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Rafael Cortez fala dos desafios no plano político

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Rafael Cortez é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. É também graduado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002). Foi bolsista de Iniciação Científica da Fapesp. Defendeu o Mestrado na Universidade de São Paulo, financiado pela Fapesp. No Doutorado, foi Bolsista do CNPQ e obteve o título com o trabalho sobre coordenação eleitoral nas eleições majoritárias brasileiras. Atualmente, é professor de Política da PUC-SP e ocupa o cargo de Analista Político Sênior na Tendências Consultoria Integrada, umas das mais prestigiadas e renomadas consultorias do nosso país. Possui trabalhos na área de instituições políticas brasileiras e política comparada. “O Governo deveria refletir sobre os temas que resultaram na sua eleição, mas ter uma visão simplista em relação ao exercício de um mandato representativo, pode gerar custos não apenas para as agendas que o próprio Governo desejaria implementar, mas certamente para o ambiente político como um todo. Me parece que é um desafio de caminhar de maneira mais legítima as suas agendas e a sua interlocução com a sociedade em suas diferentes esferas. Isso poderia fazer com que o Brasil tivesse um debate público mais democrático, mas sem perder a eficiência na resolução dos temas mais caros da sociedade brasileira”, afirma o requisitado e experiente analista político.

Em 2017, você afirmou que os riscos para elite política era a Lava Jato. A Lava Jato ainda exerce esse risco ou acredita que ela enfraqueceu em algum sentido?

A Lava Jato ainda é um elemento importante no processo político brasileiro. Ainda é capaz de render capital político para nomes que a apoiam. As pesquisas de opinião pública mostram que em boa medida, a Operação ainda conta com o apoio da maioria da sociedade, até porque ela é vista como uma Operação que significou um divisor de águas no combate da corrupção. Sua importância também é ressaltada no seu efeito para o processo político como um todo, já que ela ainda pauta o debate. Diversos temas são percebidos pela elite política a partir do legado da Lava Jato como, por exemplo, o debate da prisão em segunda instância e do juiz de garantias pra ficar só em alguns exemplos que em boa medida são defendidos a luz de estarem em linha ou são defendidos pela percepção que estão alinhados com a Lava Jato, ou vice e versa. Ela tem menos impacto no sentido da sobrevivência formal dos mandatos dos parlamentares, até porque uma boa parte dos seus julgamentos já se encontram no âmbito do Supremo e aí é uma outra dinâmica… mas não há dúvida que ela é um fator importante para o entendimento do processo político brasileiro seja no âmbito da opinião pública ou no tipo de agenda que está sendo construída nesse momento na política brasileira.

Recuperamos a legitimidade no processo político?

Há uma natural diminuição da temperatura do debate político com a superação do processo eleitoral de 2018 e nesse interregno de um ano sem eleição, naturalmente há uma maior acomodação desses conflitos, enfim… as elites dirigentes sejam no âmbito Executivo ou no Legislativo passam a lidar com outras demandas (basicamente o exercício do mandato representativo). De todo modo ainda que a gente tenha essa redução, me parece que ainda há questões relativas à legitimidade. A percepção dos atores no processo político ainda é uma restrição importante para estabilização do sistema partidário brasileiro, em outras palavras, a era da desconfiança em relação aos partidos tradicionais e a política ainda é bastante relevante não só do ponto de vista da opinião pública (as pesquisas ainda apontam as organizações partidárias como aquelas que geram maior desconfiança da sociedade), mas também como um componente importante no debate eleitoral. O discurso e a prática, associadas a contraposição à política tradicional e aos partidos como um todo ainda é capaz de mobilizar uma parcela relevante dos eleitores.

Tanto do ponto de vista vertical, ou seja, das relações entre representantes e representados, quando do ponto de vista da confiança e da percepção de legitimidade dos atores políticos, ainda me parece haver um discurso que carece de redução dessa maior polarização. Essa desconfiança entre atores políticos parece ser ainda uma questão para a política brasileira, ainda que a gente comece a assistir algum sinal de demanda pelo centro, entendido aqui como uma demanda por um processo político não tão polarizado, ou ainda que existam uma série de dificuldades de emergência de atores dessa natureza para ocupar essa percepção e esse espaço no debate público. A própria escolha do presidente, não exerceu o papel de liderança de organização dos partidos políticos do Legislativo (via construção de coalização). É de alguma maneira a ideia de que ainda vale apostar num discurso de maior distanciamento com os partidos tradicionais.

Quais as “fraturas” que ainda estão expostas e que são oriundas das duas mais recentes eleições presidenciais do país?

Em boa medida, os temas mais relevantes no tocante a forma ou desenho de instituições, ou o funcionamento institucional. Essas questões estão muito voltadas para questão do impeachment (embora já esteja assentada), as regras do jogo têm funcionado com a mínima normalidade, os sistemas diante da ruptura conseguiram preservar o restante do funcionamento, o PT já participa de eleições normalmente, enfim, acho que esse ponto parece estar superado.

O número de partidos é um dos fatores mais crônicos da corrupção nacional?

Não me parece que a fragmentação partidária é o problema central em termos de combate a corrupção. Parece que um conjunto de instituições mais associadas, a maneira como o Estado se relaciona com a sociedade, as governanças das empresas públicas, temos o financiamento de campanhas… me parece que estão mais associados a esses fatores.

Acredita ser possível diminuir o número de partidos na atual conjuntura?

O sistema partidário brasileiro ainda é fluido. A expectativa de que o mandato do presidente Bolsonaro pudesse contribuir com a emergência de um sistema partidário mais organizado e aí entendo por organização com construção de partidos que sistematicamente participem do processo político, que comecem a gerar marcas e que criem identidades que durem no tempo, nas suas diferentes competições, pensando no sistema político nacional com alguma dicotomia que pudesse substituir PT e PSDB (que organizaram a disputa política na era pós-real), mas esse movimento não se materializou.

Na verdade, ainda existem movimentações partidárias inclusive com a criação de um partido para abrigar o chamado bolsonarismo que deve ser uma outra legenda para entrar com papel importante na política nacional, mas outros partidos também buscam a mudança de nomenclatura ou alguma nova estratégia para lidar com esse período ainda em que as forças políticas precisam se reencontrar e se rearranjar diante dessa percepção ainda de crise das legendas políticas em função das mudanças institucionais, especialmente àquelas relativas ao formato das coligações eleitorais ao financiamento de campanha.

Então, a adaptação dos partidos pode gerar algumas mudanças ainda nessa direção. E ainda que não formalmente (mas ao menos a força efetiva dessas legendas), é possível que a gente assista alguma fusão partidária em função da cláusula de barreira que vai se tornando cada vez mais ambiciosa, portanto, podendo mudar a estratégia dos líderes partidários em termos de criação de legendas partidárias.

Qual o peso da atual forma de financiamento para a corrupção sistêmica instalada na República?

A corrupção é um processo complexo. Tem a ver com regras de diferentes áreas que vão desde o Código de Processo Penal, estrutura do Estado, funcionamento das estatais, enfim, só para citar os principais eventos. Ele é um problema que não é exclusivo do sistema político brasileiro. Na verdade, onde existem espaços de definição de poder, é sempre possível objeto de corrupção. Nesse sentido os mecanismos de financiamento de campanha sobretudo o aumento dos custos dessas campanhas, podem ajudar na explicação desses fenômenos, mas certamente o combate da corrupção é um processo bem mais amplo que envolve também instituições da sociedade civil, organização do sistema de uma economia de mercado, enfim, realmente um fenômeno bastante complexo. É importante reforçar o papel dos mecanismos de controle do exercício de poder e reforçar os mecanismos que geram transparência do gasto público e da ação em termos de políticas públicas. São remédios importantes no combate dessa agenda.

Como avalia o primeiro ano do Governo Bolsonaro?

Avaliação de Governos, devem ser feitas a partir de uma definição (ou de uma régua) para medir de fato como foi o desempenho de um Governo. Nesse sentido tendo em vista a avaliação do mandato do presidente Bolsonaro nesse primeiro ano, havia uma expectativa em relação à economia, a aprovação de agendas, construção e contribuição para taxas de crescimento mais elevadas. Por outro lado, no plano político, uma reconstrução do sistema partidário e minimização dos efeitos da polarização política. Nesses dois itens, pensando na questão econômica, do ponto de vista do encaminhamento de reformas importantes e para retomada do crescimento, 2019 foi um ano positivo conseguindo funcionar a despeito de barulhos políticos. A questão é que foi um funcionamento não tão dependente do papel do presidente.

Por outro lado, o exercício de poder nesse primeiro mandato, foi um fator que viu o potencial crescimento ao longo de 2019, ou seja, em 2019 o resultado esperado em termos de crescimento econômico deve mais uma vez decepcionar em partes explicado por problemas do risco político. Isso nos remonta a um segundo grupo de questões. Tinha uma expectativa de reconstrução do sistema partidário que não ocorreu (na verdade, isso não se tornou um objetivo do presidente que ainda se alavanca num discurso de contraposição aos partidos tradicionais). O gerenciamento do exercício de poder também é ainda feito de uma forma muito conflituosa, com pouco cuidado em relação ao pluralismo típico de sistemas democráticos, daí é uma tarefa que ainda deve ser feita ao longo dos próximos anos, com um encaminhamento mais legítimo de uma série de agendas, além de uma interlocução menos conflituosa entre diferentes setores políticos, econômicos e sociais, mas que ainda é uma tarefa que deve ser reconstruída.

Quais os principais pilares do mandatário em sua visão?

O desafio central do presidente Bolsonaro é no plano político. Utilizar os recursos institucionais e políticos que o cargo confere para mobilizar apoio a temas importantes da sua agenda não mais sob uma ótica de um representante de algum seguimento em particular, mas certamente olhando para o desenho das políticas públicas que vão gerar de fato desenvolvimento econômico e social. O Governo deveria refletir sobre os temas que resultaram na sua eleição, mas ter uma visão simplista em relação ao exercício de um mandato representativo, pode gerar custos não apenas para as agendas que o próprio Governo desejaria implementar, mas certamente para o ambiente político como um todo. Me parece que é um desafio de caminhar de maneira mais legítima as suas agendas e a sua interlocução com a sociedade em suas diferentes esferas. Isso poderia fazer com que o Brasil tivesse um debate público mais democrático, mas sem perder a eficiência na resolução dos temas mais caros da sociedade brasileira.

Onde estão as suas maiores deficiências?

A análise do mandato do presidente Bolsonaro é encontrada na maneira como o presidente foi eleito. Focado com o papel restaurador da política, com um papel de se contrapor a uma esquerda, seja no âmbito da política econômica, seja no âmbito dos valores e a partir daí, tentar responder a essas agendas de diferentes formas, algumas quase que simbólicas. Isso tem sido de todo modo o pilar central do bolsonarismo. Não é por acaso que ele faz opção por não construir uma coalização majoritária em relação ao Congresso. Essa talvez seja a expressão mais forte dessa política. Quando a gente olha o documento inicial desse partido que está sendo criado pelos apoiadores do presidente, se percebe essa relação direta entre os apoiadores do presidente Bolsonaro e o eleitorado. Por isso me parece que o caráter plebiscitário é um pilar importante para administração atual.

O impeachment do presidente norte-americano Donald Trump, ainda é uma hipótese remota mesmo com as tensões atuais entre os EUA e o Irã?

O impeachment do presidente Trump, é uma hipótese pouco provável, explicada fundamentalmente pela composição partidária das casas legislativas. Ainda que tenha alguma viabilidade na câmara, a expectativa é que nos próximos dias o processo seja encaminhado ao senado (ocorrido em 16 de janeiro), mas a maioria republicana na casa dificilmente vai dar sustentação a esse movimento, até porque a taxa de aprovação do governo Trump entre os republicanos é muito elevada. Portanto, do ponto de vista eleitoral, não há incentivo para os senadores republicanos apoiarem tal medida. Como há uma necessidade de maioria qualificada para se complementar um processo de impeachment, é pouco provável que isso ocorra, mesmo a luz dessas tensões reforçadas no Oriente Médio. Os desdobramentos foram razoavelmente favoráveis ao presidente Trump sobretudo depois do incidente aéreo envolvendo o avião ucraniano que de alguma maneira aumentou a pressão em torno do regime iraniano.

Isso certamente ajudou na percepção e desejo de mudança por parte de Trump em relação à política iraniana que data, na verdade, dos EUA romperem o acordo nuclear e posteriormente criar um constrangimento mais claro e uma resposta ao que parecia aos olhos da política externa norte-americana um abuso por parte do Irã, portanto, criando claramente uma marca dos custos de eventual tensionamento por parte dos iranianos. Não me parece que esses eventos vão superar a polarização política em torno do governo Trump, mas especialmente alterar os incentivos dos senadores republicanos que acabam sendo chave no eventual desdobramento do processo que deve ser negativo. Devemos assistir uma transição política normal pela via eleitoral nesse primeiro mandato do presidente Trump.

Quais os “barulhos políticos” atuais que podem se tornar ameaças reais no cenário internacional?

O cenário internacional ainda tem questões importantes que podem servir de contraponto na retomada econômica esperada para 2020. Basicamente os riscos de uma desaceleração econômica ainda estão presentes. A fonte natural dessa possibilidade negativa é o conflito EUA x China, embora os sinais mais recentes têm ido na direção de que ao menos o escalonamento desse conflito parece ficar estancado por conta de incentivos no caso chinês para evitar um processo de desaceleração potencial maior e no caso americano de gerar fatos políticos positivos em ano eleitoral. Eventualmente essas tensões podem ser retomadas por conta de um dilema estrutural de disputa entre as duas maiores economias.

Esse risco também é somado a eventuais tensões geopolíticas que acabem gerando volatilidade para o cenário e dificultando, portanto, os ciclos econômicos nos países emergentes. O Brasil tem uma possibilidade de conseguir se diferenciar nesse cenário, para isso precisaria também não só da implementação de uma política econômica (da continuidade da implementação da agenda econômica), mas especialmente da redução de tensões político-institucionais que tem afetado a imagem do Brasil junto aos investidores estrangeiros e certamente reduzindo a magnitude da retomada econômica esperada ao longo dos anos da administração Bolsonaro.


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