Há mais de duas décadas Paula Macedo Weiss faz pontes culturais entre Brasil e Alemanha. Quando o Brasil foi convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt em 2013, por exemplo, foi a coordenadora local das atividades culturais brasileiras nos museus e entidades culturais alemães. Desde então, trabalha com o Instituto Inhotim, Sesc, Bienal de São Paulo, entre outros, promovendo a apresentação de artistas brasileiros por lá e de artistas alemães por aqui. Este ano ela é uma das patronas da Bienal de Berlim. É também presidente da Fundação do Museu de Artes Aplicadas de Frankfurt e está em diversos conselhos de instituições culturais em Frankfurt e em São Paulo. Além de todo seu envolvimento com o mundo cultural, Paula acaba de lançar neste último mês de outubro, um livro de memórias, “Entre Nós” (Folhas de Relva Edições), dos tempos em que viveu no Brasil sob a ditadura civil-militar. A obra conta sua história pessoal misturada à história do país. Nascida em plena ditadura, acompanhou de perto o caminho que levou à abertura política. Seu pai, Osvaldo Macedo, foi um político que lutou sempre pela democracia e pelos direitos do cidadão brasileiro; e a herança política recebida dos pais dá o tom ao livro. “Nos últimos anos um movimento global pende para a direita, podemos até falar numa pandemia do totalitarismo. Acredito que passamos atualmente por um momento perigoso e decisivo na política mundial”, afirma.
Paula, estamos vivendo um momento politicamente perigoso em sua visão?
Nos últimos anos um movimento global pende para a direita, podemos até falar numa pandemia do totalitarismo. Acredito que passamos atualmente por um momento perigoso e decisivo na política mundial. Estamos entre divisores, na interface, por assim dizer. Temos que ter plena consciência desse processo e senso critico para reagir. Acredito que agora é hora de muita vigília, de resistência, de luta e de reação.
A eleição de Trump foi o fio condutor dessa tensão?
A eleição do Trump foi o que se pode chamar de uma surpresa desagradável e fortaleceu essa onda para a direita. Naquela ocasião nos parecia não haver um risco real de uma pessoa descomprometida com os valores básicos e elementares de um Estado Democrático de Direito, e também despreparado politicamente, de se eleger presidente na democracia mais antiga da modernidade. Ele era uma escolha fora do racional. E, no fundo, foi por isso que ganhou. Ele representou o desejo de muitos de romper com o establishment, eleitores que não se viam representados e não se sentiam, nos seus medos, nos seus anseios e nas suas frustrações, levados a sério.
Essa critica é pertinente e exige de nós repensarmos o processo democrático e principalmente as formas de reapresentação. Arrisco a dizer que essa foi uma, porém, não a principal motivação em votar no Trump, mas sim sua ousadia desenfreada de romper cotidianamente com valores sociais e civilizatórios arraigados na nossa sociedade. Para muitos isso era visto como uma virtude: romper com tudo e com todos. Atitude que gerou inúmeras tensões. O que me assusta é o número impressionante de eleitores que apostaram nessa quebra de valores e no rompimento do pacto social.
Os limites da democracia foram testados com o republicano na Casa Branca?
Sim, como expliquei anteriormente, foram testados cotidianamente. A democracia, porém, é o único regime de governo que tolera criticas e têm ferramentas de autodefesa e renovação. Ela sobreviverá.
Como a vitória de Biden pode dar um “alívio” em sua visão?
A vitória é um respiro, o começo da reação e da virada contra a intolerância e o extremismo. Todo pêndulo que vai, volta.
O caminho da Europa com nomes como de Viktor Órbán, Matteo Salvini e Marine Le Pen está indo para outro rumo?
Aqui a história também não é diferente. Esquecemos muitos pelo caminho, precisamos levar a sério essa parte da população que se sentiu abandonada nos últimos anos. O pêndulo para a direita é real, constante e há chances ainda reais de crescimento. Cabe a todos nós resistirmos e buscar o diálogo. Retomar a cultura da discussão é essencial também aqui na Europa.
O que mudará de fato na política global com a ascensão do democrata?
O que muda principalmente é a narrativa e o retorno a práticas democráticas, inclusivas e diplomáticas. O tom faz a música. No discurso da vitória, Biden enfatizou exatamente isso, ele representa a todos, portanto, fará, pelo menos em tese, uma política tolerante e inclusiva.
Você disse que a vitória de Biden pode resgatar elementos básicos de convivência social. A polarização raivosa se dissipará?
Não acredito que se dissipará. Biden está aberto e disposto a isso, mas não é mágico. O problema é estrutural. Somos vítimas e muitas vezes autores de pequenas ou grandes mentiras virtuais que levam a um viés de confirmação e à hiperpolarização. A sociedade está com medo e o medo na atualidade está infelizmente intrinsecamente vinculado à raiva. Este também, a meu ver, foi um dos pecados capitais de Trump, ter aberto a caixa de Pandora, se permitindo dar voz à raiva e à agressividade, servindo de exemplo para o resto da sociedade; ter rompido com o pacto tácito do imperativo categórico kantiano.
Há sim valores éticos nas nossas condutas, que visam ao bem maior e têm na sua máxima uma validade universal, para todos, e ninguém, nem mesmo o presidente de um Estado, pode abusar desse recurso para alcançar valores menores e pessoais. Essa foi a política de Trump: eu acima de tudo. E a internet sem dúvida ajuda muito na difamação, na distorção de informações, na criação de mentiras e no fomento de polarizações. Esta é, a meu ver, a arma principal do totalitarismo atualmente.
Qual a importância da vice-presidente Kamala Harris para essa transição?
Penso que Kamala desempenha um papel fundamental na discussão sobre representatividade e lugar de fala de uma parcela significativa da sociedade americana. Grande parte da população, apesar da máxima da democracia representativa “one man, one vote”, nunca se sentiu realmente representada e nem tampouco ouvida. Essa é sem dúvida uma das principais razões de descrédito na política tradicional. Julgo que Kamala pode ajudar muito na retomada da credibilidade na política e na desconstrução de um racismo estrutural e institucional.
Candidatos de direita que tenham práticas mais humanistas seria uma utopia nesse momento?
Não. Angela Merkel, como chanceler da União Democrata-Cristã, é por si uma pessoa conservadora, de um partido de centro-direita, mas com valores humanistas; ela tem uma visão de mundo aristotélica, na qual o bem individual está intrinsecamente ligado a um bem coletivo, e plenamente consciente da sua incumbência em prol do bem comum. Vejo nela a melhor política da atualidade, pois, vem ministrando com grandeza a crise ligada à pandemia do coronavírus e sustentando com maestria a nossa democracia e a sociedade alemã.
“Entre Nós” seria uma homenagem àquilo que você considerava ser o começo de uma libertação?
“Entre Nós” foi primeiramente uma reação à eleição de Jair Bolsonaro, em 2018. Incrédula com essa eleição, tive um impulso literário. Escolhi a primeira pessoa para dar ênfase às minhas experiências como testemunha ocular da ditadura civil-militar que assolou o Brasil por duas décadas e da luta pela redemocratização. É um escrito confessional, um apelo e um alerta. Valeu a pena lutar, vale a pena sempre lutar pelas liberdades, pelos Direitos Humanos, por uma sociedade equalitária, justa e fraterna. Não canso de repetir que temos que aprender com o passado, ele nos serve de norte, triste a nação sem passado. Com experiências pregressas aprendemos e criamos a nossa identidade e a nossa cidadania.
Essa consciência política é essencial na libertação de uma sociedade. Não podemos permitir que práticas autoritárias venham se repetir. O ontem jamais pode vir a ser o amanhã. Porém, suspeito que, em muitas situações, já é o hoje, por isso: Entre Nós. Sem querer ser cabotina, o livro tem uma mais-valia: de ser um depoimento pessoal de alerta sobre uma das piores fases da história brasileira moderna, para todos aqueles que nunca passaram por isso e sempre viveram sob os auspícios da liberdade. A ditadura foi cruel, nefasta e é indefensável. A situação atual nos faz lembrar muito de práticas autoritárias do passado, por isso, sim, é um desejo intrínseco de luta e libertação.
Qual a importância do seu pai no norte que tomou para a sua vida?
Meu pai foi político da oposição durante a ditadura, amava a sua terra, sua gente e lutou incansavelmente pelo direito das minorias; é autor de livros e leis de que muito me orgulho, mas acima de tudo ele era um amante da liberdade e das humanidades, e essa é a minha herança. Saber que não há liberdade possível sem o compromisso social, o respeito individual e coletivo, e um amor incondicional à vida.
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