Allan Dias Castro – que é gaúcho radicado há nove anos no Rio de Janeiro – publicou seu primeiro livro, “O Zé Ninguém”, em 2014 pela editora carioca Ibis Libris, com a ilustre apresentação de Luís Fernando Verissimo. O poeta e letrista também tem parcerias com grandes nomes da música, como Roberto Menescal, e já foi citado por Jorge Ben Jor e Leandro Karnal. Allan também apresenta o programa “Dando as Letras”, no canal Music Box Brasil. Nas redes sociais, está conquistando cada vez mais seguidores com os vídeos do “Voz ao Verbo” divulgados no seu canal no YouTube. Já são mais de 90 milhões de visualizações. Esse projeto online deu origem ao livro “Voz ao verbo – Poemas para calar o medo”, lançado em maio de 2019 pela Editora Sextante. Junto com o produtor musical Tiago Corrêa interpretam – em um show – os textos do livro “Reverb – Poesia e Música”, lançado de forma independente pela dupla de compositores. Eles querem democratizar a poesia e levar uma mensagem para todos os públicos: “poesia é uma forma de diálogo que, de alguma forma, atinge o coração das pessoas. E, se todo mundo está com pressa e descrente nesses dias difíceis, nós vamos facilitar o acesso às mensagens e lembrar que vai ficar tudo bem”, diz Allan. Estão trabalhando atualmente no show “A Maldição de Ser Feliz”. “Eu costumo traduzir a palavra resiliência como fôlego”, afirma.
Allan, em que momento de sua existência você se descobriu poeta?
Uma vez tive a sorte de trocar uma ideia com o Marcelo Yuka pessoalmente. A gente falou sobre o Fernando Pessoa e seus pseudônimos. O Yuka falou: “Algumas pessoas que não sabiam que era o Pessoa, conviviam com ele sem saber do superpoder que ele tinha”. Aí eu percebi que a escrita é sim um superpoder, no meu caso, para me aproximar das pessoas. Voltei um pouco no tempo e percebi o quanto isso foi importante no começo da minha adolescência, quando comecei a escrever. Foi nesse momento, querendo quebrar barreiras entre mim e os demais, que considero como a minha descoberta como poeta. Percebi que estaria na caneta o meu superpoder.
Atingir o coração das pessoas em tempos tortuosos se torna mais difícil?
Acredito que seja o contrário. Essa é a fase que mais sinto a necessidade de escrever. Nesses tempos, as pessoas sentem vontade de estar em contato com algo que tire um pouco essa cortina de insatisfação da nossa frente. A poesia acaba sendo um caminho para isso.
Alguns dizem que fazemos o que cura a nossa alma. Escrever curou a sua alma em algum sentido ou tem outra explicação para isso?
Sim, certamente. Por algum tempo trabalhei com coisas que não tinham esse poder de cura em mim. A escrita, além de assumir esse papel, foi como uma chave para minha realização pessoal, por consequência, um alívio para a alma.
Como você enxerga o medo?
Quando o medo é maior que sua vontade, ele acaba sendo uma barreira para as oportunidades. Muitas vezes, pra não assumir o medo, usei desculpas como “hoje eu não posso”, ou “acho melhor não tentar”. Reconhecer esse sentimento de sabotagem é o primeiro passo pra perceber que depois do medo os ventos sopram a favor.
Quais as dores que devem ser retiradas do caminho para conseguirmos encontrar a nossa própria voz?
Tudo que estiver entalado na garganta. E isso é bem pessoal, ou seja, cada pessoa leva vontades, sonhos, medos guardados, abafando a própria voz. E por mais parecidos que sejam os caminhos para essa descoberta, cada um vai ter que encontrar e fazer o seu.
Luis Fernando Verissimo, já nos relatou a importância de ter clareza em um texto. Essa clareza é o que faz a ligação entre leitor e autor em sua visão?
Sim, porque o texto acaba sendo um ponto de encontro entre as pessoas. Um texto simples não significa que seja vazio. Mas a simplicidade traz um espaço para que as pessoas preencham com suas próprias vivências. Vem daí a ligação, a escrita acaba sendo uma ponte para elas mesmas.
Em que momento você acredita que os dois se tornam cúmplices?
O que me surpreende é que quanto mais pessoal é um texto meu, mais pessoas se identificam com ele. Acredito que a cumplicidade venha quando as pessoas se enxergam na sinceridade.
Você já sentiu essa cumplicidade em seu leitor?
Muitas vezes. É incrível a quantidade de mensagens que recebo com questões bem pessoais dos leitores. Como me abro nos textos, as pessoas se sentem mais à vontade, também. Isso me emociona muito porque percebo que não estou sozinho.
Num mundo com tantas dispersões e opções, o canal Voz ao Verbo encontrou o seu lugar. Que fator você acredita ter sido essencial para isso ter ocorrido?
Eu costumo traduzir a palavra resiliência como fôlego. Se eu tiver que definir um fator para o Voz ao Verbo ter encontrado seu lugar, sem dúvida, foi a continuidade. Foram anos, literalmente, escrevendo e gravando vídeos sem muito alcance. Agradeço muito por ter tido fôlego pra conseguir chegar em um número tão grande de pessoas e seguir fazendo até hoje.
Que preço você acredita que as pessoas pagam por tentar serem felizes num mundo tão incerto como atual?
O julgamento de pessoas que, muitas vezes, gostariam de ter tido a mesma coragem.
Muitas pessoas choram ao ouvir os textos do livro “Reverb – Poesia e Música”, dizendo que o projeto é a luz no meio da fraqueza e da escuridão. Quando se escreve algo com essa densidade, dá para intuir ou ter a noção do impacto que se pode causar na vida de outros seres humanos?
É impossível prever o real impacto de um texto nas pessoas. Sempre comento isso com o Tiago, meu parceiro no Reverb, de o quanto nos surpreendemos com a reação das pessoas, principalmente nos shows ao vivo. Mas a alegria de saber que algo que nos traz tanta alegria e satisfação, pode ter um efeito positivo na vida das pessoas, acaba dando uma sensação de dever cumprido. A gente não tenta encontrar muita explicação, mas agradece demais pelo Reverb, um veículo de duas forças tão intensas como a música e a poesia.
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