Padre Beto (Roberto Francisco Daniel) nasceu em Bauru (SP) em 1965. É formado em Radialismo (SENAC-SP), em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (Bauru), em História pela Universidade do Sagrado Coração (Bauru) e em Teologia pela Universidade Estadual Ludwig-Maximilian de Munique, Alemanha. Exerceu o ministério de sacerdote na Diocese de Bauru por 14 anos e em abril de 2013, foi excomungado pela própria diocese por ter refletido livremente sobre a moral sexual da Igreja. Ministrou aulas de Filosofia para o ensino médio e cursinho nos Colégios D’Incao e Infinito (Bauru). Por cinco anos foi apresentador do programa Conexão 96 pela 96 FM e por nove anos foi cronista do Jornal da Cidade (Bauru), foi apresentador da “Mensagem do Dia” na 94 FM e apresentador do programa “Tema Livre” na 94 FM (segunda a quarta-feira das 23h à 1h). É autor de diversos livros sendo dois em língua alemã “Erinnerung als ethisches Projekt” e “Befreiungstheologie im Film”, sendo seu último livro publicado o polêmico “Jesus e a sexualidade – Revelações da Bíblia que você nunca viu”. “Eu não diria que o celibato é um dom do Espírito Santo. Não consigo ver a sexualidade como um pecado, pelo contrário, vejo-a como um caminho de libertação de muitas neuroses. (…) Eu nunca sonhei com um projeto de vida particular, no sentido de ter minha profissão, minha família, meus filhos, minha aposentadoria e meu túmulo”, afirma o sacerdote.
Padre Beto, sempre quando começamos uma entrevista perguntamos como foi o começo de vida dos nossos entrevistados. Como foi o começo de vida do senhor até chegar ao sacerdócio?
Eu nasci em Bauru, em um lar de classe média baixa e essencialmente católico. Desde que me tenho por gente, meus pais sempre foram engajados em uma Paróquia e sempre os vi preocupados em ajudar as pessoas com dificuldades. Meus pais me criaram com muita liberdade e sempre me incentivaram a me comprometer pelos outros e pela vida da sociedade. Não posso dizer que meus pais eram aqueles tradicionais carolas. Pelo contrário, eles eram bem críticos em relação à Igreja Católica. Me lembro que meu pai como leigo atuante se referia aos padres como “os capas pretas”, com uma certa ironia e bom humor. Já na adolescência estava atuando na Pastoral da Juventude de minha Diocese e, mesmo no final da Ditadura Militar, sabendo relacionar a mensagem de Jesus Cristo com cidadania, democracia, poder político e econômico. Posso dizer que aprendi a exercer política na comunidade cristã. Afinal vivia em uma Igreja da década de 70 e 80 que refletia a Teologia da Libertação e tinha como exemplos homens do perfil de D. Oscar Romero [sacerdote católico salvadorenho, 1917-1980], D. Paulo Evaristo Arns [frade franciscano, sacerdote católico brasileiro, 1921-], D. Pedro Casaldaliga [bispo católico espanhol radicado no Brasil, 1928-], D. Mauro Morelli [bispo emérito de Duque de Caxias, 1935] e D. Luciano Mendes de Almeida [jesuíta e bispo católico brasileiro, 1930-2006]. Também nesta época ser um jovem cristão não era ser um jovem carola preocupado em ser casto como é comum hoje em dia. Nós nos preocupávamos com o bem-estar de todos, mas no que dizia respeito aos relacionamentos e a sexualidade, vivíamos tudo com muita liberdade. Eu entrei para o seminário com 27 anos, mas não entrei virgem. Tive namoradas, diversas experiências de relacionamento e diferentes experiências sexuais que me ensinaram muito sobre a vida humana. Sou grato também a esta parte de minha vida. Antes de entrar para o seminário terminei dois cursos universitários: Direito e licenciatura em História. Enfim, minha vida antes do seminário foi muito ativa, de uma grande liberdade de reflexão e de atitude.
No seu curso de História, o senhor foi muito influenciado por Karl Marx. Como funcionava a sua cabeça nessa época, sabendo que os últimos papas condenavam o marxismo?
Primeiro é necessário compreender que no curso de História, graças a Marx [Karl Marx, intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrina comunista moderna, que atuou como economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista, 1818-1883], aprendemos a ver os fatos históricos dentro de um contexto político e econômico. Ver a história desta forma, sem cair em determinismos, não entrava em contradição com o que discutíamos dentro da comunidade cristã, já que esta era bem influenciada pela Teologia da Libertação. Víamos sim, o Papa João Paulo II [Karol Jósef Wotjyla, papa e líder mundial da Igreja Católica Apostólica Romana nascido na Polônia, 1920-2005] como um conservador que estava retrocedendo todo o processo iniciado pelo Concílio Vaticano II. Eu tinha a total consciência de que a Igreja era uma instituição humana que possuía forças conservadoras e progressistas. Mas, como vivia no Brasil me sentia tranquilo com a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que tínhamos na época. Não fui influenciado por Marx a tal ponto de me tornar um comunista, nunca acreditei nos modelos socialistas e na visão de futuro de Marx. Mas, com Marx aprendi que nada é fragmentado, que o modo de produção influencia em nossa mentalidade e que nós devemos ser sujeitos de nossa história para darmos um significado em nossa passagem por esta existência.
O senhor disse que teve várias oportunidades para não se tornar padre, mas reafirma que essa é sua vocação. Quando a sua vocação falou mais alto, sabia que poderia ter algum problema por causa de sua visão de mundo?
A descoberta de minha vocação foi um processo. Eu nunca sonhei com um projeto de vida particular, no sentido de ter minha profissão, minha família, meus filhos, minha aposentadoria e meu túmulo. Desde muito cedo fui levado a pensar sobre a sociedade, sobre o bem-estar de todos, sobre política e economia. A sempre descoberta de Jesus Cristo me levou cada vez mais a pensar minha vida integrada a um todo. Somado a isso tive uma experiência de morte na família, o que me fez refletir sobre a nossa passagem tão efêmera por esta existência. E a pergunta que sempre me fiz é o que gostaria de ver ao olhar para minha história no momento de minha morte. Durante todo meu discernimento fiz retiros espirituais em ITAICI [Centro de Espiritualidade Inaciana Vila Kostka Itaici], com os jesuítas, os quais me ajudaram muito em minha autodescoberta. Cheguei a um certo ponto em que não me encaixava mais em uma profissão, seja ser professor ou profissional do Direito, mas o sacerdócio se mostrava o caminho através do qual, eu poderia ajudar as pessoas individualmente, socialmente e ainda tinha a condição de unir tudo isso com a mensagem de Jesus Cristo. Parece brincadeira, mas o “empurrão” final para uma decisão radical pelo sacerdócio foi através de um filme que assisti uma cinco vezes no cinema: “Sociedade dos Poetas Mortos” de Peter Weir [diretor de cinema e roteirista australiano, 1944].
O Papa Francisco, disse que o celibato é um dom que o Espírito Santo deu a igreja. Para o senhor, o celibato é um dom que o Espírito Santo deu a igreja?
Eu não diria que o celibato é um dom do Espírito Santo. Não consigo ver a sexualidade como um pecado, pelo contrário, vejo-a como um caminho de libertação de muitas neuroses. Me lembro que já padre celebrava uma missa para um grupo da Pastoral da Juventude de minha Diocese. Nesta missa refletíamos sobre a pureza, e eu esclarecia aos jovens que pureza não tem nada a ver com castidade. Pelo contrário, uma boa relação sexual pode nos purificar. Pureza é a transparência, a honestidade em qualquer relacionamento humano. Eu acredito que um dom do Espírito Santo é a inteligência de se autocompreender podendo assim decidir que estilo de vida devo assumir para ser uma pessoa em harmonia comigo mesmo e com os outros. A vida sexual não pode ser demonizada e padronizada, ela é uma construção individual e depende de minha consciência sobre minha orientação sexual e o estilo de vida, no qual posso tranquilamente me realizar como pessoa humana.
Acredita que o Papa Francisco é de fato um reformista?
Eu acredito que como um bom jesuíta, o Papa Francisco compreende que a Igreja Católica precisa de mudanças. Porém, ele sabe que não pode realizá-las rapidamente. Os Papas João Paulo II e Bento XVI [Joseph Aloisius Ratzinger, Papa Emérito da Igreja Católica nascido na Alemanha, 1927] criaram durante os seus papados um clero e um enorme conjunto de fieis conservadores e moralistas. Como a instituição está, o Papa precisa agir com cuidado e lentidão. Percebe-se o empenho do Papa Francisco em ter posturas pessoais que façam o clero e os fieis refletirem melhor, como a simplicidade, um discurso mais político e uma aproximação pessoal de pessoas excluídas. Fora estas posturas pessoais não acredito que o Papa consiga mudanças significativas, como demonstrou o Sínodo dos bispos sobre a família. O que o Papa Francisco poderá fazer é preparar o terreno para que um próximo Papa venha a realizar reformas que aproxime a instituição à prática de vida de Jesus Cristo.
Por que a política assistencialista da Igreja Católica não lhe agrada?
Porque o assistencialismo só serve para que o Estado se acomode e não retorne os nossos impostos pagos em benefícios para a população e, ao mesmo tempo anestesia politicamente a consciência dos fieis. Se uma paróquia, por exemplo, mantém uma creche, ela acaba fazendo o papel do Estado (que está sendo pago por todos nós para construir e manter creches pelo Brasil) e faz com que o fiel colabore duas vezes com a assistência aos mais pobres. O fiel paga seus impostos e, ao mesmo tempo, colabora com a Igreja para manter a creche. A igreja deveria ser uma força ética na sociedade conscientizando seus fiéis sobre a política de saúde, educação, geração de empregos, aposentadoria, etc, como também ela deveria exercer pressão sobre os governos para que o básico necessário a todos fosse realizado. A Igreja é contra o aborto, a eutanásia, o casamento gay, mas nunca a igreja bate de frente com o Estado exigindo um sistema de saúde eficaz, uma educação que dê verdadeiramente um futuro aos jovens, uma boa aposentadoria para nossos idosos ou melhores salários a nossos policiais. Enfim, assistencialismo é uma forma dissimulada de se fechar em uma ilha paroquial e não enfrentar os verdadeiros temas que atingem os filhos de Deus.
Em suas entrevistas, o senhor sempre diz que gosta muito do livro ‘A cama na varanda’ da psicanalista Regina Navarro Lins. Nesse livro além de outros temas, ela fala do poliamor. Qual a sua visão sobre o poliamor?
Durante 15 anos pude ouvir a confissão de muitos fiéis. Posso afirmar que os padres ouvem, nas confissões, basicamente dois grandes temas: sexualidade e relacionamento. Durante tanto tempo ouvindo as pessoas, eu posso também afirmar que o amor simultâneo por mais de uma pessoa é um fato na vida humana. Dificilmente alguém, estando casado ou não, amará somente uma pessoa em sua vida. Diante deste fato acredito que a melhor forma de vivenciar estes relacionamentos seria concretizá-los através do poliamor. Se o amor entre duas pessoas faz com que possamos amadurecer a nossa sensibilidade e a nossa capacidade de sermos mais humanos, o poliamor é um caminho mais rico para este amadurecimento e talvez o mais próximo da mensagem de Jesus Cristo. O Cristo, nos evangelhos, não valoriza a família tradicional que temos hoje, mas sim a qualidade dos relacionamentos que cultivamos. O poliamor talvez seja a forma mais saudável de viver este sentimento. Muitos casais cristãos vivem uma grande hipocrisia, escondem seus sentimentos e mantêm aquele discurso tradicional da valorização da instituição familiar. Isso é muito triste, pois, atrás de uma fachada “politicamente perfeita” esconde-se uma vida sem sentido e uma incapacidade de lidar com os relacionamentos.
O senhor foi excomungado pela Igreja Católica em abril de 2013. Como isso se deu?
Eu sempre fui muito transparente com todos os cristãos, sejam padres ou laicos. Eu acredito que a Igreja amadurece quando todos refletem juntos. Quando uma cúpula decide e a maioria obedece, não vivemos no amor pregado por Jesus e infantilizamos a maioria dos fieis. Desde a minha chegada ao Brasil (2001) eu venho refletindo vários temas sobre a moral sexual da igreja (entre elas a homossexualidade) abertamente nas redes sociais, mas sempre deixei claro que estas eram simples reflexões pessoais e nunca omiti a moral oficial da Igreja. Esta minha maneira de ser nunca incomodou meus bispos anteriores. Porém, a cúpula da Diocese de Bauru entendeu em abril de 2013 que esta postura era inaceitável. Assim, no dia 23 de abril meu bispo exigiu que eu retirasse todo material das redes sociais e pedisse perdão. Apesar de deixar claro a ele que não tinha razão para pedir perdão, o bispo me deu o prazo até o dia 29 de abril para pensar no assunto. Não respeitando o tempo, no dia 24 de abril o bispo já estava dando entrevista sobre o ultimato na rede de televisão local. Eu refleti muito e decidi me afastar dos exercícios do ministério sacerdotal, já que não poderia mais exercer, na Igreja, a liberdade de pensamento e a liberdade de expressão.
Às 10h do dia 29 de abril fui entregar minha carta de afastamento. Na cúria diocesana, o bispo me recebeu cordialmente e me conduziu sem me avisar de absolutamente nada a uma sala. Nesta fui surpreendido por uma mesa composta por cinco padres do conselho de presbíteros e um estranho que estava sentado na cabeceira da mesa. Fui, então, conduzido a uma cadeira vazia e o bispo se retirou. Depois de alguns segundos percebi que estava em um tribunal e que sentava na cadeira dos réus. Ao tomar ciência disso, me retirei da sala depois de uma discussão e da fúria do estranho que era o juiz instrutor nomeado pelo bispo de Bauru. Na mesma manhã, a diocese de Bauru declarou publicamente minha excomunhão. O interessante é que o juiz instrutor, que depois descobrimos ser o padre Tiago Wenceslau da Diocese de Campo Limpo, vendo a repercussão do caso, rapidamente se manifestou dizendo que eu não havia sido excomungado por defender os gays, mas pela desobediência aos meus superiores. A Igreja nunca perde a forma dissimulada de escapar dos embates. Ora, a desobediência ocorreu devido ao conteúdo postado nas redes sociais que se referiam à defesa dos homossexuais. Se eu estivesse falando sobre a virgindade de Nossa Senhora, meus superiores, com certeza, não iriam se incomodar.
Recentemente, o Sínodo dos bispos da Igreja Católica, voltaram atrás na aceitação dos homossexuais pela Igreja. Como funciona o lobby especificamente para esse assunto?
Sinceramente eu desconheço o funcionamento deste tipo de lobby. O que eu acho mais grave na Igreja é a falta de transparência em sua estrutura. Como também, o poder continuar a estar nas mãos do clero, dos homens e dos mais velhos, deixando assim os leigos, as mulheres e os jovens simplesmente como fieis que devem seguir cegamente o que é estabelecido. Este tipo de estrutura não serve mais para o século XXI. Justamente a falta de transparência e a concentração do poder na Igreja é que possibilita a formação de lobbys que atuam nos chamados bastidores da Igreja.
Qual a principal mensagem que o senhor quer passar para o leitor que folheará o seu mais recente livro “Jesus e a Sexualidade – Revelações da Bíblia que você nunca viu?”.
Eu diria que o livro possui duas grandes mensagens. A primeira é de que a atual moral sexual da Igreja Católica e de outras igrejas cristãs, faz muito mais mal do que bem. Esta moral sexual não possui base nas Sagradas Escrituras e muito menos em Jesus Cristo. Ela é fruto de linhas filosóficas que estão distantes do universo bíblico e da mensagem de Jesus. Por estar baseada em filosofias da Antiguidade e não, na prática do amor universal pregado nos Evangelhos, a moral cristã fecha os olhos para o conhecimento que temos hoje da genética, da sexualidade, da estrutura humana. A segunda grande mensagem é a de que a sexualidade humana é algo de muito bom. A vivência da sexualidade só pode estar dentro da mensagem de Jesus, afinal o amor (ágape) e o amor (eros) não se contrapõem, mas se complementam de uma forma maravilhosa. Deus nos fez seres sexuados e não é a sexualidade ativa que nos afasta de Deus. O que nos afasta de Deus é o desamor em qualquer dimensão da vida humana.
O senhor espera voltar a exercer as suas atividades na Igreja em algum momento?
Não. Eu não acredito mais que a Igreja seja um caminho benéfico para a humanidade. Igrejas criam divisão, criam preconceitos e exclusão. Jesus enxerga a humanidade como nossa família. Esta deve ser unida no que há de comum entre nós, o simples fato de sermos humanos. Por isso, não tenho pretensão em voltar a ser padre na Igreja Católica e muito menos criar uma igreja. O Brasil é um ótimo exemplo de que igrejas não solucionam os nossos problemas e não criam o Reino de Deus. O Brasil está repleto de igrejas e nos declaramos oficialmente como um país cristão. Ora, como pode um país cristão ser a sétima potência do mundo e deixar a maioria excluída desta realidade? Como pode um país cristão ter um altíssimo índice de criminalidade, uma educação precária para a maioria, um desprezo para com os aposentados, racismo e homofobia e outros problemas tão claramente anticristãos? O Brasil tem igrejas, o brasileiro louva a Deus, mas nós não somos um país cristão. Eu prefiro continuar minha missão no mundo. A minha igreja é o mundo e a minha família a humanidade.
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