Zeina Latif é doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e economista-chefe da XP Investimentos. Trabalhou no Royal Bank of Scotland (RBS), ING, ABN-Amro Real e HSBC. Escreve colunas semanais para o Broadcast da Agência Estado. A experiente e renomada economista afirma categoricamente: ”As válvulas da economia estão funcionando, ainda que com dificuldade. O quadro, no entanto, é ainda frágil. Índices de confiança ainda estão no campo pessimista. Não é possível descartar totalmente uma nova queda da atividade. E se Dilma voltar? E se Temer fracassar? Um erro grave poderia, por exemplo, gerar um novo salto da taxa de câmbio, impondo revezes novamente ao setor produtivo. É importante lembrar que quando a taxa de câmbio se deprecia, seu primeiro impacto é de contração da atividade, pela pressão de custos que acarreta. Passado um tempo, algo como 1 ano, o setor produtivo começa a reagir positivamente. Quando a correção do câmbio é rápida, como em 2015, o custo é magnificado, pois, desestrutura o setor produtivo em um primeiro momento. Importante lembrar que, se por um lado os dados de produção de bens e serviços estabilizam, por outro, os mercados de trabalho e de crédito ainda pioram. (…) É difícil para uma economista analisar a política. No entanto, não acredito em mudança absoluta. Teremos Lava Jato e eleições municipais impactando a capacidade de articulação do Governo”.
Zeina, você é considerada uma economista otimista. Podemos ter ainda algum tipo de otimismo com o panorama econômico deste ano?
Não diria que estou otimista. Tenho uma visão construtiva em relação ao cenário econômico. Creio que o PMDB conseguirá aprovar medidas fiscais estruturais que permitam estabilizar a macroeconomia, o que significa a inflação na meta, volta cíclica do crescimento e redução da taxa de desemprego até 2018. Essa é a missão de Temer: trazer normalidade ao país; fazer a ponte para 2019. Otimista eu estaria caso atribuísse elevada probabilidade de este cenário acontecer. Não é o caso. O risco de um quadro medíocre, em que o ajuste fiscal é tímido e, assim, a inflação mantém-se rígida acima da meta de 4,5% e o desemprego em patamar elevado, é alto. Hoje o balanço está para 60% de chance de o cenário benigno ser confirmado. Não é grande coisa. Um ponto importante aqui é que o risco de um cenário extremo, de colapso, que era um risco relevante com Dilma, reduziu-se substancialmente.
Você afirmou em abril, que a origem da crise é a questão fiscal. Enxerga algo de novo com a nova equipe econômica para tentar de alguma forma, estruturar a economia ainda em 2016?
Vamos separar a discussão entre equilibrar as contas públicas e estabilizar a macroeconomia (inflação cair é sinal desta estabilização). Fórmulas de ajuste fiscal do passado envolvendo corte de investimentos e aumento de tributação não são mais possíveis. Se disponíveis, seriam medidas que poderiam trazer alguma melhora nas contas públicas já em 2016. Mas não é o caso. A sociedade não aceita aumento da carga tributária e não há mais espaço para cortes de gastos discricionários, que representam hoje algo como 10% das despesas não-financeiras do Tesouro. Este já foi o ajuste feito em 2015. Não há mais onde cortar. Além disso, essa fórmula do passado também seria pouco eficaz atualmente, senão contraproducente. Com a crise econômica grave, aumentar impostos e cortar investimentos públicos não seria adequado. O país precisa de agenda de consolidação fiscal de longo prazo, e não exatamente de austeridade de curto prazo. A Fazenda tem diagnósticos corretos. Sabe que precisa avançar em medidas que contenham os gastos obrigatórios ao longo do tempo. Por isso a proposta de reformas estruturais. São medidas constitucionais, com trâmite lento no Congresso. Nada poderão fazer para equilibrar as contas públicas este ano ou mesmo no próximo. O importante aqui é sinalizar que no futuro a dívida pública como proporção do PIB poderá interromper a trajetória explosiva. Esta sinalização é essencial para a volta da confiança e para estabilizar a macroeconomia, no caso, ajudando o BC a cortar a taxa de juros com segurança. Ainda que sejam medidas de longo prazo, seu efeito sobre a confiança pode ocorrer ainda este ano, apesar do rombo fiscal recorde.
É possível dizer hoje que o pior já passou, ou acredita que algo mais grave pode ocorrer ainda com a economia brasileira?
Este é o meu cenário. Os indicadores de atividade estão se estabilizando. Minha avaliação é que isso reflete dois fatores principais: primeiro, a depreciação cambial começando a beneficiar a indústria, principalmente via substituição de importações; segundo, o fim de um ciclo de ajustes de empresas e consumidores à piora das condições econômicas. Empresas cortaram custos, folha, produção, estoques e investimentos, enquanto consumidores ajustaram seu orçamento. Este ajuste parece concluído. As válvulas da economia estão funcionando, ainda que com dificuldade. O quadro, no entanto, é ainda frágil. Índices de confiança ainda estão no campo pessimista. Não é possível descartar totalmente uma nova queda da atividade. E se Dilma voltar? E se Temer fracassar? Um erro grave poderia, por exemplo, gerar um novo salto da taxa de câmbio, impondo revezes novamente ao setor produtivo. É importante lembrar que quando a taxa de câmbio se deprecia, seu primeiro impacto é de contração da atividade, pela pressão de custos que acarreta. Passado um tempo, algo como 1 ano, o setor produtivo começa a reagir positivamente. Quando a correção do câmbio é rápida, como em 2015, o custo é magnificado, pois, desestrutura o setor produtivo em um primeiro momento. Importante lembrar que, se por um lado os dados de produção de bens e serviços estabilizam, por outro, os mercados de trabalho e de crédito ainda pioram. Não há sinais de estabilização. São mercados que reagem de forma defasada ao ciclo econômico, não havendo, portanto, surpresa nisso. Mas se a estabilização nesses mercados demorar, por exemplo, porque Temer não conseguiu recuperar a confiança, a retomada cíclica da atividade irá demorar mais e será lenta.
Muitos analistas, batem na tecla que para se sair da crise, é preciso que as questões políticas estejam claras. Acredita que depois de agosto, onde teremos um desfecho do fim ou da retomada do Governo Dilma, as coisas vão se assentar?
É difícil para uma economista analisar a política. No entanto, não acredito em mudança absoluta. Teremos Lava Jato e eleições municipais impactando a capacidade de articulação do Governo.
Quais as principais dificuldades que têm sentido na economia real e que podem se agravar em um curto espaço de tempo?
As empresas enfrentam grande dificuldade financeira. A inadimplência ainda sobe, bem como os pedidos de recuperação judicial. Com dificuldades financeiras e sem crédito, não há como evitar demissões. O quadro é particularmente preocupante para pequenas e médias empresas que tem tido dificuldade no acesso ao crédito bancário. Esse é um importante fator de risco no curto prazo. Aqui entra a questão da recuperação da confiança. Se isso ocorre por conta de uma agenda econômica consistente, os bancos começam a relaxar o crédito, facilitando o saneamento financeiro das empresas e também de consumidores.
Em uma entrevista, você afirmou que algumas medidas econômicas poderiam sair do papel em um eventual Governo Temer. Como tem visto a condução especificamente do presidente interino para esta questão?
O time econômico é competente e contou com um legado do time anterior. Estão colocando ênfase onde me parece o mais correto: teto para gastos e previdência. Também é importante citar a agenda de concessões e infraestrutura do Moreira Franco, secretário executivo do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), também contando com o legado do time econômico anterior. A diferença é que agora são políticas de Governo e não de ministro da Fazenda. Não há muito tempo e a crise demanda senso de urgência. O Governo precisa escolher as batalhas que irá enfrentar, e penso que a escolha de focar nessas frentes é adequada. O que preocupa é que o Governo emite alguns sinais trocados.
Que sinais são esses?
Fala em reforma, mas aprova ajuste de salários para o Judiciário, a elite do funcionalismo, que tem estabilidade, enquanto trabalhadores do setor privado perdem o emprego. Isso sem contar o rombo fiscal. O Governo alega pragmatismo. O pragmatismo pode nos redimir, mas também nos condenar. Pragmatismo em excesso poderá comprometer o ajuste fiscal, podendo produzir o cenário medíocre que comentei no início.
O Brasil corre o risco de quebrar?
Depende da definição de “quebrar”. Não acredito que teremos calote da dívida. O custo político é enorme. A história já mostrou isso com o confisco do Plano Collor. Entre dar o calote e fazer reforma estrutural, entendo que politicamente é menos custoso conduzir reformas. Outra questão é que antes de ter calote de dívida, teríamos a aceleração da inflação. O risco de espiral inflacionária, ainda que menos virulenta do que no passado, é maior que o risco de calote. Se quebrar significa o risco de não arcar com compromissos assumidos, como transferência de recursos, pagamento de fornecedores e até pagamento da previdência no futuro, por causa do enorme rombo orçamentário, neste caso já quebramos.
Em 2010, você disse que o Brasil estava se aproximando de um crescimento sustentável de 5% ao ano. Poderemos chegar novamente nesta perspectiva nos próximos anos, ou isso vai levar mais tempo do que podemos imaginar?
O que falei em 2010 era algo condicional. Que se o Brasil avançasse em reformas estruturais microeconômicas, melhorando a qualidade da ação estatal e aumentando ganhos de produtividade na economia, poderia surpreender e caminhar para crescimento potencial mais robusto, na casa de 5%. O Brasil tem tantas distorções microeconômicas que iniciar uma agenda de remoção desses obstáculos pode gerar ganhos expressivos em termos de crescimento. Minha compreensão naquele momento é que esta agenda tenderia a se impor, ainda que lentamente, no estilo brasileiro. Era o desafio que se colocava naquele momento. A política surpreende. Não só não avançamos nessa agenda como tivemos retrocesso na gestão da política macroeconômica e mais distorções microeconômicas foram criadas. Desastre.
A XP Investimentos, também trabalha com o recuo do PIB para 3,71% para este ano?
Não tenho projeção.
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