Há 20 anos Daurio Speranzini Jr. ocupa posições muito destacadas – vice-presidente, presidente e/ou CEO – nas maiores companhias mundiais com foco em tecnologia, saúde e healthcare. Sob sua gestão, estas empresas atingiram liderança e principal market share em seus respectivos mercados. Introduziu sistemas de gestão da qualidade, definindo procedimentos, indicadores-chave e análise de reclamações de clientes; revisou indicadores comerciais de remuneração variável, incluindo geração de pipeline, conversão de vendas, margem e cobranças; gerenciou budgets superiores a 1 bilhão de dólares em vendas mundiais. Toda essa experiência proporcionou um capital importante para análises profundas sobre as características e os processos operacionais das estruturas de saúde, públicas e privadas. Daurio Speranzini Jr. desenvolveu no ano de 2007, por exemplo, um plano de saúde holístico baseado no modelo centrado no paciente. Hoje, como importante dirigente da VMI Médica – uma das grandes multinacionais brasileiras que também operam no mercado de tecnologia de diagnósticos por imagem – e advisor de uma série de iniciativas e startups, Daurio Speranzini Jr. vem contribuindo com conhecimento, experiência e novas idéias para subir o patamar da gestão de saúde coletiva no nosso país. Daurio Speranzini Jr. escreve artigos com diversos dos seus pensamentos sobre uma saúde coletiva de qualidade – mais gestão, mais tecnologia e humanidade.
Daurio, qual é a sua visão sobre o atual mercado da tecnologia médica no Brasil e como ele pode ser melhorado?
Quando pensamos em adoção de alta tecnologia médica sou obrigado a dizer que o Brasil, hoje, continua em ritmo lento. Tanto hospitais quanto clínicas pouco ousam na busca de uma tecnologia inovadora, seja em função do pouco acesso às fontes de produção, seja também como consequência das limitações financeiras em que se encontram. Em toda a área da saúde, infelizmente, os investimentos em inovação concentram-se em poucas ilhas de excelência, quase nunca relacionados aos ambientes acadêmicos mas, ao contrário, sempre restritos aos grandes grupos privados que têm poder financeiro superior e, potencialmente, são mais fortes para se conectar com órgãos internacionais.
Como a tecnologia médica pode ajudar a melhorar a eficiência das grandes estruturas de saúde coletiva no Brasil?
Na minha opinião e, principalmente, na minha experiência, acredito que as tecnologias em medicina deveriam ser constituídas primeiramente em função do paciente e, consequência disso, deveriam promover um novo entendimento do sistema de saúde. Nós vamos alcançar serviços com mais qualidade quando tivermos um sistema de saúde mais conectado, mais colaborativo e mais simplificado no relacionamento entre os diversos stakeholders – as fontes pagadoras, o serviço de atenção ao paciente e o paciente propriamente dito. As fontes pagadoras e os serviços de atenção ao paciente precisam estar conectados em torno de outcomes (termo inglês para os desfechos que definem a solução daquele desafio de saúde). E esta conexão precisa ocorrer também entre os serviços públicos e privados de saúde – tudo sempre em função do paciente!
Quais são os principais desafios enfrentados pelas grandes estruturas de saúde coletiva na gestão de seus recursos e como a tecnologia médica pode ajudar a superá-los?
O maior desafio é de financiamento, com certeza. O Brasil tem um sistema de saúde universal, o que significa: 1) saúde é direito de todos; e 2) igualdade de atendimento entre as várias classes da população. Já que é universal para todos e para tudo, pode-se chegar a conclusão de que os investimentos em saúde deveriam ter prioridade na repartição do PIB com outras áreas. Mas não é o que acontece. O Brasil ainda é um país pobre quando avaliamos nossa renda per capita. E só se investe 4% do PIB em saúde – número reconhecidamente pequeno para uma população de 180 milhões de dependentes do SUS (o nosso Sistema Único de Saúde), que tem pouca edução e é atendida por uma estrutura deficiente de saneamento básico. A solução seria um aumento acelerado da arrecadação do país (para isso a economia precisa crescer) e aumento deste percentual de 4% do PIB para a área da saúde.
Como a Inteligência Artificial pode ser usada para melhorar a gestão de grandes estruturas de saúde coletiva?
Principalmente na prevenção a enfermidades. A Inteligência Artificial pode ser uma grande aliada no desenvolvimento de sistemas preditivos a doenças que provoquem a redução dos custos de tratamento ou até mesmo a não ocorrência de óbitos que, sem ela, talvez não pudessem ser evitados. Já há soluções muito interessantes para salas de emergência e de terapia intensiva, em que equipamentos estão todos conectados e enviando os sinais vitais do paciente para uma central – o chamado command center. Um algoritmo baseado em Inteligência Artificial sugere, através desta central de comando, quais ações o médico deve tomar naquela situação. Este algoritmo analisa todos os sinais vitais e, através de árvores de decisões bem planejadas, recomenda o melhor procedimento. Mais um benefício: a provável diminuição as infecções hospitalares, uma vez que se diminui ao necessário o contato direto do médico com o paciente em estado grave.
Quais são as principais inovações em tecnologia médica que podem ajudar a melhorar a qualidade dos serviços de saúde no Brasil?
Para mim, a principal inovação disponível, e que ajudaria muito a gestão da saúde no Brasil, é implantar um Cadastro Único do Paciente. É a mais simples e certeira inovação que poderíamos lançar mão! Com um cadastro centralizado, disponível para todos o sistema de saúde público e privado, no Brasil inteiro, exames repetitivos poderiam ser eliminados; procedimentos mais certeiros poderiam ser executados; medicamentos poderiam ser economizados; infraestrutura de hospitais poderia ser otimizada. Tudo isso respeitando a LGPD. É uma tecnologia disponível e que pode ser aplicada a qualquer momento, só depende de maior vontade política.
De que forma as grandes estruturas de saúde coletiva podem gerenciar de maneira mais eficiente a aquisição e o uso de tecnologia médica?
Poderiam começar por uma melhor gestão das informações, reforçando o treinamento de gestão seus líderes, por exemplo. Outra ação importante poderia ser reavaliar os processos adequando-os e conectando-os com os sistemas de tecnologia de informação; dessa forma, otimizamos os custos e reduzimos o desperdício.
Como a tecnologia médica pode ajudar a reduzir custos e aumentar a eficiência das grandes estruturas de saúde coletiva no Brasil?
Das sugestões que eu relacionei acima, certamente a adoção do CUP – Cadastro Único do Paciente – e uma maior utilização de recursos tecnológicos para o desenvolvimento de uma medicina mais preditiva ocasionariam, sem sombra de dúvidas, maior economia de custos. Volto a destacar: o montante investido é pequeno, mas o pior é que ainda utilizamos mal estes recursos, repetindo exames ou iniciando tratamentos equivocados.
Quais são as principais tendências em tecnologia médica que as grandes estruturas de saúde coletiva no Brasil devem ficar atentas?
Quando falamos em tendências tecnológicas não podemos deixar de ver o que as startups vêm fazendo, e na medicina não é diferente. Tenho percebido várias iniciativas que objetivam facilitar a gestão da saúde primária e secundária. Posso destacar como tendências a grande adesão de teleradiologia e teleconsulta nas estruturas de atendimento médico, que muito irão contribuir para melhor atender o paciente. Há muitos novos modelos de negócio concentrados em melhorar o atendimento em áreas como oncologia, diabetes, cardiovascular e aparelhos respiratórios, quatro das maiores causas mortis no mundo.
Apontaria que a tecnologia médica pode ser usada para melhorar a experiência do paciente nas grandes estruturas de saúde coletiva no Brasil?
Apontaria estas mesmas tendências tecnológicas, conforme exposto acima. Com diversos aplicativos utilizados em diversas modalidades, sempre conectados, poderemos dar melhor resposta, maior agilidade e melhor precisão nos diagnósticos. Mais uma: teleconsulta evita o trânsito de pacientes. Os aplicativos que se integram, mesmo que parcialmente com o prestador de serviço, contemplam maior conveniência na recepção de dados e resultados de exames. Ou outra: testes rápidos, que contemplam cada vez mais parâmetros para diagnóstico e agora estão disponíveis em farmácias… As possibilidades são diversas, e se todas elas convergirem para uma visão centrada no paciente, farão a sua experiência ser excelente.
Como as grandes estruturas de saúde coletiva no Brasil podem garantir a segurança dos dados dos pacientes quando usam tecnologia médica?
Respeitar as diretrizes da LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados, é fundamental. Mas, na prática, preservar dados dos pacientes já é uma prática corrente na medicina. O que precisamos garantir agora é que estes dados, cada vez mais acessíveis ao corpo médico e integrados em diversas plataformas, não “vazem”. Então, aqui, a mesma responsabilidade que sempre norteou os nossos corpos clínicos permanecerão. Não tenho dúvidas da idoneidade das pessoas que trabalham com saúde em nosso país!
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