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Vera Masagão investe no ativismo social

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Em 1968 o Campo Limpo ainda fazia parte da zona rural da cidade de São Paulo, região com diversas fazendas de olaria de produção de telhas e tijolos. Neste cenário, eclodiu um movimento de mulheres voluntárias na sociedade paulistana que se dedicavam à inclusão e ao desenvolvimento da autonomia social e econômica das famílias em situação de pobreza, o Clube de Mães. O movimento deu origem ao Projeto Arrastão. À época, mulheres como Luci Franco Montoro e Laís Ciampolini acolhiam as mulheres da região, boa parte mães solteiras, para falar de temas de orientação familiar, cuidados com os filhos, saúde preventiva e sobre suas vulnerabilidades. Ao mesmo tempo, ensinavam trabalhos manuais que possibilitassem a geração de renda destas mulheres e sua independência econômica. Em 1998, com a nova gestão da presidente Vera Masagão Ribeiro que sempre esteve à frente do seu tempo no voluntariado, a organização iniciou o processo de transição de uma administração familiar para uma mais profissionalizada. Teve a iniciativa de capacitar os colaboradores da área administrativa e pedagógica além de investir na melhoria do equipamento e infraestrutura, a partir da criação de novos espaços: laboratório de informática, brinquedoteca, biblioteca, ateliê de artes, quadra esportiva e outros. A partir do ano 2000 iniciou o atendimento a formação de jovens para o mercado de trabalho, empreendedorismo e geração de renda.

Vera, como se deu o início de sua carreira e de seus ideais?

Minha família sempre esteve envolvida em trabalhos sociais. Sempre consideramos importante dedicar parte da nossa vida para que pudéssemos compartilhar o conhecimento e os recursos que tínhamos para contribuir para que a vida de outras pessoas fosse melhor. Estudei História, me formei e, quando me casei passei a fazer parte do movimento de voluntariado do qual a família do meu marido, Luiz Masagão Ribeiro, fazia e que ajudou a fundar algumas organizações na zona sul de São Paulo. Uma delas o Projeto Arrastão. Lá, no final da década de 60, as voluntárias faziam orientação familiar e cursos de artesanato para mulheres excluídas socialmente, muitas delas mães solteiras. Na época, eu ajudava nas atividades das crianças enquanto as mães estavam em curso. Este momento foi fundamental para que eu pudesse perceber o poder que a informação e a oportunidade tinham para minimizar a pobreza e a exclusão social. Conhecia a vida de cada uma e pude assistir o desenvolvimento da autonomia e do empoderamento daquelas mulheres que através do seu trabalho podiam oferecer condições de vida melhores à sua família e se tornavam mais cuidadosas, zelosas em relação a seus filhos e o quanto tudo isso impactava positivamente na vida das crianças.

Há 25 anos, você preside a ONG Projeto Arrastão. De onde vem essa vontade de ajudar o próximo de uma forma visceral?

Acho que é um constante inconformismo com a desigualdade, de saber que pessoas vivem em condições sub-humanas, sem seus direitos básicos supridos, que lutam diariamente para ter perspectiva de uma vida melhor. É um pensamento sistêmico, uma vez que uma família é acolhida e consegue superar a condição de pobreza ela pode contribuir para que outras, e assim sucessivamente. Então, quanto mais pessoas ajudarmos o próximo mais fortalecido se torna. O ciclo da solidariedade aumenta e ganhamos coletivamente com a redução das desigualdades e conflitos sociais provocados por ela.

Fale um pouco sobre o funcionamento da ONG atualmente.

Hoje o Projeto Arrastão é uma organização de desenvolvimento comunitário que atende cerca de 1000 famílias em sua sede em programas sociais e educacionais. Os programas são divididos por faixa etária e tem como premissas o de desenvolvimento de 3 competências fundamentais: autonomia, análise crítica e coletividade, que se desdobra em diferentes abordagens de acordo com a idade (brincadeiras, leitura, meio ambiente, valores, direitos e deveres, artes, inovação, tecnologia, entre muitos outros). Nossa área social acolhe e acompanha a situação e a história de cada família, entendendo suas necessidades e vulnerabilidades específicas e encaminhando para serviços psicossociais, de saúde e cidadania que contribuam para que solucionem ou minimizem seus problemas. As pedagogias desenvolvidas, testadas e sistematizadas dentro da organização são multiplicadas em outros espaços de acesso livre das populações da periferia como escolas públicas e outras organizações sociais. Desta forma, conseguimos atender mais de 15.000 pessoas em 2016 em nossas mobilizações sociais, nos projetos de Incentivo à Leitura para crianças e adolescentes e de empreendedorismo, inovação social e tecnologia para a juventude.

Quais os pilares que a ONG detinha nos primeiros momentos da sua fundação e que não se perderam nos dias atuais?

Manter-se sempre contemporâneo diante das mudanças da sociedade e trazer esta visão e informações para a população para que sejam mais críticos e autônomos é um desses pilares. Assumir que ao trabalhar o desenvolvimento do núcleo familiar como um todo traz resultados mais eficientes para as crianças e para a comunidade como um todo, pois, ao trabalhar somente um aspecto vulnerável do indivíduo pode contribuir para o seu desenvolvimento, mas dificilmente terá um caráter profundo de transformação. E, ainda, o trabalho voluntário, que é símbolo do engajamento da sociedade em relação à causa, a participação coletiva promovendo a transformação social.

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Como vê o ativismo do povo brasileiro quando precisa ajudar o seu próximo?

O brasileiro é um povo solidário no acolhimento, mas esta solidariedade ainda tem dificuldade de se transformar em doação para causas e trabalhos como o do Projeto Arrastão. A cultura de doação no país ainda precisa ser trabalhada de uma forma mais consistente, até para fortalecer o papel da sociedade civil e seus anseios. O trabalho voluntário já é mais disseminado, mas o comprometimento pessoal constante para as atividades sociais ainda são raras.

Entre as missões da ONG, está transformar a realidade e o meio em que vivem sempre, considerando o espírito coletivo. Com sua experiência, acredita que o coletivismo é saída para os problemas mais graves da nossa sociedade?

A inteligência e a ação coletiva tem um poder transformador, pode potencializar uma boa ideia ou uma boa prática para centenas, ou milhares de pessoas. Quando trabalhamos coletivamente somos empáticos em relação aos problemas do outro e da sociedade como um todo e as soluções podem ser mais eficientes quando pensadas com carinho por mais pessoas. Viver coletivamente é viver com o diferente de mim harmonicamente, respeitando suas características assim como anseio que as minhas sejam respeitadas. Acredito que o nosso modo de viver e nos relacionar são uma das principais chaves para minimizar os problemas de nossa sociedade.

São vários os prêmios da ONG. Qual deles mexeu mais com você pessoalmente, pelo momento pessoal em que vivia?

Recentemente recebemos um prêmio pelo nosso projeto de Incentivo à Leitura “A Descoberta da Língua Escrita” que trabalha a alfabetização e ajuda a reduzir o analfabetismo funcional tão recorrente hoje nas camadas mais pobres do país. O projeto trabalha com crianças do Projeto Arrastão e de escolas públicas da região do Campo Limpo. Num momento de tanta adversidade do país, crise política e financeira, saber que estamos indo no caminho oposto de tudo isso e contribuindo verdadeiramente para a educação das crianças sensibiliza e traz muito orgulho. É o certificado, a certeza de que estamos trabalhando no caminho certo e que vamos resistir até tudo isso passar.

Quais são os maiores desafios quando se preside uma ONG como é a Arrastão?

Manter-se atual diante de uma sociedade tão dinâmica é um dos principais desafios, compreender a mudança das vulnerabilidades sociais para conseguir oferecer serviços e o acolhimento que a população realmente necessita. Além disso, o desafio financeiro para manter todos os serviços funcionando é grande. Hoje, cada vez mais é exigido um maior impacto, a um menor custo, mas quando se trata de formação humana trata-se de um limitante. Assim, cada vez mais, para manter a qualidade do trabalho, precisamos buscar um maior número de apoiadores para um mesmo trabalho.

Um dos temas trabalhados pela ONG é a formação para a vida. Como definiria essa formação?

Formar o indivíduo para que seja autônomo, crítico e participativo em sua comunidade, de forma que possa planejar sua vida, concretizar seus objetivos e ajudar os que estão à sua volta a conseguir o mesmo.

Além da região do Campo Limpo, a ONG tem um norte para seguir avançando em outras regiões de São Paulo?

Nos últimos dois anos através do projeto Arrastart (empreendedorismo social, inovação e tecnologia para jovens) temos levado nossa pedagogia para outros espaços na zona oeste e centro da cidade. Mas ainda assim, temos muito o que fortalecer na nossa região do Campo Limpo que conta com 237 favelas e quase 700 mil pessoas vivendo em alta vulnerabilidade e risco social.

Quais os próximos passos (que você considera fundamentais) para que a ONG Arrastão cresça ainda mais?

Além de continuar multiplicando a pedagogia em outras periferias para que também se empoderem, a organização tem o desafio de diversificar ainda mais suas fontes de recursos para que seja cada vez mais sustentável e possa dar continuidade ao trabalho que já tem quase 50 anos, sempre se revendo, reciclando e caminhando com as necessidades da população.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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