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A versatilidade do ator Vandré Silveira

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Vandré Silveira é um ator completo e versátil, com trabalhos no cinema, teatro, TV e publicidade. Ficou conhecido por sua atuação em “Bárbara” (35mm), curta com direção de Carlos Gradim (2007), trabalho pelo qual recebeu prêmios de melhor ator nos seguintes festivais de cinema: Primeiro Plano (Juiz de Fora), Ibero-Americano de Cinema/Curta-SE (Sergipe), For Rainbow (Fortaleza) e VI Festival de Cinema de Maringá (Paraná). Na televisão, participou das séries “Amor Veríssimo” (GNT), com direção de Arthur Fontes, “A Segunda Vez” (Multishow), com direção de César Rodrigues e “Caipirinha Sunrise” (TV Azteca/México), dirigida por Felipe Fernandez del Paso. As três séries foram gravadas e exibidas em 2014. Formado no Curso Profissionalizante de Teatro da Fundação Clóvis Salgado (CEFAR- Palácio das Artes) em Belo Horizonte, no ano de 2005, desenvolveu importantes trabalhos em várias áreas da dramaturgia. Seu último trabalho de destaque no teatro foi “Casa Apodrecida”, que marcou a estreia de Leonardo Bertholini como diretor teatral. Atualmente faz parte do elenco de “Poltrona 27”, nova série do Canal Brasil que estreou no último dia 06. “Acredito que o público expressa de variadas maneiras esse impacto gerado por uma obra. Não necessariamente através de uma profusão de palmas, mas também pelo silêncio, pela própria dificuldade de expressão”, afirma o ator.

Vandré, você é considerado um ator completo e versátil. Se enxerga desta forma também?

Tenho construído ao longo dos anos uma carreira comprometida com a entrega. A condição do ator/artista é o da incerteza, do questionamento constante, do lançar-se sobre o desconhecido e por isso tão difícil de frequentar. Mas é a necessidade de expressão e comunicação com o outro que me impele a seguir. Aliás, a alteridade, o olhar sobre o outro é a base do trabalho do ator, em um mundo com crescente dificuldade de lidar com a diversidade. A questão da versatilidade vem da própria condição do ofício com o qual lido há 16 anos. Acho que reconhecimento e respeito são consequências.

Você ficou conhecido depois de ter atuado no curta “Bárbara” de 2007 do diretor Carlos Gradim. Como era sua visão sobre o seu ofício antes deste trabalho?

Cada personagem é único e carrega consigo um universo particular. A mudança de perspectiva conduz a novos aprendizados sobre maneiras distintas de ser e estar no mundo. Em 2007, quando filmamos “Bárbara” a discussão sobre diversidade, gênero e sexualidade ainda não tinha a força que notamos atualmente. Aliás, o entendimento sobre a questão de gênero avançou muito com uma paleta muito maior de possibilidades de expressão. A personagem Bárbara, uma travesti expulsa de casa ainda jovem e que encontra na prostituição o único caminho viável para sua sobrevivência, é a trajetória de muitas travestis e transexuais que sofrem com a violência e a discriminação. Com este trabalho, experimentei na pele esse olhar de discriminação, repulsa e atração que as travestis vivem. Muitas me diziam que a sociedade que discrimina de dia é a mesma que consome seus serviços durante à noite. Tive uma caracterização com mega hair, unhas postiças, depilação de todos os pelos do corpo, etc., que transformaram minha fisicalidade. Mesmo quando não estava no set de filmagem, eu tinha que lidar com essa nova perspectiva. O que me marcou bastante sobre esta experiência foi a crueldade do olhar que vivenciei. Como a falta de informação, conhecimento e respeito levam à intolerância, a discriminação e a violência. Quando você se coloca no lugar do outro, há uma relativização da diferença, porque reconhece um eixo comum, a humanidade.

Algo alterou em seu modo de enxergar o seu ofício depois deste trabalho?

Para além do ofício, este trabalho trouxe uma abertura de visão e entendimento para a minha vida. Todos precisamos trabalhar nossos pré-conceitos que foram transmitidos na educação familiar ou adquiridos no convívio social. O simples movimento de se colocar no lugar do outro já é um ótimo exercício de compreensão e respeito à diferença.

A arte deve ter um papel social em sua visão?

É da própria natureza da arte espelhar seu tempo, a sociedade em que está inserida e os comportamentos vigentes. Como ator, sempre priorizo contato com obras que me sensibilizam, me atravessam. Acho mágica a possibilidade de transformação do ator porque catalisa a transformação no outro. É um acordo que se estabelece, de troca, de construção conjunta de significados. Arte para mim, é uma plataforma de transformação, de comunicação e afeto.

Em que momento você acredita que o ator sente que impactou o público com a sua arte?

Acredito que o público expressa de variadas maneiras esse impacto gerado por uma obra. Não necessariamente através de uma profusão de palmas, mas também pelo silêncio, pela própria dificuldade de expressão. Há uma necessidade pungente em nossa sociedade de tudo analisar, catalogar e enquadrar. Às vezes o impacto é codificado pela dificuldade em exprimir ou analisar uma obra de arte. A pertinência de uma obra me parece ter a ver com a força e o tempo com que as questões levantadas circulam no imaginário do público num momento posterior ao da experimentação da própria obra.

Televisão, cinema, teatro e publicidade. Em qual desses meio de expressão você se sente mais a vontade, e em qual deles você se sente surpreendido e desafiado a cada nova atuação?

Apesar de serem linguagens distintas, o trabalho do ator, a meu ver, é um só e está comprometido com sua verdade, sua entrega e auto-exposição. O ator precisa estar inteiramente disponível como veículo de uma outra subjetividade que não é a sua, mas que depende desta para se construir.

Outra característica dita por alguns sobre você, é que o seu corpo fala quando está atuando, ou seja, sua expressão corporal é marcante. Acredita que isso seja mais da técnica ou de algo que é natural pra você?

O Ocidente tem a tendência de separar a expressividade em corpo e voz. Para além da minha formação artística multidisciplinar, em 2005, fiz um curso com a diretora Celina Sodré, futura parceira de trabalho que dirigiu meu monólogo “Farnese de Saudade”, sobre o artista plástico mineiro Farnese de Andrade. O curso ministrado por Celina na CAL (Centro de Artes das Laranjeiras) tinha como princípio o método das ações físicas, elaborado por Constantin Stanislavski [ator, diretor, pedagogo e escritor russo de grande destaque entre os séculos XIX e XX, 1863 – 1938] e desenvolvido por Jerzy Grotowski [diretor de teatro polaco e figura central no teatro do século XX, principalmente no teatro experimental ou de vanguarda, 1933 – 1999]. Foi um divisor no meu entendimento como ator sobre a ação para além de um movimento plástico e sim uma ação com finalidade concreta que no momento da sua execução se converte em ação psicofísica. O que quero dizer é que a expressividade é um conjunto de elementos indissociáveis e o corpo é ferramenta fundamental no trabalho do ator, na materialização e construção de sentidos.

Você se formou no curso profissionalizante de Teatro da Fundação Clóvis Salgado em Belo Horizonte. O que aprendeu por lá e que de certa forma leva consigo até hoje em seu trabalho?

Me formei no CEFAR (Centro de Formação Artística) no ano de 2005. Tenho profunda gratidão e orgulho da minha formação como ator. No CEFAR, aprendi a seriedade, o respeito e a disciplina no ofício do ator. Considero fundamental uma abordagem multidisciplinar. Penso que o grande mérito da minha formação foi o contato com linguagens artísticas diversas.

Como encara e o que difere a chegada de novos meios como a internet para divulgação do seu trabalho, já que realizou webséries como “Todo Tempo do Mundo” pelo Canal O CUBO?

Encaro de forma muito positiva, já que a internet não só democratiza o acesso a bens culturais como possibilita a produção e divulgação. Há uma mudança na forma de produzir e disponibilizar conteúdos na Web que as novas gerações estão construindo. Além disso, a internet estreita o caminho de comunicação entre o realizador e o espectador, algo que estamos experimentando com a exibição da websérie “Todo Tempo do Mundo” no canal O CUBO.

O que você destacaria de mais instigante em sua atuação no espetáculo “Casa Apodrecida?”.

“Casa Apodrecida” é um espetáculo livremente inspirado em “O Primo Basílio”, de Eça de Queirós [um dos mais importantes escritores portugueses da história. Foi autor de romances de reconhecida importância, de Os Maias e O Crime do Padre Amaro; o primeiro é considerado por muitos o melhor romance realista português do século XIX, 1845 – 1900] dirigido por Leonardo Bertholini. O maior desafio deste trabalho é o fato de que não utilizamos o texto verbal. Contamos a história de envolvimento de Luísa com seu primo Basílio a partir do corpo, das ações físicas, em um trabalho que dialoga com as linguagens da dança, da performance, das artes visuais e do teatro.

Para ser ator, é necessária uma junção de três palavras que são paixão, determinação e dedicação. Em que momento de sua carreira acredita que elas tiveram em maior evidência?

Acho que a dificuldade de se fazer Teatro é atemporal, faz parte da natureza do ofício. Vivemos uma crise que atinge todos os setores da sociedade. Com os artistas não é diferente. A cultura sofre com essa crise porque a maioria das manifestações artístico-culturais necessitam de patrocínio. O pensamento vigente é de que a cultura não enche barriga. Mas, a meu ver, a cultura alimenta a alma. É questão essencial ao humano, porque constrói memória e identidade. Não existe um momento específico onde a paixão, a determinação e a dedicação estiveram mais presentes. Elas sempre estiveram presentes como forças motrizes de um caminho árduo, mas iluminado.


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