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Marcelo Villin Prado fala sobre o setor de varejo

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Marcelo Villin Prado é economista e diretor do IEMI – Inteligência de Mercado. Criado em 1985 para atender a crescente demanda das indústrias e entidades por dados numéricos e comportamentais relativos aos seus mercados, bem como para ajudar a sustentar o planejamento de suas ações, o IEMI tornou-se a principal fonte de informações para importantes setores da economia do país. Atua em todo território nacional contribuindo para o melhor desenvolvimento de seus clientes, além de ter parceiros para realização de estudos e pesquisas nos principais mercados do mundo. O IEMI é uma empresa que, em sua missão, privilegia a qualidade de seus serviços e pauta seus métodos, procedimentos e atitudes, pelos mais elevados padrões éticos. “Os segmentos de moda, por exemplo, roupas, calçados, cosméticos e outros, foram os mais impactados, uma vez que dependem fortemente de pequenos varejistas, tradicionais e analógicos, que pouco puderam fazer para compensar o fechamento de suas lojas físicas, com ações de vendas pela internet, além do fato de que os consumidores em casa sentiram muito menos necessidade ou atração para consumir esses produtos, já que boa parte das suas roupas são para sair de casa e hoje estão meio que esquecidas no guarda-roupa. Para essas categorias, a queda nas vendas agregadas chegou a superar 90% em algumas semanas”, afirma o economista.

Marcelo, o que essa crise poderá trazer para as empresas em todos os seus aspectos?

Depende muito do setor. Se considerarmos setores como os de alimentos, bebidas, pet, higiene pessoal, remédios e outros, a crise os afeta de diferentes formas, mas ainda assim contam com seus principais canais de distribuição abertos e com uma demanda elevada de pedidos, tanto para o mercado interno, quanto para exportações. De outro lado, as empresas impactadas diretamente pela quarentena como o comércio de bens não essenciais, ou indiretamente, como seus fornecedores e prestadores de serviço, esses tiverem seus canais de distribuição fechados e se viram obrigados a interromper total ou parcialmente as suas atividades, tendo que lidar com uma redução drástica de suas receitas. Para esses setores, por mais que se criem políticas públicas de alívio para atravessar esse momento, o colapso que isso está gerando e ainda vai gerar em seu fluxo de caixa, causará o desaparecimento de um número considerável de empresas e empregos nesses segmentos. Agora, pior mesmo se observa em segmentos como o de turismo, viagens áreas e intermunicipais, cinemas, teatros, festas, eventos e feiras profissionais, entre outros, onde a situação é desoladora e sem perspectivas para os próximos meses…

No médio prazo, ou seja, até o final do ano, quando se espera que o surto já tenha arrefecido e o comércio físico reaberto, já de uma forma plena (ainda que com restrições sanitárias, como se espera), é possível que tenhamos uma recuperação mais forte desses setores, por uma combinação de demanda reprimida, com velhos estímulos de consumo como o 13º. e datas relevantes do varejo, como o Dia das Crianças, Black Friday, Natal e Réveillon. Ainda é difícil prever se haverá tempo suficiente para essa recuperação se materializar até o final do ano, mas se ela ocorrer, será importante para criarmos as condições necessárias para uma recuperação mais sólida e sustentável em 2021, já que os mecanismos econômicos para isso estarão presentes, como inflação e juros baixíssimos e alta injeção de liquidez no mercado através das políticas públicas que estão sendo implementadas.

Como vê o movimento dos consumidores nas áreas de atuação do IEMI?

Os segmentos de moda, por exemplo, roupas, calçados, cosméticos e outros, foram os mais impactados, uma vez que dependem fortemente de pequenos varejistas, tradicionais e analógicos, que pouco puderam fazer para compensar o fechamento de suas lojas físicas, com ações de vendas pela internet, além do fato de que os consumidores em casa sentiram muito menos necessidade ou atração para consumir esses produtos, já que boa parte das suas roupas são para sair de casa e hoje estão meio que esquecidas no guarda-roupa. Para essas categorias, a queda nas vendas agregadas chegou a superar 90% em algumas semanas, desde que a quarentena foi implementada em todo o país. No momento, com o início do processo de relaxamento do varejo em diferentes estados do país (SC, PR, RS, DF, MG, etc.), as vendas dessas categorias estão se elevando paulatinamente, mas ainda apontam para uma queda da ordem 70% em relação à sua média histórica para o período, dentro do mês de maio.

Os setores ligados à decoração também foram fortemente impactados com o fechamento de suas lojas físicas (móveis, colchões, utilidades domésticas, gifts, cameba, etc.), porém, em uma proporção consideravelmente menor, com redução de consumo variando entre 80% na pior semana, mas já há mais de um mês se mantendo em torno dos 50%. Mais recentemente, as vendas subiram e registram uma queda bem menor, em torno de 20% da sua média histórica para o período. Além disso, de acordo com as nossas pesquisas mais recentes, o fato dos consumidores terem sido obrigados a permanecer quase o tempo todo em casa, está estimulando o consumo desses artigos, além de serem segmentos cujos canais de varejo e marcas já desempenhavam um papel mais relevante no e-commerce e em market places, antes da pandemia.

Esse movimento pode ser mudado com o aumento do e-commerce?

Sem dúvida, há muito tempo que operar dentro de uma estratégia de multicanalidade (omnichannel), onde o e-commerce esteja incorporado às diferentes formas de comercialização, se mostra como um caminho inexorável para varejistas e industriais dos mais variados segmentos de bens de consumo. O preço que está sendo pago nessa crise pelos setores que não têm relevância no e-commerce, será tão alto que deixará seu legado na memória dos empresários que conseguirem conduzir suas empresas a superar esse momento adverso. Estou convencido que em um futuro próximo, assistiremos a muitos movimentos estratégicos de empresas de todos os portes e segmentos, visando incorporar novos canais e formas de comercialização para seus produtos, como um seguro para um crescimento mais sustentável daqui para frente.

As empresas dos setores têxtil, calçadista e moveleiro, estão tirando proveito da tecnologia?

Para a imensa maioria das empresas desses setores, os grandes investimentos em tecnologia sempre estiveram direcionados às etapas de desenvolvimento, fabricação e expedição dos produtos, e muito pouco para canais de distribuição, gestão comercial e inteligência de mercado, que são igualmente relevantes para o negócio. Na área comercial dessas empresas, sempre prevaleceu a ação de representantes autônomos comissionados (no caso das fábricas) e, nas lojas, balconistas e atendentes passivos, suportados por investimentos muito baixos em marketing e informação de mercado. Ainda assim, com predomino do marketing de produto (desenvolvimento, lançamento, catálogos), direcionados aos dealers (atacadistas e varejistas) e muito pouco aos consumidores. Isso também vai mudar bastante.

Como enxerga os polos calçadistas das cidades de Franca (SP), Novo Hamburgo (RS), São João Batista (SC), Nova Serrana (MG) e Birigui (SP) no pós-Covid-19?

Polos produtores como os que você cita, costumam compartilhar os diferentes momentos do mercado, ou seja, quando o mercado cresce a grande maioria cresce, quando o mercado recua, quase todas entram em crise. Essa regra é válida para todas as empresas do polo que dependem quase exclusivamente do fluxo de compradores (atacadistas, lojistas e revendedores) que os frequentam. Em geral, apenas as empresas maiores, que conseguiram desenvolver outras formas de comercialização e canais de venda e, portanto, se tornaram independentes desse fluxo, conseguem se livrar dessa sina. Os polos produtores regionais são muito importantes para estimular o surgimento de novas empresas, ao garantir a elas um ambiente propício para o seu desenvolvimento (fluxo de compradores, mão de obra especializada, fornecedores de máquinas, peças e prestadores de serviços especializados, etc.), mas assim que uma empresa consegue se estabelecer dentro dele, tem que começar a procurar o seu próprio caminho para acessar os seus nichos de mercado e diminuir a dependência dos compradores que frequentam a região.

As estratégias de marketing dessas indústrias, mudaram com a pandemia em que pontos?

Ainda é cedo para dizer, mas já dá para notar para onde essas mudanças tendem a avançar… em minha opinião, cada vez mais as marcas vão direcionar sua comunicação para quem de fato decide a compra, no caso os consumidores, cada vez mais farão uso do marketing digital, além de avançarem muito mais rápido em valores como sustentabilidade, responsabilidade social, economia circular, respeito ao meio ambiente, valorização do ser humano, do planeta, etc. As crises são gatilhos para que novidades já presentes no mercado e na vida das pessoas, mas que ainda não foram adotadas pela maior parte das empresas, ganhem espaço em substituição a hábitos de vida e modelos de negócio já superados, que resistem ao tempo pela tradição, pelo conforto do “lugar conhecido”, ou pela tolerância ao “mais do mesmo”… Após a peste negra, na idade média, vivemos a renascença e o iluminismo… não sou visionário, mas acredito que algo parecido possa acontecer depois dessa pandemia, não só no Brasil, mas em escala global… quem sabe as soluções para evitar que uma nova pandemia nos afete da forma como essa nos afetou, nos ilumine a criar modelos mais sustentáveis de viver, de consumir e de produzir…

O que é mais importante na hora da tomada de decisão por parte dos clientes em momentos como esse?

Entendo que vivemos uma situação um tanto diferente de uma situação convencional de crise, onde fatores meramente econômicos costumavam ser determinantes nas decisões de compra dos consumidores (preços, descontos, prazos, fretes, etc.). Dessa vez, acredito que as motivações de compra estarão divididas entre a atratividade das ofertas (fatores econômicos) e a sensibilidade aos propósitos e valores promovidos pelas marcas… mais do que nunca, acho que avançaremos em direção a uma era de consumo responsável e consequente.

Quais dos três setores de estudo do IEMI tem tido uma melhor participação na economia nacional como um todo?

Dentre os segmentos que estudamos, o vestuário é o segmento de maior relevância no mercado de bens de consumo do país, posicionando-se atrás apenas dos alimentos, em participação nos gastos das famílias brasileiras com essas categorias de produtos… porém, foi o segmento mais impactado pela crise do Covid, com o de calçados. Ainda assim, é um setor com grande capacidade de recuperação e ainda acredito que possa ter um desempenho razoável nos últimos meses desse ano, se conseguirmos até lá restabelecer as atividades do varejo físico em todo o país.

O que essas indústrias devem fazer para vencer a crise e suas respectivas incertezas?

Acho muito difícil dar uma receita de bolo que sirva para a maioria dos casos, mas é possível dizer que a missão de cada empresa é a de estar atenta ao que acontece no mercado. A crise atual é forte e atinge, de um jeito ou de outro, praticamente todos os segmentos econômicos, regiões geográficas, canais de venda e grupos consumidores. Porém, não os atinge da mesma forma, ou na mesma intensidade, e cabe aos empresários e executivos dessas empresas o desafio de pesquisar quais são as regiões, os canais de venda e os grupos consumidores que menos foram atingidos, ou que estão reagindo primeiro na retomada, buscando criar estratégias, produtos, ações de venda e comunicação que alcancem esses nichos de mercado, visando criar as melhores condições para desenvolvimento da empresa e superação dessa crise.

Quais ações governamentais seriam necessárias para impulsionar esse mercado?

As ações de socorro às empresas, anunciadas pelo Governo Federal, são realmente boas e poderão ser bastante eficazes, em muitos casos, mas jamais serão suficientes, pois, se a economia não voltar a girar, não haverá solução sustentável… A curto prazo, entendo que o Governo Federal tem que negociar com governadores e prefeitos uma data (verdadeira e confiável) de reativação do comércio e da economia nas cidades onde há um número baixo de casos e boa capacidade de atendimento no sistema de saúde. Afinal, cada uma das 645 cidades do estado de São Paulo vive uma situação diferente em relação à pandemia e precisa agir de forma diferente para enfrentá-la, o mesmo vale para as 853 cidades de Minas Gerais, as 417 cidades da Bahia e por aí vai… Com uma data definida, se cria as condições mínimas para se planejar uma retomada “ordenada” da economia, o que poderá gerar frutos ali na frente, além afastar o risco de um colapso econômico. Além disso, o Governo Federal tem que empenhar todos os seus esforços para que as medidas apresentadas e que visam injetar liquidez na economia, alcancem o máximo de agentes econômicos (principalmente médias, pequenas e microempresas, além de autônomos e informais), e para que isso aconteça, terá que pressionar os bancos privados para ajudar nessa operação, inclusive criando fundos de aval que deem segurança a essas instituições para realizarem os repasses das linhas de crédito emergenciais (securitizar o crédito para médias e pequenas empresas), evitando que esses recursos fiquem “empoçados” no sistema financeiro.

Analistas afirmam que 2020 será um ano perdido. Você está entre eles?

Se um “ano perdido” quer dizer “recessão econômica”, estou de pleno concordo que 2020 será um ano perdido… afinal, não haverá como evitar que o PIB, o emprego, o investimento, o déficit público, a bolsa de valores e outros indicadores econômicos relevantes apresentem números altamente negativos ao final deste ano. Ainda assim, diante de tudo o que estamos passando, se conseguirmos virar o ano com todas as principais cadeias de produção reativadas, com todos os canais de varejo ativos e o comércio externo normalizado, teremos como aproveitar os juros baixos e boa parte da liquidez injetada na economia pelas políticas emergenciais do Governo Federal, para alimentar a retomada do crescimento em 2021, mas isso ainda vai depender de algumas variáveis que não estão sob o nosso controle, nem mesmo, dos nossos políticos…


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