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Xico Chaves afirma que a arte é social por natureza

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Xico Chaves trabalha com diversas linguagens artísticas desde quando iniciou sua trajetória. Participou de diversos movimentos experimentais nos campos das linguagens de artes visuais e poéticas e, a partir dos anos 1970/80, consolidou seu projeto de pintura com minerais e pigmentos naturais. Realizou diversas exposições individuais e coletivas no país e no exterior com seu trabalho de artes visuais, poema visual, sonoro e poema-objeto, criando, ainda, obras musicais como letrista, intervenções artísticas, performances, TV e vídeo, poemas digitais, fotopoemas e diversas proposições no campo da arte contemporânea. Em coletivas, expôs ao lado de Amilcar de Castro, Lygia Pape, Rubem Valentim e Jorge Guinle, dentre outros artistas. Atualmente é diretor do Centro de Artes Visuais da Funarte/MinC e integra o Conselho da Fundação Oscar Niemeyer (RJ). Xico Chaves agora tem suas obras representadas pela Galeria Movimento Arte Contemporânea. É a primeira vez que isso acontece desde 1989, quando o artista foi representado pelo marchand Paulo Klabin. Para celebrar a ocasião, a Galeria Movimento inaugurou a mostra “Solotransição”, com trabalhos recentes e referenciais de sua trajetória, incluindo poemas visuais da década de 1970 até o momento. Com curadoria de Fernando Cocchiarale e Laís Denise Santana, a exposição fica em cartaz até 30 de setembro.

Xico, a arte deve ter um papel social?

A arte é social por origem e natureza. Fazemos parte de coletividades onde nossa individualidade se manifesta com singularidade. Dá sua contribuição por meio da liberdade de expressão. A arte procura refletir a própria existência e criar o inexistente. A arte é sempre propositiva, crítica e midiática quando é narrativa ou semântica, quando permite diversas interpretações. Possui a potencialidade livre para intervir e propor mudanças na sociedade em um processo de inclusão absoluta de todos e de tudo. Não é excludente. Vai além da política e da ciência convencionais.

Quando a arte plástica torna-se poética?

As artes visuais não são mais visuais, mas sensoriais e incluem hoje todas as possibilidades de expressão artística, ideológica e poética. Imagem e escrita são parte do mesmo corpo e assim a relação é uníssona se vista como um sistema diversificado de construções e leituras simultâneas. No poema escrito, crio imagens e, na imagem, crio escritas. Em uma sequência de imagens conforma-se um alfabeto que tende ao infinito, o mesmo ocorre com a palavra escrita, seja ela em forma de poemas convencionais (como os sonatos/sonetos imperfeitos), construtivistas ou modernistas, signográficos, gráficos, poema-processo ou poema visual, poema-objeto, cordel, radiopoema, ou uma palavra só, ou fotopoema, videopoema, pintura com minerais sobre qualquer suporte, poemafóssil, improvisos, poemainvisível, performances, intervenções, pinturas, instalações, transpoemas, poema sonoro ou sistema de signos associados, uns riscados no chão, outros que desaparecem na água, no ar ou no fogo. Formam uma galáxia em movimento, sem centro, às vezes narrativa, umas óbvias e outras incompreensíveis antipoemas. Uma coisa é certa: são registros de memórias que correspondem ao que vivencio ou imagino no percurso. Vou transcrever aqui um trecho de texto que venho costurando e desfibrando desde 2004, que fala sobre isto e que também não se completa por não haver um ponto final.

“Toda palavra inclui a imagem. Mas a imagem não é tudo. Nem em tudo há palavra. O que será do mundo sem imagem? Toda palavra tem um som? O que será o som ao surdo? A palavra é tato ou som ao cego e ao mudo. Do olfato da palavra não duvido. A palavra tem ouvido. A imagem na palavra tem multíplice vertigem. Como a voz ressoa retida e solta no signo. A retina lê outros sentidos que a palavra-imagem anima. A poética não está só na palavra. O poema processo dela é livre. Mas o concreto nela se ramifica. O poema-imagem está na vida que o olhar decifra. O olhar que a sensibilidade ativa. No barulho e no silêncio o poema vinga como a erva medra na pedra e o poro respira na epiderme. Não tem fim o desenlace deste ciclo. Origem e gênese simultâneas.

Entre a palavra e a imagem não há uma linha limítrofe que a semiótica decodifique. Uma imagem não fala por mil palavras e o inverso também é verossímil. Nada disso se define com palavras ou imagens. O poema imágico não tem limites. O poema-objeto é mais que intersigno. É também o que se associa, o que para o poeta é um vício (vasculhar o infinito de uma galáxia de detritos para desconstruir sentidos ao prosseguir em seu ofício).”

A literatura tem o mesmo papel de destaque que outras formas de expressão. Tenho diversas publicações em andamento, no entanto, ainda não encontrei o veículo para isso. Talvez via ferramentas digitais, onde posso reformular o que quiser, mesmo depois de publicado. O pensamento e a criação não são estáticos e definitivos. O livro, editado convencionalmente, sempre permite uma reedição. O livro virtual pode ser reescrito permanentemente. Mas ainda estamos utilizando programas de difícil operacionalidade e o tempo da criação é maior e mais complexo que o tempo da produção.

O que você encontra nas artes plásticas que não encontraria em nenhuma outra forma de manifestação artística?

As artes visuais contemporâneas, devido à sua natureza inclusiva, incorporam expressões de outros campos de manifestação artística. Reinterpretam as artes cênicas e audiovisuais à sua maneira assim como a sonoridade. Habitam o território da livre-expressão. Assim, consideram as outras formas de manifestação artística como parte de seu campo de radiação. No entanto, tem se mostrado mais aberta ao que consideramos experimentação. Mas a experiência para as artes visuais não existe. Uma obra quando é materializada já é a experiência realizada. Pode até ser desconstruída, mas permanece com seus significados originais intrínsecos. Talvez a diferença entre as outras artes hoje seja esta extrema liberdade de expressão e de incorporação de tudo que as artes visuais adquiriram, inclusive das questões políticas, filosóficas e científicas.

Glauber Rocha dizia que a função do artista é violentar. Concorda com essa visão?

Claro que Glauber disse isto em um contexto determinado. Em um momento em que a radicalidade era mais necessária, quando a censura e a Ditadura Militar restringiam ao extremo a liberdade de expressão. Assim ele teve a ousadia de arriscar sua obra em sucessivas rupturas com o convencionalismo e o controle da liberdade de expressão. Teve coragem para isto. Mas conseguimos, por meio de mobilizações e lutas autônomas, vencer parte destas restrições autoritárias. Existem outras censuras, é claro, mas podemos hoje, por meio da arte e da convivência democrática, expressar nossas ideias com liberdade da forma que desejamos. Ainda vivemos uma cultura oficial e empresarial retrógrada e o papel da arte é romper gradativamente com isto. Às vezes de forma até mais radical. Mas Glauber, assim como Hélio Oiticica, foi pioneiro. Eles pagaram um preço por isto. Mas vencemos juntos. Devemos muito a eles.

Falta subversão no mundo das artes na atualidade se compararmos com outrora?

Se atualizarmos o que significou “subversão” em um determinado momento histórico, creio que hoje somos muito mais subversivos, principalmente no campo das artes visuais. Há muitas formas de expressão e manifestação radicais sendo praticadas. Há um questionamento permanente dos modelos convencionais e reacionários (que se manifestam até de forma violenta contra as transformações sociais e comportamentais). Mas as artes não estão recuando e se intimidando. Os artistas têm formado um polo de resistência à retroação muito expressivo. Acontece que a mídia, sob controle de grupos políticos, falsos moralistas, hipócritas, desinformados, autoritários, etc, não difundem a maior parte do que está sendo produzido. A internet ainda não despertou o interesse da sociedade para acompanhar este processo de livre expressão que está acontecendo, que é altamente libertário. Mas é irreversível. Acontecerá de qualquer forma. As linguagens modernistas não arrepiaram o convencionalismo no fim do séc. XIX e início do séc. XX? Hoje já não são novidade alguma. O mesmo acontecerá com a Arte Contemporânea, que é inclusiva de todas as expressões e estão levando adiante formas de expressão mais livres e complexas. As artes visuais são múltiplas e se expandem em todos os sentidos em uma grande velocidade. Um big-bang.

Quando foi que você perdeu o medo de correr riscos e ganhou total intimidade com sua linguagem?

Talvez por ter nascido em estado de risco nunca tive medo de correr o risco. Isto quanto à linguagem artística. Tive medo sim em alguns momentos de perseguição político-ideológica durante a Ditadura Militar. Mas na adolescência e juventude o risco é um prazer. Você se sente autônomo, adquire resistência quando vence uma batalha. Reconstitui as forças e volta mais “perigoso”. Isto me serviu como referência em minha formação e mantenho este comportamento até hoje. Talvez até mais potencializado e múltiplo podendo dialogar mais claramente com as diferenças. Estas linguagens simultâneas sempre existiram. Não me lembro de ter tido medo de ocupar uma parede, uma tela, um papel, o asfalto, um objeto ou qualquer suporte, ou espaço de expressão. A linguagem e a vida sempre estiveram no mesmo campo de ação. Ao incorporar o que está em volta e o que percebo existir no espaço infinito, me sinto parte de tudo. Não somos feitos da mesma matéria que compõe o universo? Não existiremos para sempre? Fico à vontade. O que imagino existe em qualquer parte do universo. Não existe limite. O limite é infinito e eterno.

Fale um pouco sobre o seu trabalho como diretor do Centro de Artes Visuais da Funarte/MinC.

É uma longa história, mas vou tentar resumir. Para mim tem sido mais um trabalho de criação voltado para o coletivo. Fui o primeiro diretor do Centro de Artes Visuais, criado quando da implantação da nova estrutura da Funarte, refundada em 2003 assim como os outros Centros (Música, Artes Cênicas e Programas Integrados). Sua concepção parte de debates e proposições que já estavam ocorrendo no meio artístico, dos quais participei ativamente, dentre eles as reuniões do grupo Artes Visuais/Políticas. Participavam destes encontros artistas, curadores, críticos, produtores e demais profissionais. Portanto, quando se pensou em uma retomada das ações no campo das artes visuais, organizamos, com apoio da Funarte, o Seminário Arte/Estado (publicado em livro posteriormente) com a participação destes profissionais e artistas, com posicionamentos diversos, provenientes de diversas regiões do país. Quando foi formalizado e instituído o Centro de Artes Visuais, do qual fui nomeado diretor, foram criados projetos abrangentes que pudessem atualizar a atuação das Artes Visuais na Funarte ao longo de sua história.

Apresentei diversos projetos de alcance nacional com modelos que possibilitassem agilidade em sua execução, de forma a atender em pouco tempo a enorme diversidade do campo e sua expansão permanente e incorporação de linguagens que se consolidavam e conquistavam definitivamente diversos territórios de expressão além das linguagens convencionais anteriores. Falar sobre este processo exige maior detalhamento por constituir uma história pensada para que houvesse uma permanente atualização deste campo, inclusive com a absorção das novas tecnologias digitais.

Embora fossem disponibilizados poucos recursos para a dimensão atualizada do aparentemente complexo campo das artes visuais no séc. XXI, foram concebidos e implementados os seguintes programas referenciais: Rede Nacional Artes Visuais, Programa e edital de ocupação das galerias da Funarte (Rio, SP, DF), Edital Conexão Artes Visuais MinC Funarte Petrobras, programa Editorial Artes Visuais (com as coleções Pensamento Crítico, Fala de Artista e Reedições), Prêmio Marcantonio Vilaça de Artes Plásticas e programas de participação internacional, apoios a projetos especiais com demandas do MinC e programas de mapeamento atualizado da arte contemporânea em todo o território nacional. Estes projetos integravam ações em todos os campos das artes visuais, incluindo oficinas, pesquisas, palestras, documentação em foto e vídeo, catálogos, intervenções, eventos diversos regionais e locais dentre eles circulação, intercâmbio, residências e muitos outros desdobramentos.

Estes projetos e programas referenciais (muitos deles mantidos até hoje) se desdobraram ao longo das diversas orientações posteriores por meio de editais e, recentemente, curadorias especiais, emendas parlamentares e outras ações, tais como: bolsa crítica de Produção em Artes Visuais, Edital Marc Ferrez de Fotografia (recriado), Programas Procultura (Bibliotecas Básicas de Artes Visuais, Periódicos e Revistas Sobre Artes Visuais, Pesquisa, Mapeamento e Documentação de Acervos, Arquivos e Legados da Obra de Artistas Brasileiros Falecidos), Programa Desafios Contemporâneos-Oficinas de Artes Visuais). Foram incluídos nestes períodos os projetos de ocupação, via edital, das galerias da Representação Funarte de Belo Horizonte e Recife. Dentre as inúmeras exposições nacionais e internacionais, por meio de convênios, repasses e ações diretas curatoriais, o Centro de Artes Visuais realizou Exposição “O Museu é O Mundo” de Hélio Oiticica (no Brasil e exterior), as Bienais de Arquitetura e Artes Plásticas de Veneza, Ano Brasil França, Ano Brasil Portugal, Feira Internacional de Literatura de Frankfurt, as exposições Bola na Rede e outras para a Copa das Confederações e Olimpíadas, Exposição Ponto Transição, dentre outras.

Todos estes programas lembrados acima, a partir de 2004, resultaram em centenas de publicações de catálogos e livros, DVDs, sites (editados) e documentações fotográficas e vídeo não editados ainda, formando um acervo referencial e histórico essencial para a história da arte contemporânea. Estas informações formam a memória das artes visuais brasileiras enviadas para catalogação e disponibilização pública junto ao Centro de Programas Integrados da Funarte.

Como não se perder na ideia central de um trabalho quando se trabalha em diversas mídias simultaneamente como é o seu caso?

Existe uma simultaneidade em meu processo criativo. Nunca tive um olhar especial para uma única linguagem. No entanto, há duas vertentes que considero básicas: as artes visuais e a poesia. As duas desdobram-se numa série de outras, como a música, o carnaval, a fotografia, a pesquisa científica e estética, as artes cênicas (onde também atuei), o rádio, a TV e as ferramentas digitais, como sistemas e meios de expressão e comunicação e ainda na formulação de projetos institucionais. Todas estas práticas acontecem simultaneamente, ao ponto de poder estar realizando duas, três, quatro coisas ao mesmo tempo. Acredito que a criação artística seja uma atividade em tempo integral que incorpora tudo ao mesmo tempo junto à reflexão e ação em um universo sem fronteiras, em expansão e contração, onde as referências se transmutam permanentemente sem provocar qualquer desconforto. À medida que vou incorporando o imaginário e o real me sinto seguro ao transitar por diversos territórios, os que existem e nos que não existem, porque a arte nos permite criar o inexistente (pode existir mesmo antes de sua própria gênese). Não há, portanto, experimentação, pesquisa talvez, pois ao correr o risco de realizar a obra deve-se estar seguro do que criou, mesmo sabendo que não há obra acabada. O artista tem o poder de modificar sua obra quando quiser. Este processo faz parte de sua natureza, onde a liberdade de expressão conduz a forma de expressão. Falar sobre isto pressupõe ainda reformular estes conceitos quando se quiser. Esta liberdade constitui a essência do processo criativo.

Minha presença e participação poética e artística durante todos estes anos foi sempre demarcada por este procedimento onde ocasionalmente confluíam para um mesmo objetivo e, em outros, se colidiam, por questões de linguagem, comportamento, conflitos ideológicos e estéticos, incompatibilidade de metodologias e uma série de contradições próprias de quem tem como objetivo o desdobramento da Arte Contemporânea. Há uma densidade concentrada potencialmente nesta trajetória que tenho exercido, até mesmo para compreender o impulso natural que exaure o tempo disponível e se estabelece em um campo de simultaneidades. No entanto, o acúmulo de ações e reflexões já vai fazendo parte de minha forma de expressão, onde a simultaneidade se converte em instantaneidade ou na própria vida mesmo.

Quais os paralelos que faz das suas letras musicais com os seus trabalhos nas artes plásticas?

Como disse, não existe paralelismo, mas simultaneidade. As letras de música, os poemas, e outras linguagens surgem espontaneamente quando estou pintando, ou em qualquer lugar. Quanto às letras e poemas, podem surgir durante o trabalho de pintura ou mesmo dentro do metrô, ou fazendo compras no supermercado. Podem ser improvisos. Muitas criações se perdem, mas o que consigo memorizar se encaixa nas músicas que algum parceiro me enviou ou um poema escrito se encaixa posteriormente em uma melodia. Tenho muitos caderninhos, guardanapos, papéis de mesa de restaurante que me servem para isto. As temáticas são incorporadas pela melodia e sonoridade. Não sei de onde vêm, mas chegam no lugar certo e às vezes nada têm a ver com o que estou fazendo em artes visuais. As fotografias e fotopoemas acontecem por associação, ou por acaso, em meu caminho quando estou com uma câmera.

Como conciliar método e experimentalismo em um trabalho artístico?

O que consideram experimentalismo para mim, é pesquisa. Com matérias, materiais e suportes. Não existe uma conciliação entre trabalho e experiência. Existem ao mesmo tempo. Como conheço bem o comportamento dos elementos que utilizo, a criação e a matéria estão juntos, assim como as ideias, concepções e a realização de séries de obras quando encontro uma linguagem que me interessa desenvolver. O trabalho de pesquisa e racionalidade científica e conceitual atua como orientação e sinalização para se chegar a uma espécie de coerência, ou harmonia, compatibilidade. Assim, a construção e a desconstrução dialogam entre si em um resultado final.

O que ainda lhe impacta de uma forma lúdica e visceral nos trabalhos que criou e que estão expostos na exposição “Solotransição?”.

Redescobri-los e refletir sobre os significados, a semântica, os desdobramentos. Um trabalho nunca se encerra em si mesmo. Está em mutação à medida perdura. Daí as artes visuais contemporâneas suscitarem polêmicas permanentes e temporárias. Ainda bem.


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