não saiu totalmente da crise e dizer para as empresas que elas podem voltar à crise é aceitar que haverá um processo maciço de recuperações judiciais e falências bem maior do que se viu na recessão passada”, afirma o experiente economista.

O quão é importante a reforma da Previdência para o país neste momento?

A reforma é essencial para voltarmos a crescer, mas ela é apenas necessária, não suficiente. Por ela teremos condições de um ajuste fiscal mais significativo, significando queda de juros de curto e longo prazo mais sustentáveis nos próximos anos. Assim, a reforma é absolutamente essencial caso queiramos ver a taxa de juros mais baixa daqui para a frente. Ela também é uma questão de justiça social, de tratar o setor público de forma semelhante ao setor privado e instituir finalmente uma idade mínima para aposentadoria em um país que envelhece rapidamente.

Sem a reforma, o país pode voltar à recessão?

Certamente. Se na votação na Câmara, que acreditamos ocorrer em junho, não funcionar e o Governo perder, na verdade, quem perderá é o país como um todo. Imediatamente o mercado entenderá que o ajuste fiscal não acontecerá nesse Governo, já que não há alternativa à reforma da Previdência. Com isso, haverá um forte ajuste nos preços de ativos, a começar da taxa de câmbio. Haverá pressão inflacionária por conta disso e veremos o BC ter que subir a taxa de juros para conter a inflação. O resultado subsequente é voltarmos à recessão. O que seria mais complicado dessa vez é o que país ainda não saiu totalmente da crise e dizer para as empresas que elas podem voltar à crise é aceitar que haverá um processo maciço de recuperações judiciais e falências bem maior do que se viu na recessão passada.

Quais outras reformas adicionais são necessárias para restaurar a sustentabilidade fiscal da nação?

Na linha de mudanças fiscais, certamente a mais relevante na sequência é a reforma tributária. A necessária simplificação de impostos terá o papel de melhorar a eficiência das empresas, tem um caráter eminentemente de aumentar a produtividade das mesmas, diminuir o custo Brasil e permitir que se abra mais a economia, questão essa que passamos da hora de lidar.

Essas outras reformas podem “emparedar” o Governo?

Essas outras reformas não têm restrições tão grandes com a população. A tributária especialmente não é uma reforma que a população é contra, mas os estados podem ser se houver algum risco de perda de receita caso a unificação de impostos incluam estados e municípios. Eu diria que a grande batalha é a Previdência e o resto tenderia a ser levado com menos riscos.

O mercado foi cínico com a promessa do programa liberal de Bolsonaro?

O mercado acreditou no que quis, não viu a realidade de um presidente que foi a vida inteira estatizante e que de repente se tornou liberal. Evidentemente não era o caso. Mas um ponto positivo de Bolsonaro é que ele tende a ser mais flexível, volta atrás depois de decisões equivocadas. Ao mesmo tempo, gera mais ruído desnecessário do que deveria. O programa liberal do Guedes segue sendo do Guedes e o Bolsonaro apenas assina embaixo.

A intervenção na Petrobras demonstrou um sinal de fraqueza do Governo?

Mostrou o viés normalmente intervencionista do presidente e o risco dele ceder a riscos setoriais como no caso dos caminhoneiros. Bolsonaro não é Thatcher e nem Reagan, não tem o viés liberal desses presidentes, seguirá tendo esse caráter dúbio que temos visto recentemente. Cada vez mais Guedes se torna muito relevante nesse Governo.

Em janeiro passado, o senhor afirmou que o presidente indica pouco poder de convencimento pela percepção que teve da sua participação em Davos. Esse será um “Calcanhar de Aquiles” para o mandatário?

Ele não tem convicções liberais, muito menos ainda na Previdência. Enquanto houver um Guedes para apagar os incêndios, vamos levando. Mas o risco disso é que o presidente tem um papel fundamental na discussão política para a aprovação da reforma e isso falta quando alguém que não acredita nela está presidindo o país.

Quais são os elementos necessários para trazer a confiança para o país novamente?

A reforma da Previdência é o passo mais urgente. Na sequência, partir para a reforma tributária, que está madura para avançar, esperando que seja profunda a ponto de colocar estados e municípios na reforma. Ao longo dos próximos anos também seria relevante abrir mais a economia. O Brasil é o segundo país mais fechado do mundo e com o quarto maior nível de tarifas de importação. Para piorar, as tarifas em insumos e bens de capital é cerca de três vezes maior que o segundo colocado. Abrir a economia será essencial para aumentar a produtividade do país e aumentar o emprego. Essa questão me parece madura para atacarmos agora também.

A retomada do crescimento passa por uma maior abertura da nossa economia. Como isso deveria ser feito?

Como disse, a sequência de ajuste fiscal, que manterá o custo do crédito baixo, com reforma tributária, aumentando a eficiência das empresas, é o caminho para partirmos para uma abertura da economia permanente. É um processo longo, que vejo acontecendo ao longo de todo o Governo, e é melhor que seja assim para dar tempo para as empresas se prepararem.

Investidores continuam acreditando no país ou tudo dependerá das reformas?

Continuam acreditando no país, mas as reformas são essenciais para essa crença virar realidade. O Brasil é um país com enorme potencial de demanda pelo tamanho de sua população e algumas reformas que foram feitas recentemente no mercado de crédito, como o cadastro positivo, tem o potencial de gerar crescimento forte de consumo e crédito nos próximos anos. Praticamente não há mercado no mundo com potencial tão grande como o nosso se mantermos a estabilidade política e reforçamos a estabilidade econômica com as reformas.


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