Formado em filosofia pela USP, professor de psicanálise e membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Guilherme Boulos também atua na Frente de Resistência Urbana e é autor do livro “Por que Ocupamos: uma Introdução à Luta dos Sem-Teto”. Boulos é apontado como uma das lideranças do novo ativismo político que reivindica melhores condições de vida nas cidades brasileiras – como o acesso à moradia com saneamento básico e serviços públicos que funcionem bem. Atualmente é considerado por especialistas, um dos principais nomes da esquerda brasileira, principalmente depois dos episódios ocorridos em junho de 2013. Também assina uma coluna às quintas-feiras no jornal Folha de S.Paulo. “O significado da palavra “radical” é timar as coisas pela raiz. Neste sentido sou radical e penso que todos os que querem mudanças de verdade devem ser. A nossa sociedade precisa ser transformada estruturalmente, o capitalismo se mostrou incapaz de garantir vida digna para a maioria da humanidade. Chegamos a um nível de desigualdade gritante. Em 2016, pela primeira vez na história, a renda dos 1% mais ricos irá superar a dos outros 99% no mundo. (…) O MTST nasceu em 1997 a partir de iniciativas de atuação urbana do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Já tem 18 anos de luta”, afirma o coordenador do MTST.
Guilherme, como se sente quando lhe dizem que você tem em suas costas, o destino de milhares de famílias que lutam pelo direito à moradia?
O MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) é uma organização coletiva. O destino das milhares de famílias que compõem o movimento está na luta delas próprias, não nas costas de algum dirigente.
Muitas publicações definem você como um radical. Você se considera um radical?
O significado da palavra “radical” é timar as coisas pela raiz. Neste sentido sou radical e penso que todos os que querem mudanças de verdade devem ser. A nossa sociedade precisa ser transformada estruturalmente, o capitalismo se mostrou incapaz de garantir vida digna para a maioria da humanidade. Chegamos a um nível de desigualdade gritante. Em 2016, pela primeira vez na história, a renda dos 1% mais ricos irá superar a dos outros 99% no mundo. Ser radical é se opor firmemente a este sistema social.
Como nasceu o MTST?
O MTST nasceu em 1997 a partir de iniciativas de atuação urbana do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Já tem 18 anos de luta. Hoje está organizado em oito estados do Brasil e reúne cerca de 40 mil famílias em suas ocupações e núcleos comunitários. O crescimento do MTST é alimentado pelo agravamento da crise urbana e do problema da moradia no país.
O MTST, acredita que o “Minha Casa, Minha Vida” pode ser melhorado. Em que pontos o programa é falho na sua visão?
O MCMV (Minha Casa, Minha Vida) não foi feito para resolver a questão habitacional, mas para injetar liquidez no setor da construção civil. Tem vícios de origem. As construtoras são os agentes preponderantes na definição dos empreendimentos: na localização, projeto e obra. O Estado atua apenas como agente financiador, abrindo mão de regular e planejar a política urbana. Isso é desastroso e coloca a rentabilidade em primeira ordem. O programa está voltado para o lucro de construtoras, incorporadoras e proprietários de terra, não para produzir habitações de qualidade e bem localizadas. Por isso é necessário mudar a lógica. Manter a parte boa, que é o subsídio para os mais pobres, mas alterar a gestão dos projetos. Privilegiar a gestão direta pelos futuros moradores, estimulando sua organização, em detrimento da gestão privada das construtoras. E garantir um nível de regulação que assegure moradias dignas.
Você afirma que a elite brasileira é atrasada e semeia o ódio contra as classes sociais mais baixas e minorias. Não é complicado hoje taxar que a elite semeia o ódio, sendo que muitos esquerdistas históricos de certa forma, fazem parte dela também?
Há leões e camaleões. A esquerda brasileira tem lutadores históricos que mantiveram sua coerência ao lado dos oprimidos até a morte. Muitos, aliás, morreram por essa coerência. Marighella [Carlos Marighella, político, guerrilheiro e poeta, um dos principais organizadores da resistência contra o Regime Militar a partir de 1964. Chegou a ser considerado o inimigo “número um” no Regime Militar, 1911 – 1969], Lamarca [Carlos Lamarca, militar e guerrelheiro, um dos líderes da oposição armada à ditadura militar brasileira instalada no país em 1964, 1937 – 1971] ou Julião [Francisco Julião, advogado, político e escritor, foi líder em 1955 das Ligas Camponesas (organizações cujo objetivo era lutar pela distribuição de terras e os direitos para os camponeses), no Engenho Galileia, 1915 – 1999]. Temos figuras que deram e dão suas vidas pelos princípios socialistas, como Frei Betto [Carlos Alberto Libânio Christo, escritor e religioso dominicano brasileiro, filho do jornalista Antônio Carlos Vieira Christo e da escritora e culinarista Maria Stella Libanio Christo, autora do clássico “Fogão de Lenha – 300 anos de cozinha mineira” (Garamond). Militante de movimentos pastorais e sociais, tendo ocupado a função de assessor especial do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva entre 2003 e 2004. Foi coordenador de Mobilização Social do programa Fome Zero, 1944 -] que nos seus 70 anos esbanja coerência. Milhares de militantes mantêm hoje os mesmos princípios que defendiam muitos anos atrás. Agora há os camaleões, que não são a maioria e muito menos parâmetro de julgamento, que se renderam às benesses do poder e foram cooptados pela elite brasileira. O fato de terem ido para lá não quer dizer que a elite se tornou melhor, menos odiosa, mas sim que eles se tornaram piores.
Qual o raio x que você faz hoje da esquerda no Brasil?
A maioria da esquerda brasileira depositou suas esperanças no petismo. Construiu o PT e acreditou que no Governo o PT seria o agente de transformação da sociedade brasileira. As coisas não ocorreram bem assim. Depois de 12 anos, mesmo com avanços sociais, o petismo não ousou pautar nenhuma das reformas populares que impedem a democratização da sociedade brasileira. O PT rendeu-se às práticas e ao conservadorismo reinante no Estado brasileiro. Diante disso, a esquerda se dividiu em muitos fragmentos. Hoje o desafio é construir uma alternativa unitária capaz de levar adiante o projeto de transformação popular do Brasil. E isso, temos claro, não sairá de querelas institucionais, mas de ampla mobilização dos trabalhadores.
Acredita que o Governo liderado pelo PT, ainda pode ser considerado um Governo de esquerda, já que o ministro da Fazenda é ligado à tucanos como Armínio Fraga e no Ministério da Agricultura está a pecuarista Kátia Abreu, que já foi uma crítica feroz do Governo Lula?
O Governo petista, nos 12 anos e não apenas agora, não foi um Governo propriamente de esquerda. Foi um Governo que se preocupou com políticas sociais, mas deixou de lado as bandeiras históricas da classe trabalhadora.
O que deveria ser feito para conter a especulação imobiliária no país?
Para começar, deveria cumprir-se a lei. A Constituição exige que a propriedade tenha função social. A especulação imobiliária é exatamente o jogo em torno de propriedades ociosas, sem função social. O Estatuto das Cidades estabelece uma série de penalizações à especulação imobiliária. É de 2001, mas até hoje é letra-morta neste aspecto. Então, se a lei é cumprida quando interessa à burguesia deveria ser quando estabelece restrições a seus ganhos. É o velho patrimonialismo do Estado brasileiro em ação.
Mas, além disso, hoje é preciso avançar em outras medidas, como uma nova lei do inquilinato, que estabeleça um controle social do valor e reajuste de aluguéis urbanos. Casa não pode ser tratada como ativo financeiro.
Você afirma que o PSDB tem vergonha de assumir suas posições que assemelham a extrema-direita. De onde você acredita que vem esta vergonha?
Esta vergonha acabou. O PSDB passou a encampar nos últimos meses o lacerdismo [referência ao ex-governador do estado da Guanabara e fundador do jornal Tribuna da Imprensa Carlos Lacerda, 1914 – 1977. Seria a definição do interesse político travestido de indignação moral] mais escancarado, defendendo um golpe paraguaio no Brasil. Minha afirmação anterior superestimou a vergonha na cara dos tucanos.
Qual a sua visão da mídia como um todo, principalmente na forma de conduzir notícias ligadas aos movimentos populares?
A mídia brasileira é escandalosamente monopolista. Seis famílias detêm o controle de 70% dos meios de comunicação de massa. E fazem disso um grande negócio financeiro e mecanismo de extorsão do Estado. É inaceitável que um tema tão importante socialmente como o direito à comunicação seja assunto de empresas privadas. É urgente e necessária uma iniciativa de democratização das comunicações no país. A forma como a mídia noticia os movimentos reflete esse seu caráter elitizado e conservador. Normalmente o tom é de desmoralização ou criminalização da luta social.
Em seus textos, você sempre deixa claro que é favorável à reforma política. Como fazer essa reforma, quando quem tem esse poder para essa realização, na maioria das vezes não quer executá-la?
É ilusão achar que o Congresso fará reforma política de verdade. Uma reforma política que toque em temas como aprofundamento de mecanismos de democracia direta e o fim do financiamento privado eleitoral só será conseguida com grandes mobilizações de massa.
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