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Viviane Mosé fala sobre os caminhos da felicidade

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Viviane Mosé é poetisa, filósofa, psicóloga, psicanalista e especialista em elaboração e implementação de políticas públicas. Mestre e doutora em filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou sua tese de doutorado “Nietzsche e a Grande Política da Linguagem” em 2005 pela editora Civilização Brasileira. Escreveu e apresentou, em 2005 e 2006, o quadro Ser ou não ser, no Fantástico, onde trazia temas de filosofia para uma linguagem cotidiana. Participou como comentarista do programa “Liberdade de Expressão”, na rádio CBN, com Carlos Heitor Cony e Artur Xexéo. Tem diversos livros de poesia, filosofia e psicanálise publicados. Hoje é sócia e diretora de conteúdo da Usina Pensamento. Viviane Mosé é uma das palestrantes mais requisitadas do país. Fala sobre educação, cultura, sociedade, sempre tendo em vista os desafios do contemporâneo. Com grande capacidade analítica, faz diagnósticos, analisa cenários, propõe formatos, nos seguintes temas: educação, filosofia, psicologia, gestão empresarial, gestão pública, governança, ética, cultura, sustentabilidade, diversidade e recursos humanos. Falando sempre de improviso, articula seu vasto conteúdo com a vida diária, sempre ilustrada com exemplos simples e divertidos, mas sempre muito precisos e pertinentes. Também é colaboradora fixa do programa “Encontro com Fátima Bernardes”.

Viviane, quais temas têm trazido grande ansiedade para a nossa sociedade contemporânea?

O maior tema hoje, eu penso, o mais urgente, é a exaustão humana, além da exaustão ambiental, social, econômica… Depressão, suicídio, automutilação, o uso excessivo de medicações psiquiátricas, cada vez mais atinge jovens e crianças, independente da classe social. Os dados são alarmantes. A vida é o que causa mais ansiedade hoje; cada vez mais, nos tornamos estranhos em nosso próprio corpo, desconhecemos as variações dos nossos humores, por fim, nos tememos. A própria vida se tornou um fardo, o ato simples de viver. A modernidade nos prometeu facilidades e a tecnologia ampliou em muito a oferta, terminamos por terceirizar a vida, por entregá-la a profissionais competentes, ou nem tanto, ou a máquinas, ou a influencers digitais, que possam fazer por nós aquilo que já nos sentimos incompetentes para fazer, viver. Este é o tema, a questão.

Acredita que estamos vivendo no século das incertezas?

Sim, a incerteza que decorre da multiplicação das verdades, dos infinitos fragmentos de verdade que ganham corpo formando bolhas, em um movimento que lembra o feudalismo, territórios que se organizam afastados de qualquer tipo de centro ordenador. Sem as grandes verdades, vivemos um tipo de feudalismo virtual, as pessoas se organizam em grupos, por interesses, em função da desintegração de tudo ao redor: o meio ambiente, a política, as igrejas, as instituições, os gêneros, os modelos, os valores, a materialidade das coisas, tudo desaba, se fragmenta, se dissolve, então todos buscam se agregar, se apegar a algo, e agarram uma verdade quando pensam que encontraram alguma. E isso gera ódio, intolerância, mas, no fundo, todos ou quase todos sentem medo, agridem porque se sentem perdidos. Mais do que a época das incertezas, vivemos a época da pós-verdade. Já vivemos a época das grandes verdades, dos grandes sistemas de pensamento que por fim desabaram, agora sobram restos de sonho sobre nossas cabeças, do sonho de felicidade que a modernidade com os seus produtos incríveis nos prometeu.

O ser humano se tornou escravo daquilo que você intitula como “ditadura da felicidade?”.

A felicidade é um tipo de modelo, ou um tipo de produto que deve ser adquirido a qualquer custo. Mas mais do que isso, a ideia em si de felicidade, mesmo que uma pessoa nunca tenha pensado sobre isso, sempre foi o lastro, a sustentação do consumo. Tem sempre uma oferta subliminar de paraíso contida em cada apelo publicitário, e, porque acredito na felicidade, neste estado perfeito, pleno, ou seja lá o que for, eu me identifico com o produto e compro, porque preciso conseguir isso que eu não sei muito bem o quê. A ideia de felicidade é, enfim, herdeira da ideia de paraíso celeste: não espere o paraíso, diz a época da pós-bíblia, adquira-o agora, em mil vezes sem juros. Isso tudo gera não apenas consumo, mas decepção, frustração, dor. Uma eterna fome que não sacia, porque é movida por modelos, na tentativa de agradar a alguém que quer agradar alguém. Sem a ideia de felicidade a vida pode ser mais interessante, porque sem os projetos ideais de vida, sem os modelos de mundo a vida imediata começa a se tornar interessante, um café em pé no balcão de uma esquina, um vento frio no rosto, o outono que chega, podem ser bastante intensos, alegres, assim como tudo, andar, cozinhar, dormir, amar, perder, sofrer, novamente amar.

A “ditadura da felicidade” pode se transformar em “democracia da felicidade” em algum momento de nossas vidas?

A vida é a única coisa que temos, um dia nascemos e em algum dia vamos morrer, a busca por si mesmo, por aquilo que em nós de fato importa, nos traz imensa alegria porque ao descobrir o que nos alimenta ganhamos singularidade, direção, foco. A grande razão da vida, eu penso, é viver, é aprender a viver, é se sofisticar no gesto de viver, é fazer uma parceria com a vida, com a nossa vida, e jogar com ela um frescobol, que é um jogo onde os dois jogadores, buscam tirar do outro aquilo que ele tem de melhor. O frescobol não por acaso é um jogo inventado no Brasil, no Rio de janeiro.

Em que porcentagem a internet e as redes sociais contribuem para essa ditadura?

A internet é uma excelente ferramenta, as redes sociais são formatos, portanto, provisórios, que tendem a ir se transformando, se proliferando, eles não são responsáveis por nada além de nos permitir acessar modelos complexos. Antes trabalhávamos com a linha, a linha de telefone, em que um fala enquanto outro ouve, mas também a linha de raciocínio, que exclui, opõe. As redes nos trouxeram os campos de força, a pluralidade, a multiplicidade, a multidão conectada em tempo real, isso era algo absolutamente impensável há cinquenta anos. Esta explosão de possibilidades e modelos rompeu com as antigas estruturas que hoje desabam. A ditadura da felicidade se converteu em depressão, suicídio, automutilação. O suicídio de crianças cresceu 40% no Brasil nos últimos. 10 anos segundo o mapa da violência de 2017. E é a segunda razão de morte de jovens em quase todo o mundo. Zumbis entediados, algo entre a vida e a morte, morto-vivos é como se representam os adolescentes. Nos tornamos uma caricatura de nós mesmos.

Que papel a escola desempenhará neste contexto?

A escola é parte do mundo, é mundo, civilização, sociedade e não uma entidade abstrata capaz de resolver as mazelas do mundo. A educação não faz milagres, temos que parar de atribuir à escola este papel de salvador da pátria, porque isto, esta excessiva expectativa, tem contribuído para tornar a escola insuportável para os alunos. Todos têm que exercer seu papel cidadão hoje, agora, e parar de investir nas gerações futuras, primeiro porque fazemos isso faz séculos e não deu certo. E segundo porque é um modo de se eximir do problema, a bola é sempre lançada adiante. Fora isso, sim, a escola tem um papel fundamental hoje, especialmente na formação humana, social, existencial, como um espaço de vida, de alegria, que estimule a vontade de viver e transformar aquilo que nos incomoda, em nós mesmos e no mundo. A formação intelectual, profissional, acadêmica cada vez mais só se torna possível quando estes aspectos relativos à vida são considerados.

Quais os grandes desafios dos educadores daqui para frente?

Aprender a ouvir. Nós professores que estudamos para falar, ensinar, temos que aprender a considerar o outro no processo de aprendizagem, que deixou de ser via única para ser um jogo, uma parceria. E isso exige menos aulas expositivas e mais grupos de trabalho, menos administração de conteúdos e mais o desenvolvimento de competências e habilidades. Mais ação, menos passividade. O aluno precisa aprender autonomia e responsabilidade. Ouvir os alunos não quer dizer atendê-los, mas sempre considerá-los, o que exige saber quem são: quem são estas pessoas que estarão comigo durante este tempo, de onde elas vêm e o que buscam. É preciso respeitá-las!

Como florescem os líderes neste ambiente que muitas vezes é caótico?

A liderança gosta de épocas de conflito como os nossos, a liderança responde à demanda. Teremos grandes líderes no mundo, que, creio, ainda sofrerá grandes processos de desintegração até que uma nova ordem prevaleça, esta que já se desenha diante de nós, a sociedade em rede.

Você já disse em uma certa oportunidade que a sociedade estava cansada. Esse cansaço é um ato contínuo ou em algum momento isso pode cessar?

Não se trata de cansaço, mas de exaustão, estamos no limite do possível, tudo desaba. Trato estes temas no meu novo livro “Nietzsche Hoje” – sobre os desafios da vida contemporânea. Temos um prédio que desaba e outro que nasce, os dois são muito parecidos, meu papel é tentar distinguir estas coisas, de modo que a gente possa minimamente distinguir uma coisa da outra e não jogar a criança junto com a água do banho como insistentemente temos feito no Brasil nestes últimos anos, mas também no mundo.

A impunidade é o grande fomentador da corrupção em nosso país?

Sem dúvida, e ela se acirrou nos crimes cometidos pelo Estado durante o Regime Militar. Mas que se sustentou no senhor de engenho, no coronelismo, na autoridade armada que pode tudo, que terminou por gerar fenômenos como as atuais milícias. Hoje o que se chama luta contra a corrupção, contra o crime, em seus diversos níveis, é parte do processo, veio para manter e não para eliminar o atual estado de coisas. Mas ainda é cedo para dizer isso. Vamos precisar adquirir uma inteligência mais complexa, mais sofisticada, menos polarizada para viver neste nosso mundo. São muitos lados em luta, muitos interesses, muitas possibilidades de interpretação para um mesmo fenômeno, muitas perspectivas.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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