A representatividade no Governo é o primeiro passo para melhorar a criação de políticas públicas e, consequentemente, combater as desigualdades, mas ainda é um objetivo a ser alcançado. Segundo dados do IPEA, embora cerca de 54% da população brasileira seja negra, apenas 37,1% dos profissionais públicos federais negros ocupam posições de liderança. Para mudar esse cenário, o Vetor Brasil criou o Programa Ubuntu, com foco em potencializar lideranças negras que atuam na administração pública. Depois de receber mais de 300 inscrições, a organização lançou uma campanha de financiamento coletivo com o objetivo de ampliar de 30 para 50 o número de vagas ofertadas.
A campanha segue o modelo de matchfunding: a cada valor recebido, o Programa Ubuntu vai receber o dobro do Fundo Alas, que é uma das ações de engajamento da Plataforma Alas, movimento colaborativo de apoio ao desenvolvimento de lideranças negras – e envolvimentos de lideranças brancas – em prol do avanço da justiça racial no Brasil. A meta inicial era garantir R$413 mil, recurso necessário para custear os participantes no Programa Ubuntu tendo suas trajetórias profissionais dentro do Governo potencializadas e o desenvolvimento de uma rede profissional fortalecida para os participantes. Até agora já foram arrecadados 26% da meta e a campanha se encerra no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
“Acreditamos que o Governo é um setor estratégico quando pensamos no desenvolvimento de lideranças negras na sociedade de forma geral. A falta de representatividade da população negra impacta diretamente as políticas públicas que são criadas, porque não suprem as necessidades dos grupos mais marginalizados em nosso país. Neste sentido, quanto mais líderes negros com acesso à oportunidades de capacitação profissioal tivermos no setor público, melhor e mais representativa serão as políticas públicas pensadas, desenhadas e implementadas para os diferentes grupos da sociedade – principalmente o de não brancos”, afirma Lucy Silva, líder do programa de diversidade do Vetor Brasil.
Programa Ubuntu
Os participantes do programa têm suas trajetórias como lideranças impulsionadas, por meio de 100 horas de trilhas formativas e mentorias individualizadas. Ao final do programa, os participantes terão fortalecido competências essenciais para lideranças, consolidando a participação de profissionais negros na tomada de decisão em Governos e transformando sua cultura organizacional por meio da diversidade como referência. O período de inscrições, que aconteceu entre setembro e outubro de 2021, recebeu mais de 300 inscrições de 23 estados e do Distrito Federal. Em 68% das candidaturas, as pessoas se autodeclaram mulheres cis ou transexual.
“Pessoas negras têm dificuldades em alcançar cargos de liderança na gestão pública porque estão vivendo sob uma estrutura que através de diversos mecanismos dificulta o acesso, o desenvolvimento pessoal, profissional e a visibilidade desse grupo historicamente minorizado. Exemplos desses mecanismos são processos de seleção que não contam com atenuadores de vieses inconscientes ou a ausência de medidas afirmativas para impulsionar quem teve menos acesso. Por isso, é muito importante que sejam desenvolvidas iniciativas de combate ao racismo estrutural no setor público, sobretudo nas práticas de gestão de pessoas. É preciso que a gente atraia, inclua e impulsione as pessoas negras, e é neste sentido que o Ubuntu, nosso programa focado em desenvolver lideranças negras que já atuam no Governo, é tão relevante”, analisa Lucy.
Em novembro, o Programa de Diversidade do Vetor Brasil também recebe o Selo Igualdade Racial do município de São Paulo. “Com isso, a organização passa a integrar a rede municipal de diversidade racial no mercado de trabalho. “Certamente, isso contribuirá com a ampliação do nosso repertório e iniciativas e poderá trazer parcerias muito importantes na promoção da igualdade racial”, avalia Lucy.
Igualdade racial
Faltando pouco para o Dia da Consciência Negra, data que marca a importância das discussões de ações concretas para combater o racismo e a desigualdade social no país, é preciso que haja maior participação e inclusão de pessoas negras na formulação de políticas públicas e ocupando espaços de liderança e tomada de decisão, para que possam movimentar o processo de mudança e o combate ao racismo estrutural.
Para Lucy Silvia, falar de visibilidade, nesta perspectiva, não é apenas ter pessoas negras compondo equipes do setor público, mas também criar mecanismos para que elas possam assumir posições de liderança, se desenvolver profissionalmente e, com isso, empoderar a população negra. Segundo o IPEA, os negros representam 5,9% dos diplomatas brasileiros, e em carreiras de gestão (analista de planejamento, orçamento, auditor de finanças, controle, especialista em políticas públicas e gestão governamental) os brancos são 73% e os negros apenas 23,72%.
Homem negro, graduando em Políticas Públicas e atualmente estagiário no Programa Residência em Gestão Pública no Vetor Brasil, Erik Soares teve a oportunidade de passar pelo setor público como estagiário na área de Direitos Humanos. “Tive a sorte de ter um aprendizado muito acelerado com uma trainee e alumni do Vetor, Fernanda Coimbra. Foi muito desafiador conseguir articular pautas transversais, pois o setor onde eu trabalhava dependia muito da cooperação e negociação com o executivo e legislativo, além de outras secretarias”, relembra. “Nas reuniões com secretários, no legislativo e judiciário, as pessoas que tomavam decisões importantes eram todas com o mesmo perfil branco e com uma faixa etária mais avançada. Me sentia um pouco deslocado no espaço de decisão, pois podia contar nos dedos quantas pessoas negras via em um prédio de mais de 1 mil pessoas”.
Apesar de algumas evoluções nas políticas públicas de igualdade racial, como a criação do Estatuto da Igualdade Racial em 2010 e criação da Lei de Cotas em 2012, Erik avalia que ainda faltam políticas efetivas para a inclusão de pessoas negras. Muitas vezes esse assunto simplesmente é ignorado, mesmo quando existem extensas provas de que as equipes precisam de um perfil mais diverso e representativo. Muitos setores dentro do serviço público ainda têm dificuldade em dialogar sobre isso. Penso que o serviço e o setor público perdem muito com esse congelamento em um modelo fixo e fechado em si mesmo”, finaliza.
Mobilização
A campanha de financiamento para o Programa Ubuntu chega para garantir que mais pessoas que atuam no Governo tenham acesso a um programa de treinamento gratuito que oferece as ferramentas necessárias para que alcancem cargos de liderança. Hoje 26% da meta de garantir R$413 mil, já foi arrecadado. Para contribuir, acesse o link
Além da plataforma Alas, que vai triplicar as doações obtidas, a iniciativa conta com as com a parceria das seguintes instituições: Fundação Getulio Vargas, GOYN, Imaginable Futures, Insper, Instituto Ibirapitanga, Instituto Singularidades, Open Society, Porticus América Latina e Vetor Brasil. A plataforma de financiamento coletivo tem parceria com a Benfeitoria.
Sobre o Vetor Brasil:
O Vetor Brasil é uma organização da sociedade civil (OSC) suprapartidária e sem fins lucrativos. Atuam na atração, pré-seleção e desenvolvimento de profissionais para atuar no setor público. Com isso, buscam contribuir para a efetividade da gestão pública, a fim de sempre potencializar a ação e o impacto do Governo.
*Com participação da jornalista Jéssica Amaral.
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