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Teresa Costa d’Amaral se espelha em seu pai

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Teresa Costa d’Amaral sempre se interessou pela área social. Recebeu bons exemplos dos pais e aprendeu com a família o valor do respeito ao próximo e da solidariedade. Assim, desde cedo sabia que queria trabalhar em prol da comunidade, contribuindo para o crescimento da sociedade brasileira. E, mais tarde, teve este ideal confirmado sendo mais do que uma escolha e, sim, um comprometimento pessoal. Em 1998, ela fundou o Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD), no Rio de Janeiro. A idéia era criar uma ONG que pudesse atender os portadores de deficiência física em suas necessidades de forma profissional e não assistencial, como até então eram conhecidas as entidades que prestavam atendimento a este público no Brasil. Pensando dessa maneira, o IBDD foi criado para prestar serviços a partir de três núcleos de atuação: trabalho, defesa de direitos e esportes. Além dos cursos técnicos, os interessados são preparados para o convívio social e integrarem o mercado de trabalho. Empresas também são beneficiadas por uma consultoria especializada na inserção de portadores de deficiências nas atividades trabalhistas, identificando o perfil do candidato certo para o perfil da vaga oferecida. “Entendo que o grande desafio do nosso tempo é o olhar de inclusão que a sociedade precisa ter sobre a pessoa com deficiência”, afirma uma das vozes mais significativas do terceiro setor do nosso país.

Teresa, fale um pouco sobre o início de sua carreira.

Você me perguntou sobre o início da minha carreira. Quando acabei o curso de história, não tinha a menor ideia de que terminaria trabalhando com pessoas com deficiência. Tive uma irmã com deficiência e meu pai era um lutador pela causa da pessoa com deficiência e da divulgação de suas questões. Passei a ajudá-lo numa atitude totalmente familiar e informal, mas foi se tornando claro para ele e para mim que a questão devia ser vista como ampla e intersetorial e não somente uma questão de educação ou de saúde, e essa percepção foi de certa forma tomando conta de mim e trazendo uma vontade de trabalhar na área.

Como voluntária na Federação Nacional das Associações Pestalozzi, tive uma experiência muito boa e conheci de perto as questões das instituições que trabalham com deficiência. Esse foi o verdadeiro início da minha carreira na área, conhecer a questão da pessoa com deficiência por dentro, vivenciando como eram atendidas, mesmo porque, até certo momento, as APAES e as Pestalozzis eram os principais locais para seu atendimento. Também o conhecimento e o comprometimento com as pessoas com deficiência veio da presença na minha vida, da minha irmã, que era apenas 4 anos mais nova que eu, e que tinha paralisia cerebral grave, e do profundo amor que todos nós, pais e irmãos, tínhamos por ela. Eu tinha uma grande alegria em estar ao lado dela. Meus pais nunca a tiraram do convívio de todos que vinham à nossa casa, o respeito pelo ser humano fez com que eles acreditassem na inclusão muito antes do termo inclusão aparecer na vida das pessoas com deficiência e em seu movimento de luta.

Tive depois, já adulta, um sobrinho com Síndrome de Down, e a presença dele, da alegria de viver e da sabedoria de vida dele, do seu carinho, foi a segunda das duas experiências que selaram definitivamente o compromisso pessoal. Estava assim instalada em mim a convicção de que minha vontade de luta e de participar da transformação das questões sociais brasileiras teria como objeto a questão social das pessoas com deficiência, até hoje um tema abandonado e excluído.

Em que momento os deficientes se tornaram uma prioridade em sua vida?

O entendimento de que a política social voltada para as pessoas com deficiência havia se tornado uma prioridade total na minha vida aconteceu no momento em que fui trabalhar em Brasília, lutando para a criação de uma coordenação interministerial que pudesse coordenar os diversos setores de política social que envolvem a vida da pessoa com deficiência, e isso aconteceu em outubro de 1987, com a criação da CORDE – Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência, vinculada à presidência da República, da qual fui a primeira coordenadora nacional. Essa política interministerial precisava ser discutida, precisava ser implementada.

Por outro lado a possibilidade de trabalhar com a Constituinte e de poder fazer, após a nova Constituição, o projeto da lei ordinária em relação aos direitos da pessoa com deficiência, a Lei 7853/89, moderna, inclusiva, considerada uma das mais inclusivas das Américas, mas a menos implementada. Fruto do trabalho de um grupo criado especificamente para discutir o problema e que fez o documento básico da Lei 7853. Nesse momento, com todas essas frentes de ação, me tornei uma pessoa que pensava 24 horas por dia na questão da pessoa com deficiência. Pensava que tinha pouco tempo para dar conta de todas essas vertentes, mesmo com todo o apoio do presidente Sarney, eu sabia que o tempo de um Governo é o tempo de um Governo, e era preciso fazer o máximo para que pudéssemos alcançar um ponto de não retorno do problema. Não chegamos nem perto desse ponto, mas acredito que começamos a mostrar para a sociedade a exclusão em que as pessoas com deficiência viviam e o caráter multidisciplinar necessário à política social voltada para elas.

Como surgiu o IBDD?

O IBDD surgiu da percepção, e consequente preocupação, do fato de que a questão social da pessoa com deficiência no Brasil, não tinha a menor importância para o grande público, só sendo vista como importante para as pessoas com deficiência, suas famílias, amigos e cuidadores, e nesse sentido achei que era preciso fazer uma instituição diferente, que lutasse pelos direitos das pessoas com deficiência, que lutasse por cidadania e que permitisse que a gente pudesse tirar a questão da área do assistencialismo e a transformar numa questão de defesa de direitos e de política social de direitos. A constatação de que o que eu havia feito quando trabalhei no Governo ou quando trabalhei em outras instituições tinha uma sobrevivência muito frágil, era muito precária a implementação e a manutenção daqueles projetos que poderiam ser modelos de políticas sociais me levou a criar o IBDD. Nesse sentido o IBDD é uma tentativa de construir uma instituição baseada naquilo que acredito, em termos de justiça social. O IBDD é o resultado de uma constatação de que era preciso fazer diferente para que pudesse haver uma mudança na questão da política social para pessoa com deficiência no Brasil.

Quais os pilares moldam o trabalho do IBDD?

Fazer o IBDD foi e é a convicção de poder acreditar na construção de uma política de direitos. Desse modo nós trabalhamos em duas áreas principais: defesa de direitos e colocação no mercado de trabalho, porque entendemos que só o emprego, e a remuneração digna, podem trazer para qualquer um de nós uma cidadania completa, ou até mesmo a condição de lutar por uma cidadania mais completa. Em defesa de direitos nós somos até hoje, acredito, a única instituição que trabalha com defesa de direitos propriamente dita. Atualmente temos cerca de 5000 processos em andamento na Justiça, voltados para resolver demandas específicas das pessoas com deficiência, quando a via administrativa não consegue resolver.

Fazemos processos, por exemplo, para que a entrada de um prédio possa ser acessível para a pessoa com deficiência, mas não trabalhamos com a questão do atraso no aluguel dessa mesma pessoa. Dessa forma nós entendemos que é preciso defender cada um dos direitos da pessoa com deficiência, mas é necessário também enfrentar os problemas quando encarados em seu aspecto coletivo, assim nós temos ACPs – Ações Civis Públicas, para acessibilidade tanto nos prédios públicos quanto nos prédios particulares de uso coletivo e nos meios de transporte. Tivemos sentenças positivas em todas, mas – inacreditável – foram contestadas por todas as instâncias de governo até chegarem aos Tribunais Superiores. Quanto à inclusão no mercado de trabalho, o IBDD presta serviços a empresas particulares e públicas para apoiá-las na inclusão de pessoa com deficiência como seus funcionários, atuando em análise para efetivação da acessibilidade, palestras de sensibilização, recrutamento e seleção. Temos também cursos básicos para instrumentalizar aqueles que nos procuram com conhecimentos atualizados.

Mas é também importante dizer que temos o compromisso de atender a cada uma das pessoas que nos procuram da forma mais integral possível, tentando entender suas demandas e necessidades, de modo a interferir positivamente na realidade que precisa ser mudada. Gosto de dizer que quando você cria uma instituição voltada para atender ao público, é preciso haver a compreensão do respeito ao outro e da solidariedade, entendemos que quem nos procura merece o melhor de nós, nem pode esperar para ser atendida nem podemos ter um olhar de minimizar ou menosprezar as demandas trazidas. Como fechamento dessa proposta está a decisão do IBDD de participar ativamente nas discussões de políticas sociais, em especial de políticas que tenham importância para as pessoas com deficiências e desenvolver ações que levem à conscientização da sociedade sobre os direitos das pessoas com deficiência.

Como enxerga o tratamento dado pela mídia sobre este assunto?

O tratamento dado pela mídia à questão da pessoa com deficiência é ainda muito assistencialista e focado em questões pontuais, por exemplo, a pessoa que ficou com deficiência por causa de uma bala perdida, o atleta com deficiência que ganhou uma medalha. Essa atenção da mídia é muito baseada no que chama atenção, na excepcionalidade da pessoa com deficiência, mesmo quando tem o olhar de pena e assistencialista sobre a vítima de bala perdida, ou quando se surpreende e alegra pela medalha ganha em uma competição, até essa medalha é vista com o seguinte olhar: “meu Deus esse deficiente consegue até uma medalha”.

Acredito que os meios de comunicação podem ser nossos grandes aliados, o papel da mídia é fundamental para conscientização da sociedade, para transformar o olhar da sociedade de negativo para positivo. Seria radicalmente transformador se a mídia se engajasse na nossa luta assim como ela se engaja na luta das crianças e em outras lutas sociais tendo um importante papel de fiscalização das atitudes do Governo e da sociedade de que o país tanto precisa. O papel da mídia é fundamental para conscientização da sociedade, para transformar o olhar da sociedade.

Acessibilidade é o grande desafio do nosso tempo?

É importante, mas não diria que é o grande desafio do nosso tempo. Entendo que o grande desafio do nosso tempo é o olhar de inclusão que a sociedade precisa ter sobre a pessoa com deficiência, a questão da acessibilidade é primordial, mas é uma questão tecnicamente resolvida seja por rampas, elevadores, transporte acessível, programas de informática os mais diversos, closed caption, intérpretes e milhares de outros itens, enfim hoje o conhecimento, tecnológico ou não, é suficiente para acabar com todas as faltas de acessibilidade, mas o que existe é uma total inconsciência do Estado e da sociedade brasileira para que essa acessibilidade seja feita.

A falta de acessibilidade é o lado perceptível da inconsciência generalizada. Enfrentar essa questão é principalmente entender a pessoa com deficiência como cidadã brasileira, é trabalhar para acabar com a exclusão radical com que a sociedade brasileira esmaga as pessoas com deficiência. O grande desafio do nosso tempo é tornar a pessoa com deficiência cidadã, rompendo com sua invisibilidade imperceptível, tirando da margem das discussões sobre política social a questão, a discussão e as soluções para torná-la cidadã.

O seu pai foi o seu grande mentor. O que você absorveu dele que coloca no seu dia a dia?

Sim, meu pai foi meu grande amigo, meu grande inspirador, principalmente na vida, mas também no meu trabalho. Ele me ensinou que antes de tudo vem o respeito à diferença, esse respeito que você tem por qualquer pessoa. Me ensinou a respeitar e amar ao próximo, ser fraterno, acreditar na fraternidade, acreditar na igualdade, e entender que cada brasileiro tem parte da responsabilidade na construção de um país melhor.

É praticamente o que uma vida precisa para ser uma vida completa. Me sinto muito mais realizada do que se tivesse ensinando história. Às vezes pessoas me perguntam se não é duro trabalhar com a questão da pessoa com deficiência, é duro sim, mas não por causa do lidar com a pessoa com deficiência, é duro pelos nãos que a gente recebe todo dia do Governo e da sociedade, que prefere não olhar para a pessoa com deficiência nem para todas as políticas sociais necessárias para sua cidadania, acham que a pessoa com deficiência pode ser excluída. E foi isso que aprendi com meu pai, e que coloco no dia a dia do meu trabalho: não aceitar a exclusão. Acreditar que todo brasileiro tem os mesmos direitos qualquer que seja sua deficiência e qualquer que seja sua condição social.

Por que você considera a exclusão das pessoas com deficiência como a mais radical?

Não tenho dúvidas que a questão da pessoa com deficiência e a exclusão da pessoa com deficiência é a mais radical porque junta todas as exclusões em uma só pessoa. A diferença da pessoa com deficiência ameaça os que se querem perfeitos em uma sociedade perfeita, sua diferença a afasta totalmente do centro, da inclusão como cidadã. É claro que ela ameaça qualquer um que nunca tenha convivido com a deficiência, porque ela é tudo aquilo que ninguém quer nem para si, nem para seus filhos e amigos. Acredito que é com esse olhar que a sociedade procura sempre manter o deficiente longe, quanto mais longe menor a ameaça, e essa ameaça faz com que além de todas as questões de exclusão que atingem a população brasileira, haja ainda a ameaça da imperfeição e do sofrimento.

A exclusão é radical também porque a falta de atenção adequada aumenta esse distanciamento, tornando-o muito difícil de superar. A nação brasileira mantém um grande número de pessoas com deficiência presas em suas deficiências, sem as mínimas condições de respeito ao ser humano. Cegos sem bengalas, amputados sem muletas, paraplégicos sem cadeiras de rodas, surdos sem comunicação, deficientes intelectuais e mentais isolados, todos vivendo no fundo do nosso quintal, como se o mundo já não vivesse as grandes perspectivas da inclusão.

O que nós como sociedade podemos fazer para resolver este problema?

Dessa forma temos um campo de concentração escondido nessa inconsciência generalizada. É preciso denunciar que o campo existe e que só poderemos viver uma democracia quando a guerra for vencida, quando houver em nosso país consciência da existência de milhões de brasileiros com deficiência com os mesmos direitos e deveres de todos nós. Entendo que a sociedade pode muito, porque ela pode pressionar o Governo a mudar essa atitude de total indiferença sobre a questão da pessoa com deficiência. O Governo e a sociedade continuam entendendo a questão da pessoa com deficiência pela vertente do favor e da caridade, mas as pessoas com deficiência lutam e merecem seus direitos, não querem esmola, e nem querem a cidadania dada como favor. É preciso que a sociedade realmente passe a ter um novo olhar e novas atitudes em relação à vida das pessoas com deficiências.

Se você tem ou trabalha em uma escola, trabalhe para que nela haja uma prática de inclusão. Se você é, por exemplo, professor na Universidade, respeite o direito das pessoas com baixa visão terem provas ampliadas ou um leitor para apoiá-las. Se você dirige ou trabalha em uma empresa, acredite no potencial das pessoas com deficiência, não desista de um candidato só porque ele tem deficiência. Participe dessa atitude de inclusão, individualmente ou em grupo, como empregador, como professor, como médico, como jornalista, como amigo. Invente novas e dignificadoras formas de inclusão para o seu dia a dia. Só a sociedade pode fazer essa grande mudança, não aceite que o Governo continue atuando nos mesmos padrões de séculos atrás, é preciso que o Governo entenda que no século XXI não há lugar para exclusão de nenhum de seus cidadãos.

Quais os dados mais recentes das pessoas com deficiência no mercado de trabalho?

Os dados que temos evidenciam a falta de importância dada pelo Governo às políticas em relação ao trabalho das pessoas com deficiência e seu emprego. Apesar de ter havido aumento no número absoluto de pessoas com deficiência empregadas, hoje o percentual em relação à população geral empregada permanece inferior a 2007 e 2008. Isso indica que o número de pessoas contratadas/vagas abertas cresceu em maior proporção do que o de contratação de pessoas com deficiência. No cumprimento da cota, esse percentual de pessoas com deficiência empregadas deveria sair do patamar atual de apenas um terço da cota obrigatória até chegar a 100% do quantitativo da cota. A única maneira de poder legalmente haver diminuído o número de pessoas com deficiência contratadas seria se as empresas demitissem funcionários a ponto de diminuir sua cota, o que não é o caso. Pelos dados da RAIS entre 2007 e 2013, tivemos anos com redução absoluta de pessoas com deficiência empregadas, mas essa queda é ilegal, já que uma pessoa com deficiência só pode ser demitida se outra for contratada em seu lugar.

O panorama de 2014-2016 é também de resultados bem ruins na contratação de pessoas com deficiência, já que com o país em crise, as empresas tendem a cortar mão de obra e, em geral, os primeiros a serem demitidos são as pessoas com deficiência. Por outro lado, o mercado informal de trabalho absorve um grande número de pessoas com deficiências que não consegue emprego, e dessa forma tem algum recurso para seu sustento, seja como camelô, seja como biscateiro, seja como for.

Qual a sua principal diretriz para seguir nesta jornada?

A minha principal diretriz é acreditar que por pior que seja o momento que o Brasil está passando, eu não posso deixar de continuar o compromisso que assumi com as pessoas com deficiência e com meu país, de lutar para que ele seja um país digno, um país que constrói cidadania, que respeita seus cidadãos, e continuar lutando e acreditando que as pessoas com deficiência têm o direito de ser felizes, como qualquer cidadão brasileiro.


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