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Zélio Alves Pinto teme a traição do povo brasileiro

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Nascido na cidade mineira de Caratinga, o pintor, jornalista, artista gráfico, escritor, caricaturista e ilustrador Zélio Alves Pinto, é um dos fundadores do mítico jornal “O Pasquim”, do Salão Internacional de Humor de Piracicaba e do Salão Internacional de Humor Gráfico das Cataratas do Iguaçu. Como autor literário, coordenou a edição de alguns livros, como “Cadernos Paulistas”, “História e Personagens”, “Bayer”, “Noventa Anos de Brasil”, “O Humor no Brasil de Hoje” e “Vinte Anos Pagando o Pato”. Escreveu as ficções como “Sem Sahida”, “O Navegador e o Príncipe” e “O Homem Dentro do Poste”. Como artista gráfico e jornalista, promoveu a reforma editorial e gráfica de diversos jornais e revistas do país nos anos 70, sendo famosa a reforma gráfica na “Folha de S.Paulo”. “Creio que dois estágios na história humana precedem a aventura da vida: sobrevivência e convivência. A segunda é consequência da primeira, embora o fato não estabeleça ordem de importância, pois uma sem a outra compromete a existência de ambas. As jovens nações, onde os princípios da convivência ainda aguardam o passar do tempo para se consolidarem – cultura de hábitos e costumes -, têm, naturalmente, maiores dificuldades na lida com valores subjetivos. (…) Acredito que a arte impõe o risco. Ver e ir além é fundamental para qualquer exercício criativo. Sem isso o risco é ficar onde se está”, afirma o artista gráfico.

O senhor é pintor, jornalista, artista gráfico, escritor, caricaturista e ilustrador. Como é passar a sua mensagem em cada uma dessas linguagens?

O fato de eu exercer várias atividades, e de essas serem primas umas das outras, facilita na unidade de linguagem e nos objetivos. Fossem diversas e antagônicas ou desparentadas seria uma dificuldade a mais. Mas sendo como são, ao contrário, facilitam e ampliam minhas possibilidades de atingir os objetivos.

A arte deve ser social?

Creio que toda atividade humana tem compromisso social de dentro pra fora, principalmente nos dias que correm. A arte é sempre estética, política e social, pois cria parâmetros e lida com eles. Por sua natureza, a estética envolve o pensamento social e político. O compromisso da arte é, pois, natural, mesmo que o engajamento seja uma atitude pessoal.

Quando realizou a exposição “Percurso e Presente” em 2005, o senhor revelou que o artista tem que correr o risco de se expor. Como isso se dá?

Acredito que a arte impõe o risco. Ver e ir além é fundamental para qualquer exercício criativo. Sem isso o risco é ficar onde se está. Não se trata de bater recordes, mas de visitar recônditos incomuns. É mais que um compromisso, é antes um dever sem o que a arte se torna inócua, embora a beleza continue a ser fundamental na criação artística mesmo não sendo indispensável.

O senhor produziu dois bons programas na TV Cultura (“A arte de fazer rir” e “Cultura em questão”). Por que programas com essa dinâmica, não têm uma vida longa na TV aberta?

Desde que a humanidade consagrou o mercado como parâmetro para as atitudes e atividades humanas, propostas como aquelas passaram a necessitar do envolvimento do Estado para sobreviverem, pois as leis estabelecidas não balizam ações com aquelas características. A mídia contemporânea é dependente e defensora intransigente das regras do mercado não por desumanidade, mas como defesa de sua sobrevivência. Avaliadas pelo mercado, propostas como àquelas devem ser rechaçadas como princípio, pois o êxito delas abririam exceções perigosas a por em risco os próprios parâmetros.

A arte e a educação são sempre jogadas para o segundo plano. Qual a sua percepção sobre este fato?

Creio que dois estágios na história humana precedem a aventura da vida: sobrevivência e convivência. A segunda é consequência da primeira, embora o fato não estabeleça ordem de importância, pois uma sem a outra compromete a existência de ambas. As jovens nações, onde os princípios da convivência ainda aguardam o passar do tempo para se consolidarem – cultura de hábitos e costumes -, têm, naturalmente, maiores dificuldades na lida com valores subjetivos que se distanciam desses objetivos práticos e a arte é um dos princípios que qualificam a convivência. Em nosso caso nacional, enquanto a sobrevivência estiver em risco, a atenção para com os valores não concretos ficam secundados. Antes a sobrevivência física do homem, depois a relação com os pares: arte e educação são, pois, insumos básicos, mesmo que subjetivos, na qualificação da convivência e não da sobrevivência física o que as torna dispensáveis aos guerreiros da vida. Isso me explica alguns aspectos da questão, embora não justifique o todo.

O senhor promoveu diversas reformas gráficas e editorais em vários veículos do nosso país. Como deixar essas publicações mais interessantes para um público que cada vez lê menos jornais e revistas impressas, principalmente depois do advento da internet?

Esta é uma das graves perguntas órfãs que a contemporaneidade nos trouxe. Será a criatividade o agente que nos ajudará a responder tais questões com o passar do tempo e com a ocupação do vazio que se construirá no espaço herdado.

Em 2002, foi lançado “O Pasquim 21” que deixou de ser publicado em 2004. Quais são os maiores empecilhos para que um veículo alternativo floresça no país?

Acho que aquela foi uma aventura romântica que a referida contemporaneidade não permite, segundo o mercado já citado antes.

O senhor não tem problema de tirar ideias de trabalhos antigos para os novos. Essa “reciclagem” é natural?

Sinto realmente permanente atração pelo que foi, embora o passado seja a única coisa sólida e irremovível. Em minha ação como pintor, por exemplo, busco com frequência recuperar antigas experiências, pois creio que a vida nos oferece novos ângulos sobre o conhecido à cada nova aventura. Não é possível mudá-lo, mas acredito que modificá-lo seja viável, posto que arriscado.

No livro “Zélio – 50 Anos de Uma Aventura Visual”,  você afirma que foi influenciado pelo seu irmão Ziraldo. Quais as similaridades dos seus trabalhos com os trabalhos de Ziraldo?

Não nego a influência, mas creio que o trabalho dele me afetou muito menos do que sua atitude frente o mundo.

Críticos dizem que o maior desafio da sua carreira foi começar a trabalhar com abstrações. Esse foi realmente o seu maior desafio?

Não sei. A incursão no que você identifica como abstração se deu por conta do mergulho e de minha atração por nossa herança visual mais remota. Aos trabalhos desse período identifico como “Ameríndios” numa referência a sensibilidade estética que vislumbrei na herança que chamo pré-Cabralina.

Como se sentiu quando fez o seu primeiro trabalho logo após o fatídico incêndio do seu estúdio em Nova York em 1989?

Lembro-me que foi como um recomeçar. Embora ferido, me senti livre.

Você se enveredou pelo caminho da literatura, dizendo que a escrita é uma obsessão. De onde vem essa obsessão?

Acredito que o artista deve se exercer em todas as direções pelas quais se sentir atraído. A literatura me atrai inclusive pela quantidade de riscos que ela expõe a quem lida com ela. A palavra é fascinante, tanto quanto a cor, a textura e a forma juntas. Isso me encanta e o risco é imensurável.

Quando voltou ao Brasil, o senhor afirmou que o país estava sem rumo. Nós ainda estamos sem rumo em sua visão?

Quando voltei senti que o povo havia sido traído não apenas pelos governantes, mas por ele mesmo. E temo que isso volte a acontecer, o que não será nenhuma novidade. A história registra inúmeros exemplos de nossa aproximação com a realização plena como nação. A este propósito, tenho trabalhado em um romance que espero desovar, dia desses.


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