Elena Landau faz parte do grupo de economistas formados pela PUC-Rio. Entre seus principais expoentes estão os economistas Armínio Fraga, Persio Arida, Gustavo Franco, André Lara Resende, Francisco Lopes, Pedro Bodin e Edmar Bacha. Alguns deles foram os responsáveis pela criação do Plano Real, lançado em julho de 1994, momento em que o Brasil inaugurou o período de estabilidade econômica, pondo fim a décadas de inflação descontrolada. É Mestre em Economia pela própria Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Cursou parte do programa de doutorado em Economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), mas não chegou a concluir, passando a se dedicar ao estudo do Direito. Formou-se em Direito também pela PUC-Rio. Em janeiro de 1994, tornou-se diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), até junho de 1996. Elena Landau é reconhecida pela edição latino-americana da revista Chambers and Partners, principal publicação especializada no perfil dos principais advogados do mundo, como uma das principais advogadas brasileiras, notadamente por sua atuação na área de regulação do setor elétrico. Em janeiro de 2018, Landau foi anunciada como Presidente do Conselho Acadêmico do Livres, um movimento político de orientação liberal. “A crise do Estado brasileiro tem diferentes dimensões”, afirma a economista.
Elena, o Brasil precisará passar por uma desestatização para ter um desenvolvimento pleno?
Sem dúvida alguma. A crise do Estado brasileiro tem diferentes dimensões. A fiscal é a mais discutida na mídia, principalmente por conta do teto dos gastos e da reforma frustrada da previdência. O endividamento crescente e a possibilidade do descumprimento da regra de ouro são preocupações permanentes e o tema fiscal é muito debatido. A segunda dimensão é a crise na oferta de serviços. O brasileiro paga muito imposto, 33% do PIB, que não retorna na forma de serviços. A complexidade do sistema tributário dificulta que o cidadão saiba quanto paga e de que forma. Além da complexidade, e em consequência dela, não há transparência. Precisamos de uma reforma tributária que nos leve a uma cidadania tributária: que a população saiba quanto contribui e quanto recebe de volta.
E a terceira dimensão é o Estado inchado e ineficiente, incompatível com o Brasil moderno, com a necessidade de aumentar produtividade, emprego e renda. O Estado que temos está presente demais na atividade econômica, o que é inclusive contrário ao que diz a Constituição em seu art. 173, e ausente das suas funções típicas de prestação de serviços públicos de qualidade. Temos uma atuação perversa do Estado que induz a uma desigualdade na distribuição dos recursos: previdência pública com mais privilégios que o INSS, serviços de educação e saúde pública muito piores que o privado, sistema tributário regressivo. Uma refundação do Estado é crucial. E a desestatização é parte fundamental desta refundação.
Algum candidato (com chances reais de vitória) tem perfil para isso?
Muitos falam em privatização, mas entre os que têm chance de vitória há graus diferentes. Por exemplo, o Alckmin é o que tem a visão mais completa desta crise, mas já anunciou que não privatiza Petrobras e Banco do Brasil porque os setores onde atuam exigem uma reestruturação prévia. Marina fala em setores estratégicos e inclui Eletrobras entre eles, que não tem nada de estratégico. Mas não diz como será possível a sobrevivência da empresa sem capitalização, seja do setor privado, como estava prevista, seja do setor público. Ciro Gomes fala até em recompra de ativos. Bolsonaro, por meio de seu assessor, diz que vai vender tudo, arrecadar entre 700 bi e 1 tri em curto prazo.
É muito irresponsável porque é inexequível. É um discurso de campanha para tentar apagar um passado que aponta para o oposto disso. Tanto assim, já voltou atrás e tem algumas restrições a uma privatização ampla. Entre todos esses, acho a proposta do Alckmin a melhor, porque, para vender Petrobras e Banco do Brasil, é necessário que antes se desenhe qual o modelo de competição dos setores em que essas estatais atuam. O setor bancário está extremamente concentrado e a Petrobras é monopolista. Não se deve desestatizar e manter concentração e monopólio. A questão fiscal não é a única razão para a retirada do Estado da economia, deve propiciar competição e eficiência também.
Como avalia o Governo Temer neste quesito?
Temer só avançou um pouco na área de concessões. Na privatização foi muito fraco. A venda das distribuidoras da Eletrobras foi decidida pelos acionistas numa AGE (Assembleia Geral Extraordinária) porque o Tesouro se recusou a continuar capitalizando empresas tão ineficientes. Mas não houve empenho para efetivar essa venda. O edital levou quase dois anos para ser publicado e o leilão está marcado para 27 de julho, sete meses atrasado. Essa venda só está indo adiante por empenho da empresa, não do Governo. A privatização da holding Eletrobras começou errada e estava claro que não iria sair neste Governo. Não se consegue apoio para privatização quando o objetivo principal é gerar caixa pra cobrir déficit primário.
E como vê a visão da sociedade como um todo quando é trazida para refletir sobre esse tema?
A sociedade está machucada. Foi traída pelas promessas do Governo petista. Descobriu que não há pote de ouro no fim do arco-íris e que dinheiro não cresce em árvore. Que se endividar acreditando na alquimia que Dilma vendeu é um tiro no pé. Chegou a sonhar e caiu no abismo com a maior recessão da nossa história, e tudo muito rápido. Acreditou no Governo reformista do Temer, que até conseguiu interromper a recessão e começar um crescimento, mas não o suficiente para compensar a profundidade do desemprego herdado de Dilma. E some-se à frustração na economia os seguidos escândalos de corrupção e os péssimos serviços prestados, apesar dos impostos pagos. É muita frustração.
A indignação é compreensível. Mas a sociedade ainda não entendeu que as reformas são fundamentais para retomar o crescimento e aumentar a produtividade. E que só isso aumentará o emprego. Além disso, é preciso parar de depender do Estado, acabar com esse vício e aprender que somos donos do nosso destino. Para isso, o Estado tem que promover igualdade de oportunidades e não ser dono de estatais. Não pode concentrar a atuação em universidades públicas e negligenciar a educação da primeira infância. Vai levar tempo, mas não podemos desistir.
Acredita que a demonização sobre o papel das privatizações é uma questão ideológica ou de falta de conhecimento?
A demonização é culpa do próprio PSDB que não soube defender seu legado na área. Não explicou os benefícios para a sociedade da retirada do Estado das atividades privatizadas. Deu ênfase ao aspecto fiscal e não ao acesso a melhores serviços. Não respondeu às mentiras sobre corrupção, assistiu de braços cruzados ao termo privataria crescer no imaginário e nas redes sociais. Não cobrou de Lula a promessa de investigar e desfazer as privatizações. O melhor que poderia ter acontecido seria uma profunda investigação do PT no Governo sobre o processo de desestatização. Se Lula tinha convicção dos desvios e não investigou, cometeu crime de prevaricação. Mas Lula sabia que não ia encontrar nada e deixou as suspeitas no ar.
Há também um desconhecimento da população sobre a importância da redução do Estado, do esgotamento dos recursos públicos. Acho que esse aspecto melhorou um pouco com a Lava Jato e com a crise fiscal. A aceitação aumentou, mas pelos motivos negativos e não pelos benefícios. Há também uma manipulação dos políticos sobre o que seria “estratégico”. Na realidade, estratégico é só manter os empregos dos apadrinhados deles. Não pensam nem nas empresas, nem na sociedade, assistiram de braços cruzados à destruição das estatais pelo Governo Dilma e agora vêm falar em defesa do patrimônio nacional. Uma boa e permanente campanha, honesta, sobre as vantagens da privatização ajudaria muito.
Fale um pouco para nós sobre os pilares que norteiam as ideias do Livres.
A característica mais importante do Livres é a defesa de um liberalismo por inteiro. Um liberalismo progressista, longe da agenda conservadora que geralmente acompanha quem se diz liberal no Brasil. O ponto fundamental é que as pessoas sejam realmente livres para decidir sobre suas vidas, como vão se comportar, com quem se relacionar, o que fazer com o seu corpo e, claro, o que fazer com seu dinheiro. Existem muitos desafios pra isso. Somos um país formado com 300 anos de escravidão e desigualdades muito profundas.
Precisamos enfrentar isso com inclusão social e igualdade de oportunidades. Todo mundo tem que ter segurança para ir e vir, direito de propriedade, acesso à justiça, condições básicas de saúde, uma educação que permita o desenvolvimento. E temos que entender que nada disso vem com um Estado mastodonte. Tem que acabar esse fetiche, esse vício brasileiro no Estado. Serviço público não precisa ser necessariamente estatal. Quando a preocupação com inclusão é real, a eficiência para fazer o serviço chegar em quem precisa é muito mais importante que qualquer preconceito ideológico.
Qual é o seu papel no Conselho Acadêmico do Livres?
Eu me dedico a trazer conteúdo de grandes acadêmicos com ideias liberais, sem conotação partidária. O conselho hoje é composto por Persio Arida, Sandra Rios, Samuel Pessôa, Ricardo Paes e Barros e Leandro Piquet. São todos especialistas em suas áreas que sugerem temas, debatem ideias, divulgam o liberalismo. Próximo passo é incluir nomes de igual valor em outras áreas fora da economia, como cientistas políticos e juristas. Temos muitos de colaboradores de altíssimo padrão, como Paulo Tafner, Adriano Pires, Cleveland Prates, José Márcio Camargo, Irapuã Santana, Claudio Shikida e muitos outros, que querem colaborar com a agenda liberal, mas uma agenda liberal de verdade. Porque tem muita gente por aí se dizendo liberal, mas extremamente conservador.
Como escapar da velha política e se reinventar como é o desejo do Livres?
Acho que o que ocorreu com Livres e PSL mostra a dificuldade de escapar dos donos de partidos. E a rápida resposta do Livres à entrada do Bolsonaro foi muito relevante e muito bem recebida. Fomos procurados por muitos presidentes de partidos e ficamos muito felizes com o apoio recebido. Não conseguiremos avançar, nem o Livres, nem a sociedade, sem uma reforma política que permita a renovação, que retire o poder dos caciques políticos, que aumente a transparência partidária e a democratização na representação, que permita que o eleitor esteja perto do parlamentar em quem votou, cobrando, aplaudindo e acompanhando. Por isso, acho que, com a reforma da previdência e um choque no sistema educacional, a reforma política é essencial.
O papel do BNDES deve ser revisto em algum ponto?
Em quase todos os aspectos. O que o BNDES fez no mandato de Luciano Coutinho é tudo que deve ser evitado. Expulsou o mercado de capitais, subsidiou quem não precisava, pagou salários elevados demais, gastou 500 bilhões de reais sem elevar a produtividade e eficiência da economia. BNDES é hoje um banco em busca de uma função. Só vejo participação para o BNDES ainda na infraestrutura. Ele não precisa atuar tanto em pequena e média empresa porque não tem a capilaridade para isso e é apenas um middleman, encarecendo o custo do crédito. Não precisa estar em inovação e tecnologia porque já há instituições estatais para isso. Não há necessidade de duplicar funções, muito pelo contrário. E deveriam levar mais a sério a venda da carteira do BNDESpar. Tem que no mínimo terceirizar a administração da carteira para evitar a politização da atuação. Por exemplo, o que ainda faz o BNDES na Vale 20 anos após a privatização?
Eficiência é uma característica mais aguda nas empresas privadas ou empresas do setor público podem ser tão eficientes quanto?
Muito difícil obter o mesmo nível de eficiência, diria que impossível. Não há como implementar incentivos com a rigidez nas remunerações e dispensas, ou mesmo com os incentivos errados que vemos nas estatais. Por exemplo, participação nos lucros independentemente de resultado, estabilidade, etc. Não está na lei, mas virou regra. Há também as indicações políticas, interferência na política de preços, falta de agilidade por conta da lei de licitações. Há inúmeras razões legais e culturais para tornar empresas estatais mais ineficientes. Por isso, a privatização é importante para toda a sociedade, porque aumenta a produtividade e a geração de empregos. Veja o volume de investimentos realizados por empresas privatizadas e os empregos indiretos que geraram. Além do aumento de impostos pagos.
A reconstrução do Brasil é algo que notaremos em um médio prazo pela sua larga experiência?
Este é um ano determinante. Se nesta eleição o país optar por um populista de direita ou de esquerda, como Bolsonaro e Ciro, estaremos andando para trás e mais uma década será perdida. Se conseguirmos evitar esses extremos e eleger alguém de centro, com ideias liberais para economia, como abertura comercial, privatização, melhoria do sistema educacional, reforma da previdência, refundação do Estado, aí há esperanças. Só dependerá dos eleitores.
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