A confiança na Polícia Militar (PM) brasileira tem sido um tema de intenso debate nos últimos anos. Em meio a casos de abuso de autoridade, violência desproporcional e a incapacidade de lidar com situações delicadas sem causar tragédias, a instituição enfrenta uma crise de legitimidade que abala sua relação com a sociedade. Os recentes acontecimentos em São Paulo, envolvendo episódios chocantes de brutalidade e despreparo, apenas reforçam a necessidade de discutir o papel e a responsabilidade da PM no Brasil.
Em um período de apenas um mês, São Paulo testemunhou eventos que desnudaram as fragilidades estruturais e éticas da corporação. Entre eles, a morte de um menino de 4 anos vítima de uma bala perdida durante um confronto policial, o assassinato de um jovem negro alvejado com 11 tiros pelas costas por um PM de folga, e a brutal agressão a uma família dentro de sua residência. Esses casos expõem não apenas a falta de preparo técnico e psicológico dos agentes, mas também uma cultura que, muitas vezes, parece tolerar excessos.
Dados recentes mostram um aumento alarmante das mortes cometidas por policiais militares em São Paulo. Sob o governo de Tarcísio de Freitas, esse índice quase dobrou em dois anos, evidenciando uma gestão de segurança pública que prioriza o enfrentamento bélico em detrimento de estratégias mais humanas e eficazes. A ligação ideológica entre o governador e o ex-presidente Jair Bolsonaro reforça a visão de que a força e a repressão são os principais instrumentos para a manutenção da ordem, uma lógica que tem gerado mais violência do que segurança.
Esses problemas, entretanto, não se restringem ao estado paulista. No Brasil, a Polícia Militar, criada durante a ditadura militar com objetivos de controle social, segue operando sob uma lógica de combate ao “inimigo interno”. Essa mentalidade, profundamente enraizada, afeta a relação entre a PM e comunidades vulneráveis, frequentemente tratadas como territórios hostis. O resultado é um ciclo de desconfiança, medo e violência que perpetua desigualdades sociais e dificulta avanços no campo da segurança pública.
As estatísticas referentes à atuação da PM são assustadoras. No estado de São Paulo, o número de mortes por intervenção policial saltou de 355, em 2022, para 702, em 2024, sob o comando do capitão da reserva Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública. Este aumento de 98% reflete uma política de enfrentamento que parece priorizar a eliminação de suspeitos em vez de medidas de prevenção ou apuração dos crimes.
O cenário é agravado pela falta de accountability. Apesar de muitos casos resultarem em afastamentos ou prisões de policiais, uma parcela significativa dos processos administrativos ou judiciais termina sem punição efetiva. Essa impunidade alimenta um ciclo de abusos, reforçando uma cultura organizacional que valoriza o “uso da força” acima de qualquer outra abordagem.
A gestão do governador Tarcísio de Freitas tem aprofundado a politização da Polícia Militar em São Paulo. Apadrinhado político de Jair Bolsonaro, Tarcísio promove uma visão de segurança pública alinhada com o discurso militarista do ex-presidente. Essa perspectiva, que enaltece o papel repressivo da polícia, tem sido associada ao aumento da violência policial.
Bolsonaro, ao longo de seu mandato, sempre defendeu o armamento da população e um maior poder de ação para os policiais. Esse discurso, replicado por Tarcísio, molda uma PM que atua como uma força de ocupação, especialmente em áreas pobres e periféricas. Para muitos, essa lógica aprofunda a desigualdade e compromete a segurança de comunidades vulneráveis, que enfrentam o duplo desafio da violência estatal e do crime organizado.
Os recentes casos em São Paulo revelam um padrão de comportamento que vai além de atos isolados. A morte do menino Ryan, de apenas 4 anos, durante um confronto policial, exemplifica a incapacidade da corporação de operar em áreas densamente povoadas sem causar danos colaterais graves.
Outros episódios, como o assassinato de Gabriel Renan da Silva Soares e a agressão à família no Jardim Regina Alice, escancaram o desprezo pela vida humana. Em ambos os casos, os policiais envolvidos agiram de maneira brutal, violando protocolos e desrespeitando direitos básicos. O caso de Luan Felipe Alves Pereira, flagrado arremessando um homem de uma ponte, é outro exemplo de como o despreparo pode se transformar em barbaridade.
A militarização da polícia é apontada por especialistas como uma das principais causas dos problemas enfrentados pela corporação. O modelo, herdado da ditadura militar, enfatiza hierarquia rígida, obediência cega e uso da força, muitas vezes em detrimento de práticas comunitárias ou preventivas.
Além disso, a separação entre Polícia Militar (responsável pelo policiamento ostensivo) e Polícia Civil (encarregada das investigações) dificulta a resolução de crimes e fragmenta as responsabilidades, criando um sistema ineficiente e desconectado. Países com índices de segurança melhores tendem a adotar forças unificadas, com treinamento focado na proteção de cidadãos, não no combate.
A atuação da PM em São Paulo e em outras partes do Brasil levanta a questão: a quem a polícia realmente serve? A visão predominante é que a corporação se dedica mais à proteção de elites econômicas e políticas do que à segurança da população geral.
Bairros nobres frequentemente recebem um policiamento ostensivo que contrasta com o abandono das periferias, onde a polícia aparece apenas em operações truculentas. Essa desigualdade no tratamento alimenta uma percepção de que a PM é uma força de repressão social, e não um instrumento de proteção.
A pressão da sociedade civil e o papel da mídia têm sido fundamentais para expor os abusos da Polícia Militar. Imagens de câmeras corporais e gravações de celulares têm se tornado armas poderosas contra a impunidade, permitindo que casos antes invisíveis cheguem ao conhecimento público.
Por outro lado, há uma crescente tentativa de setores conservadores de deslegitimar denúncias, rotulando-as como “ataques à polícia” ou “ideologia esquerdista”. Esse discurso procura blindar a corporação contra críticas, dificultando reformas necessárias e perpetuando a violência estrutural.
Diante de tantas crises e violações, cresce o debate sobre o futuro da Polícia Militar no Brasil. Alguns defendem reformas profundas, incluindo a desmilitarização e a integração com outras forças de segurança. Outros, mais radicais, propõem a extinção da corporação, substituindo-a por um modelo civil e comunitário.
Ambas as opções exigem vontade política e um engajamento real do Governo Federal e estadual. Sem mudanças estruturais, a PM continuará sendo uma instituição que inspira mais medo do que confiança, perpetuando um ciclo de violência que penaliza os mais vulneráveis.
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