Trump afaga Lula com a realpolitik
Donald Trump resolveu estender a mão — e não o tweet — ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O gesto, calculado e performático, é menos um ato de cordialidade e mais um aceno de conveniência. Na manhã de segunda-feira (06), os dois líderes conversaram por telefone por cerca de 30 minutos, em tom amistoso. O republicano afirmou depois, em sua rede social, que “os países se darão muito bem juntos”. Lula, sempre propenso ao lirismo diplomático, respondeu com o entusiasmo de quem vê uma janela aberta em meio a um inverno de tarifas e desconfianças. “É uma oportunidade de restaurar as relações amigáveis de 201 anos”, disse.
Nada mais simbólico: o populista americano e o líder trabalhista brasileiro, que em tempos distintos zombaram do establishment, agora trocam afagos diplomáticos embalados por realpolitik. Os dois, a seu modo, descobriram que o pragmatismo é a língua universal dos poderosos.
“Há um traço quase literário nesse encontro à distância. Trump, o bilionário que gosta de se ver como um homem do povo, conversa com Lula, o sindicalista que sonha com o poder global. São dois personagens que compreendem o teatro da política e o exploram com maestria.”
Trump, que costuma transformar conversas telefônicas em eventos midiáticos, usou o diálogo com Lula para reposicionar sua imagem internacional — de isolacionista temperamental a negociador habilidoso. Já Lula, que vem enfrentando uma economia interna anêmica (melhor nos últimos dias) e pressões comerciais crescentes, enxergou na ligação uma chance de aliviar o peso da sobretaxa de 50% imposta aos produtos brasileiros. Não é pouca coisa: trata-se de um gargalo que sufoca setores exportadores e relega o Brasil a um papel de figurante no teatro do comércio global.
A cena toda é de um cinismo elegante. Enquanto Trump promete “se dar muito bem” com Lula, a diplomacia americana continua mantendo restrições e sanções a figuras do entorno petista. Nada que um aperto de mãos e uma sessão de fotos em Kuala Lumpur não possam encobrir.
O charme do pragmatismo (e a ressaca do idealismo)
No fundo, ambos os presidentes sabem o que estão fazendo. Lula tenta retomar o lugar que o Brasil perdeu no jogo das grandes potências durante o período de Jair Bolsonaro — um tempo em que a subserviência ideológica substituiu a diplomacia. Agora, ele busca uma reaproximação que tenha cheiro de independência, mas gosto de dependência econômica. Trump, por outro lado, precisa de um aliado tropical para provar que não é o ogro que pintaram em seus anos de “Make America Great Again”. Uma foto com Lula, o símbolo latino da esquerda conciliadora, é ouro diplomático para um republicano que quer vender pragmatismo ao eleitorado moderado.
Mas o gesto vem com um preço. A tal “restauração das relações amigáveis” é, na verdade, um retorno ao velho jogo de concessões. O Brasil pede: a retirada das sobretaxas e a normalização comercial. Os Estados Unidos oferecem: boas intenções, reuniões bilaterais e promessas vagas. A realpolitik, afinal, não é sobre amizades sinceras, mas sobre negócios viáveis.
E é nesse terreno que Lula parece acreditar que pode dobrar o tabuleiro. Ao designar Marco Rubio — um republicano de linha dura e crítico feroz de governos de esquerda — para negociar com Alckmin, Mauro Vieira e Haddad, Trump sinaliza que o acordo será feito com luvas de aço. É o velho truque da diplomacia americana: dar um sorriso na foto, mas entregar a pauta nas mãos do homem que vai dizer “não” com mais elegância.
Enquanto isso, o Palácio do Planalto pinta a ligação como um triunfo do diálogo e da “boa química” entre os líderes. A palavra química, aliás, cabe bem: trata-se de uma reação de conveniências, catalisada por tarifas e ambições políticas. Ambos precisam parecer generosos, mas o que está em jogo é a economia — não a afinidade.
Há um traço quase literário nesse encontro à distância. Trump, o bilionário que gosta de se ver como um homem do povo, conversa com Lula, o sindicalista que sonha com o poder global. São dois personagens que compreendem o teatro da política e o exploram com maestria. Nenhum deles é ingênuo. Ambos sabem que apertos de mão não apagam a assimetria entre Washington e Brasília.
O convite de Lula para que Trump participe da COP30 em Belém é, no mínimo, uma ironia diplomática. O homem que retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris agora é chamado a discursar sobre sustentabilidade na Amazônia. É o tipo de convite que beira o surreal — mas que, na lógica do realismo político, faz sentido. Mostrar-se aberto, dialogar com os contrários, posar de estadista.
Trump, por sua vez, finge surpresa, elogia o “grande povo brasileiro” e, quem sabe, promete comparecer — desde que o ar-condicionado esteja garantido. Ele joga seu jogo com a precisão de um produtor de reality show: cada gesto é calculado para gerar manchete e capital simbólico.

O telefonema entre Lula e Trump é menos um sinal de reconciliação entre países e mais um reflexo do mundo contemporâneo, em que ideologias se curvam diante dos interesses e onde o pragmatismo virou o idioma oficial da diplomacia.
Lula e Trump, no fim, talvez não se “deem tão bem” quanto sugerem as declarações oficiais. Mas ambos compreenderam a lição fundamental da política internacional: ninguém precisa se amar — basta que se precisem.
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