Alexandre Le Voci Sayad é CEO e fundador da ZeitGeist – Educação, Cultura e Mídia, onde implementa projetos em educação para o setor privado, público e terceiro setor. É também membro do conselho da GAPMIL (Aliança Global em Mídia e Educação) da UNESCO internacional. É fundador e membro da diretoria da Associação Brasileira dos Profissionais de Educomunicação (ABPEDUCOM). “Não há recurso nem foco para inovação ou experimentação pura e simples, e nem acho que esse é o papel das redes públicas. Num mundo ideal, a universidade, a gestão local, os educadores em campo e a sociedade civil (comunidade ou entorno na escola) devem experimentar e inovar, de acordo com cada realidade. Caberia ao Governo Federal descentralizar o papel de gestão, como vem sendo feito. Mas centralizar algumas avaliações, indicadores, garantir recursos nas pontas e dar orientações mais gerais. O caso da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) é um bom exemplo, porque partiu da esfera Federal, até do Legislativo, e desceu para um debate na sociedade civil para, então, ser estabelecida como um documento de referência de garantia de aprendizado mínimo nacional. (…) Se a escola é um espaço que pretende preparar o aluno para a vida, tem que prepará-lo para o enfrentamento de ideias. A justificativa para o projeto é, por si só, fantasiosa. Na escola não deve haver proselitismo”, afirma.
Alexandre, como analisa a educação em nosso país?
É uma pergunta muito ampla, porque o tema da educação é amplo. Falando no Ensino Básico, temos o que comemorar em relação aos últimos 25 anos, mas temos desafios complexos. Ampliamos a rede e o alcance das escolas, mas ainda temos dificuldades em manter o aluno na escola, diminuir a evasão e, sobretudo, garantir o aprendizado dos estudantes em áreas do país mais vulneráveis e desprotegidas. O desenvolvimento da rede foi desigual no país. Tudo isso passa pela formação e valorização docente, políticas públicas que estimulem a inovação nos métodos de ensino e que valorizem a voz do estudante dentro da escola.
Existe uma “bala de prata” para os problemas provenientes da educação brasileira?
Definitivamente, não. Trata-se de um conjunto de ações nas políticas públicas que vão desde a gestão de sala de aula, da escola em si, melhor formação dos docentes, e um “repensar” do papel da escola pela comunidade e na sociedade, que está saturada de informações, mas escassa de clareza e conhecimento.
Qual o papel do professor neste cenário?
É central, bem como dos gestores da ponta, professores em sua maioria. É quando a porta da sala fecha que os processos educativos se iniciam. O professor deve ser não só um mestre na disciplina, mas ter habilidades de gestão de sala de aula, de mediação de conflitos, de acolhimento do aluno e de inovação em seus métodos. Isso acontece já, mas em casos mais esporádicos. São ilhas de excelência. Só irá se tornar uma realidade sistêmica quando a valorização e formação dos docentes, e dos gestores, for revista e estruturada de forma mais contemporânea – quero dizer, desde sua formação inicial, até aquela feita “em serviço”.
Como a tecnologia se conecta neste ambiente?
Hoje, de forma pouco eficaz, ou até “instrumentalista”. Computador não pode simplesmente se tornar máquina de escrever e tablet, calculadora. O potencial da tecnologia é de inovação disruptiva – vai muito, além disso, e passa mais uma vez pela formação do educador. O incentivo ao uso criativo da tecnologia é que pode de fato colocar o aluno como ator de seu processo de aprendizagem, e estimular diversas habilidades e competências necessárias em nosso tempo.
Você já disse que o aluno deve ser o produtor e o ator de seu aprendizado. Existe alguma “podagem” de agentes externos para que isso não venha ocorrer?
É uma questão política, sem dúvida. Mas o peso cultural de um ensino baseado em apenas escutar, de base industrial, é determinante. Enquanto a sociedade não enxergar o adolescente como aquele que, segundo sua etimologia, “acontece, ou está acontecendo”, e a criança não for vista como um ser sem expressão (infante vem de “sem fala”, no latim), o processo de educação continuará sendo centrado no adulto. Valorizar a curiosidade, a capacidade de criação e realização do estudante passa por compreender melhor sua cultura e seu círculo de referências – que na maioria das vezes não é parco, tampouco fútil. E saber que temos muito o que aprender com eles também e criar um terreno fértil para uma troca.
Por que uma educação feita por especialistas tende a não dar certo?
Se feita somente por especialistas, tende a não dar certo porque, em muitos casos, o especialista está preso num mundo acadêmico que é distante da realidade da sala de aula. Os cursos de pedagogia e seu currículo, em geral, pouco atualizado no Brasil, contribui com isso. Pesquisa-se muito, cria-se pouco. A neurociência, a inteligência artificial, as atualidades de forma geral, passam longe da formação do professor na universidade ou na licenciatura. Basta olhar o que há de inovação nas escolas experimentais (de aplicação) ligadas às universidades: muito pouco. O olhar para a educação, seu repensar e seu refazer, deve ser multidisciplinar. Nesse sentido sou absolutamente contra uma reserva de mercado ou impedimento sindical, etc. “Outsiders” da área tendem a auxiliar inclusive à escola a se enxergar com olhos de “estrangeiro”. Isso é muito rico.
Que papel cabe ao Governo neste âmbito?
Não há recurso nem foco para inovação ou experimentação pura e simples, e nem acho que esse é o papel das redes públicas. Num mundo ideal, a universidade, a gestão local, os educadores em campo e a sociedade civil (comunidade ou entorno na escola) devem experimentar e inovar, de acordo com cada realidade. Caberia ao Governo Federal descentralizar o papel de gestão, como vem sendo feito. Mas centralizar algumas avaliações, indicadores, garantir recursos nas pontas e dar orientações mais gerais. O caso da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) é um bom exemplo, porque partiu da esfera Federal, até do Legislativo, e desceu para um debate na sociedade civil para, então, ser estabelecida como um documento de referência de garantia de aprendizado mínimo nacional.
Pessoas ligadas aos governos municipais, federais e estaduais, sabem do que estão falando quando analisam os fatos relativos à educação nacional?
Há muitos profissionais excelentes na administração pública. Números sozinhos dizem pouco. Se quem acompanha os indicadores, se esforça para conhecer o que acontece nas pontas, você tem o melhor dos mundos. Porque ninguém melhora nada sem um objetivo claro, e métrica claras a serem seguidas. Esse é outro ponto que evoluímos muito: avaliação das redes e unidades.
Qual a sua visão do “natimorto” Escola Sem Partido?
Se a escola é um espaço que pretende preparar o aluno para a vida, tem que prepará-lo para o enfrentamento de ideias. A justificativa para o projeto é, por si só, fantasiosa. Na escola não deve haver proselitismo e a melhor ferramenta para isso é ser aberta a todos os pensamentos. Um valor universal, grego, fundamental. Fora do Brasil isso é chamado de “critical thinking” ou construção do pensamento crítico. Aqui, o que o projeto deseja, ironicamente, é tornar a escola o lugar de um só pensamento, o do Status quo. Já há mecanismos legais suficientes para qualquer instituição se proteger de qualquer índole catequizadora. Mas as ideias e o pensamento crítico são construídos sempre no debate.
Em que momentos a mídia ajuda e em que momentos ela atrapalha na discussão deste assunto?
Ela ajuda mais do que atrapalha, porque trazer esse assunto para a sociedade é sempre bom. Imagine todo esse processo desenrolando-se às escuras, nos corredores de Brasília? Agora, eu me deparei com muito material na grande mídia que não aprofundava esse tema, e o trava de forma equivocada. Mas isso pode acontecer em todas as editorias, como Economia, Política, etc.
Quais projetos educacionais valem ser vistos, analisados e absorvidos atualmente?
São muitos. As redes de educação no Brasil são verdadeiras florestas, pela sua diversidade. O projeto Educom – Nas Ondas do Rádio, por exemplo, das escolas da Prefeitura de São Paulo, é muito bem feito e duradouro. Na área do complemento escolar, Os Círculos de Leitura, do Instituto Fernando Braudel, foi uma das poucas ações que me fizeram ficar uma noite acordado de tão impressionado que fiquei com o desempenho dos estudantes. Na rede particular, destaco o projeto Quem Inova, da Escola Concept, que estimula os estudantes a pesquisarem e publicarem inovações sociais de impacto.
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