A carreira de Flávio Bauraqui no meio artístico teve início em 1993, quando decidiu se mudar do Rio Grande do Sul para o Rio de Janeiro em busca de novas oportunidades. Desde então representou grandes papéis no teatro, no cinema e na televisão. Quando chegou ao Rio, aos 27 anos, trabalhou como porteiro em um prédio e, mesmo com o peso do trabalho, jamais esqueceu a arte. Dava aulas de dramaturgia para os condôminos e em todas as datas comemorativas criavam esquetes para se apresentar. Após este trabalho fez estudos na renomada Tablado e encarou seu primeiro protagonista em “O Gato de Botas”. Seu currículo conta um Kikito, maior prêmio do cinema nacional, de melhor ator, recebido em Gramado por sua atuação no longa “Ninjas”, lançado em 2010 e dirigido por Dennison Ramalho. Também atuou em grandes referências da arte nacional, como os filmes “Madame Satã”, “Mutum”, “O Céu de Suely”, “Noel – Poeta da Vila”, “Quase Dois Irmãos”, “O Cheiro do Ralo” e o mais recente, “Faroeste Caboclo”; em novelas da TV Globo como “Caras e Bocas”, “Paraíso Tropical”, “Duas Caras” e “Meu Pedacinho de Chão”; e, no teatro nos espetáculos “Festa no Céu”, “A Excêntrica” e “Família Silva”. Atualmente Flávio interpreta Cartola no musical “Cartola – O Mundo é um Moinho“, que presta uma homenagem ao lendário cantor, compositor e sambista.
Flávio, seus primeiros trabalhos no teatro são em sua cidade natal Santa Maria no estado do Rio Grande do Sul. Quais experiências você traz de lá e que leva consigo até os dias atuais?
Acredito que o paralelo do ponto de partida com o ator maduro que sou hoje, veio daquele menino de 15 anos, cheio de sonhos e com vontade de ser! Menino que torno a olhar e que me realimenta de força, foco e encantamento pelo meu amado ofício.
Você pode ser considerado um autoditada. Qual foi a coisa mais surpreendente e lúdica que encontrou nas suas primeiras oficinas e que não encontraria no seu autodidatismo?
Tudo é importante. Aprendi nas muitas oficinas que fiz e no encontro com a escola Tablado onde conheci Maria Clara Machado [escritora e dramaturga, autora de famosas peças infantis e fundadora do Tablado, escola de teatro do Rio de Janeiro 1921-2001], além e também no estudo das escolas teatrais. Através das preparações do cinema, descobri muito sobre meu ator, e claro lendo muito também. Hoje em dia sou uma mistura de tudo… já que tive grandes mestres! Estou sempre disposto a aprender! Estudar é libertador!
E o que você encontrou no seu autodidatismo que não encontraria em nenhuma oficina de interpretação, canto ou dança?
Talvez meu jeito particular de fazer o que faço! Mais se pudesse voltar, teria feito diferente. Teria uma formação acadêmica. Sou muito observador em cada trabalho. Fico atento querendo aprender!
O quão é importante a renovação constante na carreira de um ator?
É muito importante. Acredito na renovação do olhar do ator. O mundo gira e a forma de ser e ver a vida se transforma. Estagnar não é bom!
Em que momento você acredita ter encontrado a sua forma única de atuar tanto no cinema, como também no teatro e na televisão?
Ainda estou buscando e acredito que continuarei até o fim… A construção é diária dentro e fora do trabalho. Este processo é para mim do ser humano que caminha paralelamente com o artístico. Minha observação é diária… Das pessoas, dos comportamentos, das coisas que vejo, que formam e atualizam esse olhar!
De todos os personagens que fez, qual deles foi o mais desafiador pela complexidade do tema que girava em torno da obra?
São tantos… meu perfil é esse, ou seja, gostar de desafios. Vou citar alguns: Tabu de “Madame Satã”, meu primeiro longa; Jorginho de “Quase Dois Irmãos”, fundador do Comando Vermelho; Artur Bispo do Rosário do filme “O Senhor do Labirinto”; Lima Barreto no espetáculo “Lima Barreto, ao terceiro dia”; Jailton no filme “Ninjas”; Rodapé na novela “Meu Pedacinho de Chão” – um menino no corpo de um adulto… um dos trabalhos na TV de grande realização; Ezequiel Caó dos Santos de “Duas Caras” – onde pude colocar em questão, meu olhar sobre a fé, entre outros…
Um dos seus trabalhos mais incríveis em nossa visão foi “O Senhor do Labirinto”, onde interpretou o artista Arthur Bispo do Rosário. Como foi a pesquisa e o desenvolvimento desse trabalho em especial e qual o momento mais surpreendente desta produção para você?
Esse trabalho foi um mergulho profundo no universo, onde tudo que aprendi como lógica acabou caindo por terra. Quem são os verdadeiros loucos? Os que estão aqui fora e que fazem tudo como manda o figurino? Tendo atitudes de bom-tom e tentando ser igual a todos para serem aceitos e com isso se anulando? Bispo ouvia em sua esquizofrenia um anjo. Um dia na minha solidão de artista, que especificamente nesse trabalho, não sabia muito para onde ir, simplesmente fui seguindo meus instintos. Então, copiei o filme do talentoso e generoso documentarista Hugo Denizart [o filme no caso é o documentário “Prisioneiro da Passagem” de 1982, que também fala sobre a vida do artista sergipano]. Copiei o áudio repetidamente, usando a voz e a forma liberta de Bispo como meu guia. Meu anjo foi determinante para o resultado de construção do personagem… Um filme que não teve a figura do profissional, do preparador. Digamos que junto com o Bispo, fui meu próprio preparador para ser dirigido pelos diretores do filme que me deixaram ser livre! Aprendi com o Bispo muitas óticas. E uma frase que diz tudo: “Estar no mundo, porém, é só para quem enxerga”. E então, quem são os loucos?
A arte deve ter um papel social?
A arte é muito forte… Forma ou deforma quando é feita sem comprometimento. A arte questiona, provoca, acalma e instiga. Somos nossa sociedade em cada som, traço do pintor, na composição musical, além de todos os outros gêneros artísticos. Porém, a arte tem várias caras! Cumpre vários papéis na sociedade! É livre para ser percebida!
Você foi diretor de uma entidade voltada ao bem-estar do menor. O que mais lhe marcou nesta experiência?
Fiz teatro como instrumento de inclusão. Muitos queriam o teatro, porém, gostavam da liberdade das ruas e vinham atraídos pela arte e alimentação! Eram atores viscerais. Tudo que faziam era profundo nada na superfície. Para minha surpresa, encontrei alguns primos e primas. Assim ficou bem claro que as coisas estão mais próximas de nós, ou seja, tornar o outro inviável fica falsamente mais confortável… Ledo engano!
Cartola talvez seja a expressão máxima quando o assunto é o samba do nosso país. Quais os prazeres e as responsabilidades de estar na pele de um gigante da cultura nacional?
Muitos com Cartola, construíram nossa história… somos um país cheio de talentos. São muitos nomes a serem resgatados, relembrados. Como tenho muito prazer em ser ator, o importante é trabalhar com prazer. Não tenho medo, nem peso algum, apenas trabalho muito! Não acredito em títulos definitivos como “ótimo ator”. Se o ator não estudar, o trabalho não se realiza. No Brasil, existe uma forma de pensar, onde uns são escolhidos e outros ficam invisíveis, assim como o próprio Cartola ficou, o que é triste! Hoje infelizmente, ainda é assim. Precisamos evoluir! Vamos olhar para todos, não caindo na cilada de só enxergar, quem as mídias manipuladoras nos fazem ver ou cegar.
O Flávio espectador e crítico é exigente até que ponto com o Flávio ator?
Sou bem severo, quanto a não relaxar… Não dou desculpas para a labuta diária, para a disciplina. Porém, peito minhas escolhas artísticas! E sobretudo, estar a serviço da obra é não sobrepor minha vaidade nos trabalhos.
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