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É preciso quebrar a visão assistencialista para Apae

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Fundada em 1961, a Apae de São Paulo é uma Organização da sociedade civil sem fins lucrativos, que promove a prevenção e a inclusão da pessoa com Deficiência Intelectual produzindo e difundindo conhecimento. Atua em todas as fases da vida, da infância ao processo de envelhecimento. Pioneira em introduzir o Teste do Pezinho no Brasil, a Organização possui o maior laboratório do país especializado na área e credenciado pelo Ministério da Saúde como Serviço de Referência em Triagem Neonatal. Desde 2001, já foram realizados mais de 13 milhões de testes em bebês brasileiros. Ainda como prevenção da Deficiência Intelectual, a Organização promove e apoia pesquisas, produz e difunde conhecimento científico, trabalha pela defesa e garantia de direitos da pessoa com Deficiência Intelectual. A organização atualmente conta com Aracélia Lúcia Costa como superintendente. Formada em Serviço Social pela PUC de São Paulo, tem no seu DNA a luta pela defesa dos Direitos Humanos, já que no começo de sua carreira, trabalhou em um projeto social do Hospital Albert Einstein, na comunidade de Paraisópolis (fruto de sua tese de conclusão de curso). “Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS 2013) existem hoje no Brasil cerca de 49 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Destes, 357 mil tem algum tipo de deficiência, sendo que a pessoa com Deficiência Intelectual representa 7% destas inclusões”, afirma. 

Aracélia, quais foram os principais ensinamentos que você absorveu trabalhando com a dona Jô Clemente, considerada por tantas e tantas pessoas, a grande dama da filantropia brasileira?

Ter trabalhado com a Dona Jô Clemente foi um grande privilégio, aprendi com ela a ser persistente quando se tem um objetivo ou um ideal. Como ela mesma dizia: “sou formada em letras apagadas e ciências ocultas”, mas não deixo de buscar aquilo em que acredito. Mesmo sem conhecer teoricamente conceitos administrativos e gerenciais ela sempre foi muito viva e assertiva em suas decisões, além de sempre “encantar” as pessoas com suas histórias. Muito receptiva a novas ideias, como uma visionária, soube a hora certa de profissionalizar a gestão da Apae de São Paulo, mesmo com todo vínculo que mantinha com a Organização. Em 2003 recebi dela uma grande missão: continuar fazendo a gestão de uma Organização que já era referência no país, mas que tinha o desafio de se modernizar e de se alinhar à luta do movimento político das pessoas com deficiência.

Como foi o começo da sua jornada, até chegar à superintendência da Apae de São Paulo?

Sou formada em Serviço Social pela PUC de São Paulo e tenho no meu DNA a luta pela defesa dos Direitos Humanos. Comecei minha carreira trabalhando em um projeto social do Hospital Albert Einstein, na comunidade de Paraisópolis (fruto da minha tese de conclusão de curso). Na minha trajetória por lá, que durou cerca de 13 anos, vivi muitas experiências no campo do direito à saúde e qualidade de vida daquela população. Aprendi a “negociar” com “mandantes” locais, a entender e respeitar a lógica cultural de algumas práticas de saúde adotadas pelas pessoas mais idosas (por exemplo: as “benzedeiras”), mas principalmente, aprendi a articular ações que pudessem proporcionar de alguma forma a emancipação social e busca de dignidade humana. Iniciei como uma estagiária e sai gerenciando o Programa Einstein na Comunidade. São muitas as lembranças e aprendizados, contudo, o maior deles foi entender que independentemente do tamanho dos desafios, sempre há alternativas e caminhos a serem buscados, tudo depende da sua crença e fé de que será possível. Sou muito otimista! Quando recebi o convite para assumir a Superintendência da Apae de São Paulo, conhecia pouco sobre Deficiência Intelectual, mas acreditei que minha experiência como gestora (durante meu trabalho no Einstein, me especializei em Gestão de Organizações Sociais e Políticas Governamentais) seria importante para a nova fase de profissionalização que a Apae de São Paulo iria adentrar. Então, há doze anos, resolvi assumir este desafio com muita coragem e compromisso.

No começo das atividades, a Apae de São Paulo sofria muita resistência. Como esses momentos de resistência foram quebrados?

Toda mudança é sempre desafiadora e não poderia ser diferente na Apae de São Paulo que sempre teve uma excelente reputação e reconhecimento técnico do seu trabalho. Contudo, tive que ter habilidade e persistência para “descortinar” um passado que era brilhante, mas que precisava ser inovado. Sempre citava para minha equipe aquela frase do John Kennedy [político estadunidense que serviu como 35° presidente dos Estados Unidos (1961–1963) e é considerado uma das grandes personalidades do século XX. Ele era conhecido como John F. Kennedy ou Jack Kennedy por seus amigos e popularmente como JFK, 1917 – 1963]: “a mudança é a lei da vida. Aqueles que apenas olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro”… No passado, fomos pioneiros na implantação do Teste do Pezinho, no Serviço de Estimulação e Habilitação, entre outras coisas, mas era imprescindível que começássemos a olhar para o futuro! Era preciso que a equipe se libertasse do passado para pensar o futuro que queríamos para a Organização! Não foi fácil, alguns conseguiram, outros não tiveram tal desprendimento. No entanto, sempre usei da transparência e da objetividade para fazer as perguntas mais simples e mais importantes à minha equipe e a partir das respostas, desenhávamos o caminho a ser seguido. Cada um entendeu a importância do seu papel na mudança que buscávamos, fizemos reuniões com todos os funcionários e pais de atendidos na Organização. Neste processo passamos por muitas turbulências, mas cada vitória era comemorada por todos. E é assim que deve ser ainda hoje.

Como enxerga o tratamento dado pela mídia quando o assunto é Deficiência Intelectual?

Em minha avaliação o tema da deficiência, em geral, não é muito atrativo para a mídia pois remete o olhar para um segmento da população que ainda é estigmatizada. Não é muito diferente de qualquer outro tema ligado aos Direitos Humanos, que são tratados de forma pontual ou emergencial. Se falarmos especialmente sobre a Deficiência Intelectual, há pouco esclarecimento e informações à sociedade, que muitas vezes confunde esta deficiência com doença mental. Apesar da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência ter sido promulgada pela ONU (Organização das Nações Unidas) e ratificada pelo Brasil (onde foi incorporado ao texto constitucional), em 2009, ainda há muito a percorrer, todavia, a direção está dada! No meu ponto de vista, a mídia teria um papel importante na consolidação destes direitos à medida que poderia ser o “canal”, o “veículo” de informações relevantes sobre os direitos inerentes à dignidade destas pessoas. Poderia levar à luz, questões sobre os direitos à igualdade, à autonomia e à independência, por exemplo.

Qual é a principal dificuldade hoje da pessoa com Deficiência Intelectual no mundo contemporâneo?

Acredito que a principal dificuldade seja ser vista, percebida como uma pessoa que tem potencialidades, não só limitações. É preciso quebrar a visão assistencialista e protecionista que a maioria tem em relação às pessoas com Deficiência Intelectual. Muitos ainda tem uma visão “infantilizada” destas pessoas, o que não contribui para o desenvolvimento do seu potencial, muito pelo contrário. Essa visão faz com que tenhamos atitudes inadequadas, criando barreiras atitudinais que impedem o desenvolvimento da autonomia e da autogestão das pessoas com Deficiência Intelectual. Em um mundo onde a diversidade ganha cada vez mais força, o que favorece a inclusão de pessoas com Deficiência Intelectual, ainda há que se superar a visão estigmatizante sobre estas pessoas.

No começo, a Apae de São Paulo era mantida por grandes empresários e banqueiros. Em qual momento a profissionalização se fez necessária?

Como grande parte das Organizações Sociais, a Apae de São Paulo no passado era mantida por doações, especialmente de grandes empresários. Com o crescimento do Terceiro Setor no país (de acordo com pesquisa de 2012 temos quase 270 mil Organizações Sociais atuantes no Brasil), tais Organizações Sociais tiveram que adotar novas ferramentas e práticas de gestão. Se por um lado vivemos a busca de uma maior profissionalização de financiadores, por outro as Organizações Sociais tiveram que se adequar a este novo perfil de investimento social privado. Atualmente estamos numa fase crescente de maior concentração de recursos nas mãos de um número menor de “parceiros”, lembrando que a doação de PF (Pessoa Física) no Brasil, ainda não é muito expressiva. Diante deste cenário a Apae de São Paulo teve que profissionalizar sua gestão em vários aspectos, para além da gestão administrativa financeira, profissionalizamos nossa área de mobilização de recursos e principalmente dos Serviços de atendimento direto (Serviços fins) da Organização com a intenção de avaliarmos a efetividade e o impacto social dos nossos Serviços e ações. Acabamos de reestruturar nossa Governança Corporativa com vistas a aprimorar nossas práticas internas e estamos caminhando no sentido de dar maior transparência à nossa gestão, comunicando os resultados alcançados e não alcançados à Sociedade.

Em sua visão, o mercado de trabalho tem inserido bem as pessoas com Deficiência Intelectual?

Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS 2013) existem hoje no Brasil cerca de 49 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Destes, 357 mil tem algum tipo de deficiência, sendo que a pessoa com Deficiência Intelectual representa 7% destas inclusões. Há, portanto, no Brasil, cerca de 25 mil pessoas com Deficiência Intelectual trabalhando, o que, se por um lado é uma vitória, pois representa um número expressivo em relação a um passado recente, por outro ainda é um número pouco representativo para a realidade brasileira. Com a implantação na Apae de São Paulo, desde 2013, da Metodologia do Emprego Apoiado, nós saltamos da média de 100 inclusões/ano para 300 inclusões/ano, o que representou um aumento de em média 200% no número de pessoas com Deficiência Intelectual incluídas. Isto é algo que atribuímos não só à Metodologia do Emprego Apoiado, mas também a uma maior abertura do mercado de trabalho e das empresas, para esta população que, mesmo entre o grupo maior de pessoas com deficiência, tem sido sempre a menos contratada, a mais excluída. O cumprimento da chamada Lei de Cotas (Lei 8.213/91) representaria hoje quase 1 milhão de empregos formais para pessoas com deficiência, o que, ainda assim, seria insuficiente se pensarmos que, segundo dados do IBGE de 2010, 24,5% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, o que equivale a cerca de 42 milhões de pessoas. O que vemos é que, mesmo com a Lei, temos menos de 1% dos empregos do Brasil sendo ocupados por pessoas com deficiência, o que mostra o tamanho do desafio que ainda temos pela frente. Contudo, apesar deste cenário, podemos afirmar que hoje existe maior abertura por parte de empresas, sobretudo daquelas com maior responsabilidade socioambiental, para a inclusão da pessoa com Deficiência Intelectual, o que é sustentado pelo fato de inúmeras empresas, de grande porte, procurarem hoje a Apae de São Paulo para que, em parceria conosco, construam programas sólidos e consistentes para a contratação e permanência deste público no mercado de trabalho.

Ainda sente que as pessoas ficam “baqueadas” quando ocorre um caso de Síndrome de Down onde elas estão ligadas diretamente?

Com a inclusão social, a sociedade, de um modo geral, já não fica mais “chocada” com as pessoas com Síndrome de Down, mas ainda é comum percebermos que as pessoas se sentem inseguras ao lidar com eles. A partir do instante em que há suspeita ou confirmação da Síndrome de Down, o apoio e o suporte da família são fundamentais. Pensando nisso, a Apae de São Paulo desenvolveu o programa Momento da Notícia, composto por psicólogos e pelos chamados “pais-apoio” – voluntários que têm filhos com Síndrome de Down e oferecem apoio aos pais que receberam a notícia recentemente.

Poderia nos explicar como é o moderno sistema de gestão integrada da Apae de São Paulo, que tem rendido elogios de vários especialistas?

Há alguns anos a Apae de São Paulo passou a adotar a prática da construção do PE – Planejamento Estratégico a cada ciclo de três anos. Esta prática de gestão tem dado suporte ao desenvolvimento de Plano de Ação Anual que é ancorado nas diretrizes macro de médio prazo. O processo de construção é participativo e conta com o envolvimento do CA – Conselho de Administração, Diretoria Executiva, funcionários e voluntários que estão na operação. O objetivo é que todos possam se envolver e se comprometer com o futuro da Organização. Desenhamos um PE para o ano de 2015 a 2017 com 10 objetivos ou imperativos estratégicos. No Plano de Ação de cada exercício (ano) constam metas estratégias e operacionais de todos os Serviços da Apae de São Paulo, que são distribuídas ao longo de cada ano, com indicadores mensuráveis que são acompanhados pelos Gestores cotidianamente, pela Superintendência quinzenalmente e pela Direção voluntária quadrimestralmente. Todos os indicadores são lançados em um “painel de bordo” que pode ser visto e monitorado a qualquer tempo e momento. No caso de qualquer desvio negativo, o gestor imediatamente traça uma rota de correção no próprio sistema que é também acompanhada pela Superintendência. A Apae de São Paulo é integrante do POS – Programa para Organizações Sociais da FDC –, da Fundação Dom Cabral, que é a facilitadora do processo de monitoramento das metas estratégicas, do desenvolvimento de lideranças e responsável por ajudar a Organização a avançar em temas específicos de gestão por meio de monitorias semestrais. Recentemente, implantou um Sistema de Gestão em Saúde em uma plataforma única, totalmente integrada e flexível com ferramentas para o gerenciamento integrado de processos, pessoas e informações. Configurada de acordo com as características e particularidades de cada serviço, integra os processos de faturamento, financeiro, suprimentos e controladoria, proporcionando aos gestores uma visão global da Organização. A seguir os principais benefícios com este Sistema de Gestão: Integração, controle e otimização dos processos; Segurança; rastreabilidade e integração das informações; Garantia de confiabilidade do sistema, em virtude da consistência das regras de cada Serviço; Melhoria nos resultados financeiros, com gestão de suprimentos, faturamento, finanças e controladoria; Qualidade e segurança assistencial e melhoria no atendimento das pessoas atendidas com o uso da prescrição e do prontuário eletrônico, das ferramentas de gestão do atendimento e de suporte.

Qual o papel fundamental da família na ajuda das pessoas com Deficiência Intelectual?

A própria Constituição Federal reconhece, no seu artigo 226, que a família é a base da sociedade. Assim qualquer pessoa, inclusive a pessoa com deficiência, tem assegurado o direito de crescer, ser criada e educada no núcleo familiar. Sendo então a família o núcleo social primário (àquele que propicia as condições básicas de vínculo, apoio ao crescimento e desenvolvimento, maturação e socialização) ela se torna indispensável para o futuro de qualquer pessoa. No caso específico da pessoa com Deficiência Intelectual a família assume também um papel de agente de mudança de atitude social. Ela será o elemento fundamental e corresponsável nas ações desenvolvidas no processo de inclusão social das pessoas com Deficiência Intelectual. Na Apae de São Paulo trabalhamos sempre com três dimensões relevantes à inclusão social: (1) a autonomia da própria pessoa com Deficiência Intelectual, (2) a sua família e (3) o ambiente em que está sendo inserida. Para uma inclusão efetiva precisamos trabalhar sempre com estas três dimensões paralelamente.


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