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Toninho do DIAP fala sobre freios e contrapesos

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Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, consultor e analista político. Toninho (como é conhecido) também é diretor de Documentação licenciado do DIAP e sócio-diretor das empresas Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas. O DIAP foi idealizado pelo advogado trabalhista Ulisses Riedel de Resende e pelo próprio Toninho. Foi fundado em 19 de dezembro de 1983 com a finalidade de atuar junto aos poderes da República, em especial no Congresso Nacional e, excepcionalmente, junto às Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, no sentido da institucionalização e transformação em normas legais das reivindicações da classe trabalhadora. Como experiente observador da cena política nacional, o analista afirma em entrevista exclusiva ao portal Panorama Mercantil: “Não fosse a existência do Sistema Único de Saúde público, gratuito e universal, certamente o número de mortes seria infinitamente maior. O Estado, por decisão de suas instituições, liberou recursos para socorrer e salvar pessoas, com a ajuda humanitária de R$ 600,00; para salvar empregos, com a ajuda financeira em caso de redução de jornada e redução de salário ou suspensão do contrato de trabalho; e para socorrer estados e municípios, tanto com ajuda financeira no combate ao vírus, quanto na compensação por perda de arrecadação”.

O senhor já afirmou que a desqualificação política é uma tragédia. Como qualificar esse sistema num mundo cada vez mais complexo?

A política foi a forma que a civilização encontrou para mediar e resolver, de forma pacífica e democrática, as contradições que o cidadão, na sociedade, não pode (e nem deve) resolver diretamente, sob pena de retorno da barbárie. O então presidente do Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento do mensalão, ministro Carlos Ayres Britto, foi muito feliz ao afirmar que “a política é a mais importante atividade humana coletiva”. Todas as conquistas do processo civilizatório foram resultados de decisão política: os direitos civis, os direitos políticos, os direitos sociais, econômicos e culturais, os direitos difusos e coletivos, e os direitos bióticos.

Quanto mais complexo o mundo, mas necessária se faz a presença da política, que considera valores como equidade e justiça. A lei, com o poder coercitivo do Estado, define as regras de convívio social, que deve ser seguida por todos. E quem elabora as leis são os cidadãos eleitos, portanto, legitimados pela soberania popular. Fora do regramento legitimado, que se dá pelo processo político, vale a lei do mais forte. Muitos dos que professam o fim da política e desacreditam esse processo o fazem porque querem o poder na mão dos mais fortes, em contraposição ao poder da maioria para a definição das preferências, das prioridades e da escolha das melhores pessoas para implementar a vontade do povo.

Qualificar a política, no mundo complexo atual, passa por esclarecimento sobre as origens e os objetivos da política, que segundo Marilena Chauí, a política foi inventada pelos gregos e romanos para combater o poder despótico dos reis com o propósito de: a) Separar o privado do público; b) Separar o governo da religião; c) Separar o poder militar do poder civil, subordinando o primeiro ao segundo; d) Retirar o caráter hereditário do poder; e) Retirar do cidadão o poder de fazer justiça com as próprias mãos; f) Criar a lei como expressão de uma vontade coletiva e pública, definindo direitos e obrigações para todos; g) Criar fundos públicos, de bens e recursos, que pertencem à sociedade; h) Tratar a coisa pública com impessoalidade, moralidade e interesse público; i) Enfim, organizar a vida em sociedade, de modo civilizado, com respeito às regras válidas para todos.

Essa desqualificação se faz notória na crise que estamos vivendo?

Exato. Ela é produto da desinformação, que leva à negação do sistema político e da própria política, sem apresentar alternativas. Em nome de um suposto combate à corrupção, algumas forças políticas têm provocado os instintos mais primitivos do ser humano, com o único proposito de manter viva a disputa política, já que só fazem julgamentos morais e apontam supostos culpados por eventuais desvios de conduta, porém, sem apresentar solução ou alternativas para cessar esses desvios. É preciso deixar claro que aqueles que desqualificam a política o fazem por ignorância (desinformação) e por má-fé. Os primeiros, ao negarem a política, são potenciais vítimas da política, e os segundos, os principais beneficiários, porque se apropriam dos poderes e do orçamento do Estado, transferindo as decisões dos cidadãos para grupos econômicos e de poder.

Na ausência da política para mediar as relações ou mesmo de regras definidas pelas instituições, prevalece a lei do mais forte. Ou é o entendimento político, ou a barbárie/anarquia, o Estado de Natureza descrito por Hobbes, onde o que existe é a “guerra de todos contra todos”. A desqualificação da política é trágica, porque é por meio dela que são definidas as preferências, as prioridades e escolhidas as pessoas que serão eleitas para implementar a vontade do povo.

Quais os principais obstáculos para essa qualificação?

O principal obstáculo é ausência de formação cívica e política. O desconhecimento de que a essência da política é o ser humano, e que o objetivo final da política é a dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões. É urgente que as escolas, os partidos, a imprensa, os movimentos sociais e as igrejas promovam cursos de formação política e cívica, como única forma de superar essa visão primitiva de negação do diálogo e do entendimento entre forças com visão de mundos distintas.

É preciso compreender que a política, para evitar a barbárie, criou regimes políticos e instituições, como espaço de diálogo e decisão para regular os interesses comuns e arbitrar os conflitos, definiu regras para a escolha, de forma legítima, dos titulares dessas instituições, e, em consequência, transferiu do indivíduo para o Estado, os poderes de legislar, tributar e punir, que passou ao domínio da lei e do direito. É por isso, que todo cidadão, para ser considerado consciente, precisa saber o que são, os que fazem e como funcionam as instituições políticas, afinal são elas que definem as prioridades e as regras para escolhas democráticas dos que serão eleitos para representar a população.

O papel do Estado precisa ser revisto?

Conceitualmente, o Estado é entendido como a nação politicamente organizada, e representa o povo, o território, o Governo, os objetivos nacionais e a soberania. Nessa perspectiva, o Estado é o poder público em sentido amplo, formado por um conjunto de instituições que controlam e administram uma nação, de forma soberana e de modo impessoal, estável e permanente. A missão do Estado, por intermédio do Governo, é executar ações, programas e projetos, com a prerrogativa de limitar a ação dos indivíduos em prol do bem comum e até mesmo fazer emprego da força física para fazer valer suas decisões.

O Estado para exercer suas funções dispõem de três monopólios: o de impor conduta e punir seu descumprimento (o poder coercitivo); o poder de legislar (elaborar e aplicar leis obrigatórias para todos) e o poder de tributar (arrecadar compulsoriamente de toda a sociedade). É o Estado, por meio da política, que faz o atendimento de necessidades básicas, o provimento de bens, serviços e direitos fundamentais, além de definir os princípios e parâmetros do sistema jurídico, assim como o regime, o sistema e a forma de governo de cada país. Seu papel, portanto, é assegurar a paz social, combater as desigualdades regionais e de renda, além de garantir contrato, propriedade e a moeda. A doutrina neoliberal, entretanto, tem limitado o papel do Estado no provimento de bens e serviços, limitando sua presença no combate às desigualdades regionais e renda. E nessa perspectiva, seu papel precisa ser revisto para exercer, em sua plenitude e com efetividade, as cinco macrofunções que lhe cabe:

a) funções políticas, que consistem na definição de direitos e deveres dos cidadãos, assim como a relação entre pessoas e entre estas e as funções políticas, que consistem na definição de direitos e deveres dos cidadãos, assim como a relação entre pessoas e entre estas e as instituições; b) funções executivas, voltadas para a implementação das políticas públicas; c) funções jurisdicionarias, direcionadas à solução de litígios; d) funções fiscalizadoras, destinadas à garantia do cumprimento da ordem jurídica e da regulação estatal; e) funções de defesa da ordem e integridade territorial.

Como o senhor acredita que as instituições estarão no pós-Covid-19?

Antes disto, é preciso registrar o papel das instituições do Estado no enfrentamento à pandemia do Coronavírus, que tem sido determinantes para salvar vidas. Não fosse a existência do Sistema Único de Saúde público, gratuito e universal, certamente o número de mortes seria infinitamente maior. O Estado, por decisão de suas instituições, liberou recursos para socorrer e salvar pessoas, com a ajuda humanitária de R$ 600,00; para salvar empregos, com a ajuda financeira em caso de redução de jornada e redução de salário ou suspensão do contrato de trabalho; e para socorrer estados e municípios, tanto com ajuda financeira no combate ao vírus, quanto na compensação por perda de arrecadação.

O Brasil está passando por uma crise sanitária, política, econômica e social. Os países que estiverem organizados sairão mais rápido das crises econômica e social. No pós-Covid-19, quando já estará superada a crise sanitária, o Brasil precisa superar as crises econômica e social. Os países mais organizados sairão da crise econômica, social e sanitária mais rápido, enquanto os desorganizados e sem estratégia, como o Brasil, irão demorar um pouco mais.

Nossa torcida e desejo, é que também superemos a crise política, criada e alimentanda pelo presidente da República e seus seguidores. Esperamos que no pós-pandemia as instituições já estejam pacificadas e centradas na recuperação da economia e da receita governamental, fortemente afetada pelo isolamento social e a quase paralisa total das atividades econômicas. No pós-pandemia a tendência é que pelo menos dois fenômenos comportamentais aflorem como decorrência desse período de isolamento social:

1) uma aceleração da automação e da digitalização, com o surgimento de grandes inovações, facilitada pelo avanço da inteligência artificial; 2) uma redução do consumo, inclusive com consequência da perda da renda da população.

O primeiro fenômeno poderá ser um salto do país em termos científicos, tecnológico e de inovação, com a redução do emprego. As empresas, nesse período, perceberam que poderiam melhorar sua produtividade, com o uso de tecnologia, e diminuir custos, especialmente com instalações físicas (alugueis e coworking) e reuniões presenciais, mas também com pessoal. Se antes o emprego já vinha sendo substituído pelo trabalho, a partir das plataformas digitais, com a revolução tecnológica em curso a tendência é que haja ampliação dessa nova modalidade de contratação, e até mesmo sem nenhum tipo de contrato formal (pagamento por produção), além da substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto. Isso significará menos empregos e mais gente dependendo da assistência do Estado.

O segundo fenômeno, de redução do consumo, poderá resultar na mudança de comportamento da população nesse período de pandemia, que surpreendida pelo isolamento social sem nenhuma reserva, irá poupar um pouco do que ganhar no futuro, sacrificando parte do consumo. Quando combinamos essas duas tendências, pode-se extrair algumas conclusões que podem afetar negativamente os negócios:

1) redução de consumo; 2) redução de renda; 3) aumento da exclusão social; 4) queda de arrecadação governamental.

Num cenário desses – em que o Governo precisa equilibrar suas contas e será obrigado a adotar um programa de renda básica universal para atender aos vulneráveis – o conflito distributivo tende a se acirrar e o pior que pode acontecer é que a crise econômica seja agravada pela crise política.

Esse confronto entre poderes, atrapalha os freios e contrapesos do poder?

O sistema de freios e contrapesos, próprio da divisão das funções dos poderes, é fundamental porque permite que um poder modere ou controle os excessos do outro. Os poderes Legislativo e Judiciário tem sido mais proativos nos controles dos excessos do Poder Executivo do que o próprio Ministério Público da União, que, em Governos passados, era muito atuante e presente. Atrapalha na medida em que se confunde um papel institucional com disputa política, comprometendo a percepção da sociedade sobre a importância e integridade dessas organizações de fiscalização e controle.

Existem riscos desse sistema de freios e contrapesos se colapsar?

Embora existam tentativas de interferência na autonomia dos órgãos de fiscalização e controle, o sistema de freios e contrapesos têm funcionado. A imprensa também tem cumprido um papel fiscalizador importante, especialmente em defesa da democracia. Mas é fundamental que continuemos atentos, especialmente pelas retaliações que poderão ser feitas por um Governo com perfil autoritário, como o do presidente Bolsonaro. A sociedade não pode afrouxar o acompanhamento, a fiscalização e o controle social, inclusive por intermédio da mídia, sob pena de risco real de colapso.

O estilo confrontador do presidente Bolsonaro, atrapalha na condução do país ou outros fatores pesam mais no momento?

De fato, o estilo contestador e mobilizador do presidente da República tem deixado o país em permanente tensão, o que gera insegurança para os agentes econômicos e sociais. Passada a pandemia, virá o momento mais difícil, representado, de um lado, pela necessidade urgente de saída da crise e início da retomada ou reconstrução economia, e, de outro, pela apresentação da conta da pandemia, cujo pagamento será pesado e duradouro. É um cenário preocupante, porque a saída da crise requer unidade e cooperação.

E o presidente da República faz o contrário. Como diz o Azedo, do CB (Correio Braziliense), Bolsonaro substituiu o “Presidencialismo de Coalizão”, pelo “Presidencialismo de Colisão”. A tendência é que os países organizados saiam da crise mais rápido, enquanto os desorganizados, demorem mais. E o Brasil, além de desorganizado, não dispõe de uma estratégia.

A desorganização e o estilo de confrontação poderão custar caro aos brasileiros. O enfrentamento a esses dois desafios – saída da crise e pagamento da conta da Covid-19 – requer liderança, articulação política e capacidade de diálogo. E não é isto o que está acontecendo. Ao contrário, a população e as instituições estão divididas em relação à postura e ao estilo do Governo do presidente Jair Bolsonaro. Além disto, um Governo disfuncional, como é o caso do Governo Bolsonaro, que prioriza às disputas ao consenso e à cooperação, pode afugentar investidores, que buscam estabilidade e segurança jurídica.

Quem tem medo da implementação do semipresidencialismo?

O semipresidencialismo, como o praticado na França e Portugal, em que as funções de chefe de Estado ficam com o presidente da República, que é eleito diretamente pela população, e as funções de chefe de Governo cabem a um gabinete, liderado por um primeiro-ministro. O Parlamento, tem atualmente menos resistência do que já teve no passado.

A experiência do Governo Bolsonaro, que demonstrou despreparo para o exercício das três funções que o cargo lhe reserva (chefe de Estado, chefe de Governo e líder da Nação), tem feito com que muita gente – na academia, no meio empresarial e no Parlamento – repense o presidencialismo brasileiro, que concentra muitos poderes em uma única pessoa.

O medo de que o Congresso, que suspostamente é mais sensível aos apelos populares, assumisse, por intermédio de um primeiro-ministro por ele aprovado, as funções de chefe de Governo, perdeu consistência. A desconfiança de que o Congresso pudesse ser perdulário e irresponsável fiscalmente, hoje é bem menor do que foi no passado. Além disso, os presidentes da República, que efetivamente governam, também negociam suas propostas com o Poder Legislativo. Logo, a preocupação a resistência ao semipresidencialismo não faz sentido, especialmente após a aprovação das emendas impositivas.

Esse sistema seria benéfico para o Brasil na atual conjuntura em que nossa nação está inserida?

Sim, porque as crises seriam mais fáceis e rapidamente solucionadas, sejam com a derrubada do primeiro-ministro, por voto de censura, seja com a convocação de novas eleições para o Congresso, em caso de impasse. Já no sistema atual, se o presidente da República se recusar a cumprir uma decisão de outro poder não existem alternativas, a não ser o impeachment, que é um processo demorado e doloroso. O mandato fixo do chefe de Governo em tempos de pós-verdade e de intolerância política passou a ser uma temeridade.

É possível governar um país tão complexo como o nosso sem o jogo do toma lá, dá cá?

Historicamente, os Governos utilizaram três recursos de poder para formar sua base de apoio: 1) distribuir cargos, 2) liberar recursos do orçamento público, e 3) negociar o conteúdo da política pública. Todos podem ser legítimos, se observarem critérios republicamos.

É legitimo, por exemplo, que quem ajudou a eleger, também ajude a governar. Ou se o Governo faz uma coalizão para governar, também é legitimo que os partidos que façam parte da base tenham cargos no Governo e opinem sobre as políticas públicas. Entretanto, o que não é correto, nem ético, é a prática de barganha em termos de benefícios individuais ou de grupos, sem critério nem respeito aos princípios republicanos.

No Brasil, infelizmente, o apoio parlamentar dos governos, muitas vezes, é “construído” em bases fisiológicas, em que se troca o voto por recursos e cargos públicos (sem nenhum critério para o uso do dinheiro e para a ocupação desses cargos). Isso, sim, é condenável e dificulta a governabilidade.


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