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Rubens Tilkian fala das mediações na Justiça

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O advogado Rubens Decoussau Tilkian, iniciou os trabalhos na área jurídica no ano de 1998, na qualidade de Conciliador do Fórum Regional de Santo Amaro e membro voluntário da equipe da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Trabalhou em renomados escritórios do país como Manuel Alceu Affonso Ferreira Advogados (1998/1999) e Wald Advogados Associados (2002/2005). Durante dois anos (2000/2001), atuou nos Estado Unidos da América, no escritório Bander, Fox-Isicoff & Associates, em Miami, Flórida. Em 2005, fundou sua própria banca de advogados, sendo hoje sócio da Decoussau Tilkian Advogados. Tilkian atua com ênfase na área contenciosa, especialmente em ações complexas envolvendo litígios cíveis, societários e assuntos ligados à área de mercado de capitais (CVM), violações de direitos na mídia impressa e digital, bem como em demandas envolvendo assuntos de aeroportos e rodovias. Atua com ênfase em sustentações orais perante os Tribunais do país. É especialista em mediação e, ao longo dos últimos anos, tem se dedicado ao estudo da formação dos conflitos interpessoais e vem desenvolvendo importantes trabalhos na área de mediação empresarial, política e pessoal. Recentemente lançou o livro “Comentários à Lei de Mediação” (Editora Migalhas), onde mostra como essa atividade, em desenvolvimento no Brasil, contribui para o avanço e a agilidade da Justiça.

Rubens, como nasceu o seu amor a esta área do Direito que são as ações complexas envolvendo litígios cíveis, societários e assuntos ligados à área de mercado de capitais?

Mesmo antes de ingressar na Faculdade de Direito, eu já tinha o perfil de lutar pela justiça e defender os valores éticos nas relações interpessoais. Sempre que identificava uma situação conflituosa entre terceiros, procurava me envolver para encontrar uma solução ao conflito. Minha atuação na advocacia foi, desde o primeiro ano da faculdade, na área contenciosa estratégica, ou seja, nos litígios complexos. Nunca me interessei, nem mesmo atuei, nos litígios massificados, por entender que nestas causas, por serem padrões e repetitivas, mais vale a capacidade de produção em escala do profissional, do que a arte de advogar estrategicamente em prol dos interesses do cliente. Gosto de estudar as causas a fundo, em seus detalhes, discutir a estratégia com os clientes e elaborar um plano de ação amplo para o litígio, com objetivos claros e determinados.

Quais são as principais dificuldades quando se elabora e negocia contratos de empresas nacionais e internacionais?

Quando a negociação envolve empresas internacionais – ou quando há uma empresa brasileira numa ponta – eu diria que o mais difícil talvez seja explicar as dificuldades e burocracias que serão enfrentadas em nosso país, seja do ponto de vista da imprevisibilidade fiscal, seja em relação à garantia da exequibilidade do contrato, seja, ainda, quanto ao nosso sistema judiciário. O que se nota, quando o contrato que está sendo celebrado terá o seu cumprimento no Brasil, é uma verdadeira batalha em torno dos interesses individuais das partes, o que muitas vezes acaba enfraquecendo demasiadamente um dos lados e, por consequência, prejudicando o próprio objeto contratual. Posso destacar, também, a imensa responsabilidade que o profissional do Direito tem ao analisar um contrato, visto que tem o dever de detectar e neutralizar eventuais brechas intencionais em seu texto, que podem ser determinantes para arruinar a relação selada entre as partes.

Você tem se dedicado ao estudo da formação dos conflitos interpessoais. Nos fale sobre isso.

Desde 1998, tenho me dedicado ao estudo das causas e das características dos conflitos humanos, tendo hoje, depois de muita prática e aprendizado, desenvolvido importantes ferramentas que são usadas com sucesso na mediação de conflitos nas mais diversas áreas do Direito. Devo reconhecer, no entanto, que isso só foi possível depois de ter dedicado grande parte do tempo à conscientização e solução dos meus próprios conflitos, ou seja, o cenário era aprender a lidar comigo mesmo. Isso é, noutras palavras, a desafiadora busca por evolução e autoconhecimento. Ensino no Instituto Vertus que as pessoas devem, antes, aprender a mediar a si mesmas, para, somente depois, partir para ajudar terceiros, sob pena de trabalharem às margens do pré-julgamento. Infelizmente, vivemos há algum tempo a era da judicialização, em que as pessoas não mais se prestam – para não dizer, não mais conseguem – dialogar, tampouco resolver seus próprios problemas, o que impõe a transferência desta responsabilidade ao Estado-juiz. Dois fatores impulsionam tal problemática – e isso pode ser notado em nosso dia a dia. Primeiro, as pessoas, muitas vezes, tendem a não assumir suas responsabilidades. Quando algo dá errado, é mais fácil culpar o outro. Tempos atrás, enfrentamos a indústria do dano moral. Hoje, nasce a indústria da transferência da responsabilidade, onde aquele que deveria assumir responsabilidade deixa sua integridade profissional de lado para não ter que assumir a culpa. Segundo, pode-se afirmar que a arte de pré-julgar o outro está no cotidiano das pessoas e é a grande responsável pela geração e potencialização do conflito, visto que é comum nos depararmos com litígios em que as partes tiram conclusões precipitadas entre si baseadas em puro achismo. Essa prática é conhecida como Theory of Mind.

Uma mediação política, empresarial e pessoal parte dos mesmos princípios, ou para cada caso deve haver uma estratégia diferente?

Basicamente, os princípios da mediação são aplicáveis a todas as áreas do Direito. Em relação à estratégia, ela pode variar dependendo da área de atuação e do nível de beligerância existente entre as partes. Exemplo disso ocorre no Direito de Família, onde a quase totalidade dos casos apresenta elevada carga emocional e uma parca racionalidade das partes. Neste caso, cabe ao mediador, antes de partir para a fase de negociação entre as partes, dedicar relevante tempo na compreensão e neutralização do conflito de cada um, isso para que a pessoa tenha a chance de enxergar o impasse com outros olhos – como se de fora ou no lugar do outro estivesse – e decidir na mediação em prol daquilo que lhe fará bem, nunca por aquilo que simplesmente prejudicará o outro. Apenas a título de exemplo, são raras as vezes, num processo na área de família, que se adota a estratégia de reunir as partes já na primeira reunião de mediação, visto que tal iniciativa, se precipitada e a depender do caso e do grau de litigiosidade, pode colocar em xeque a qualidade do trabalho e até mesmo a segurança física dos envolvidos. Por este motivo, enquanto não tenho convicção de que as partes estão prontas para enfrentar o diálogo diretamente, opto por trabalhar com elas separadamente.

O que pode ser considerada uma mediação bem-sucedida?

Mediação bem-sucedida é aquela em que as partes, além de atingirem o acordo satisfatório, encerrando a lide ou prevenindo o litígio, conseguem também findar o próprio conflito entre elas. A mediação satisfatória permite às partes obter insights (consciência) que serão de grande valia para a vida toda. Pode-se afirmar isso com tranquilidade, pois, não são raras as vezes em que o Poder Judiciário, por meio de sentença, coloca fim ao processo, mas não consegue encerrar de fato o conflito entre as partes, fazendo com que ele perpetue e se agrave no tempo.

No que o Brasil precisa melhorar em relação a outras partes do globo quando o assunto é operação de Fusões & Aquisições?

Não há uma resposta única, pois, depende do enfoque que se queira dar. Resumidamente, e escolhendo um aspecto que julgo importante, eu diria que um dos pontos a serem melhorados diz respeito à segurança jurídica conferida ao comprador de uma determinada operação. Isso porque o Poder Judiciário brasileiro ainda não conseguiu atingir harmonia em suas decisões, em se tratando do assunto responsabilidade perante terceiros – ainda que caminhe nesta direção. Explico, e novamente escolhendo um exemplo: não é incomum encontrar casos em que o adquirente de uma determinada planta industrial, após alguns anos, seja responsabilizado por passivos trabalhistas e/ou fiscais que sequer deu causa e que nitidamente não são de sua responsabilidade. Muitas vezes, o simples fato de a sentença não conseguir atingir seus fins perante o verdadeiro devedor, já é motivo para se redirecionar o débito, de forma desenfreada, a outras pessoas (física ou jurídica), ainda que não tenham concorrido para a formação do débito. Assim, desencadeia-se uma imensa insegurança jurídica aos compradores de empresas, sem falar no prejuízo financeiro que acaba por inviabilizar a continuidade da empresa e a manutenção de empregos.

O que vem chamando a sua atenção de uma forma positiva, na área em que você atua, e que é muito pouco divulgado pelos órgãos de imprensa?

Em se tratando da minha atuação na advocacia, como sócio da Decoussau Tilkian Advogados, vejo um dinamismo maior na condução dos casos perante o Judiciário, o que não significa dizer que isso seja efetivamente positivo. O elevado número de processos, a falta de estrutura disponibilizada aos nossos Juízes, a ausência de colaboração por parte de alguns advogados (que vivem da judicialização) e o plano de metas imposto pelo Conselho Nacional de Justiça, estão fazendo com que nossa Justiça passe a premiar aqueles que se destacam por critérios quantitativos e não mais qualitativos.

Para que se tenha uma ideia, só no Estado de São Paulo o número de processos anual por Magistrado chega a quase 11 mil, sendo certo que a ONU (Organização da Nações Unidas) recomenda que esse número não ultrapasse 400. Os números assustam e medidas enérgicas precisam ser implementadas para, somente assim, devolvermos aos magistrados e advogados o verdadeiro sentido da arte de julgar e advogar, respectivamente.

Já quando atuo como mediador no Instituto Vertus de Mediação e Resolução de Conflitos, por mim fundado, vejo neste novo método, a mediação – que ganhou espaço importante no Novo Código de Processo Civil –, uma chance ao Judiciário, tal como escrevi em artigo publicado em 2015, no anuário Top Lawyers, intitulado “Mediação: nova chance ao Judiciário”. Se houver interesse político em premiar a mediação, certamente experimentaremos importantes mudanças positivas no sistema judiciário nacional e, paralelamente a isso, teremos novas oportunidades de trabalho. Ainda, é importante dizer que, para que a mediação ganhe espaço em nosso país, há que se ter um grande apoio da população, já que vivemos na era da judicialização. Portanto, devemos lutar por uma mudança cultural, consubstanciada num verdadeiro ganho de consciência, para que as pessoas passem a buscar mecanismos de solução de conflitos alternativos, onde atuem como protagonistas de suas decisões, e não apenas transfiram tal mister a terceiros, já que no final do dia não adiantará reclamar da decisão, caso não lhes seja favorável.

Gostaria que falasse um pouco sobre o seu mais recente livro “Comentários à Lei de Mediação”.

O livro representa uma pequena contribuição a todos os leitores interessados na mediação, independentemente da profissão. A ideia central foi a de analisar a Lei de Mediação, artigo por artigo, fazendo referências pontuais às resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de Justiça de São Paulo aplicáveis à espécie, e, ainda, aos artigos do Novo Código de Processo Civil que tratam da mediação. O objetivo é alcançar não só os operadores do Direito em nosso país, mas também aqueles de outras áreas, que sonham em trilhar um novo caminho profissional como mediadores de conflitos.

Você é considerado um grande inovador no campo acadêmico. Qual a importância da inovação neste campo?

Apesar do pioneirismo em comentar a Lei de Mediação, tal como realizado, existem outros excelentes autores que tratam do tema mediação e merecem seus créditos. Meu livro traz uma visão prática sobre o tema e os comentários estão cercados de opiniões pessoais baseadas não só na Lei e em Resoluções, como também em minha experiência de quase duas décadas estudando conflitos e mediação.

Qual o melhor caminho para a solução de um conflito que se arrasta há muitos anos?

De fato, existem conflitos que precisam da intervenção estatal. Neste caso, na minha opinião, o melhor caminho seria o Poder Judiciário. Por outro lado, existem casos, e não são poucos, cujo resultado deve partir da intenção e da vontade das próprias partes, sempre por meio do diálogo. Nestas hipóteses, entendo que os chamados métodos autocompositivos, aqueles que não dependem de uma decisão mandamental de terceiros, quais sejam, mediação, conciliação e negociação, serão os mais adequados, seja do ponto de vista de resultado, seja em relação à economia de tempo, dinheiro e desgaste emocional.

Como tem enxergado o papel da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), quando é convocada para debater e analisar as grandes questões nacionais?

Sou assíduo defensor e entusiasta da firme atuação da nossa Ordem dos Advogados do Brasil em temas de interesse nacional e na defesa pela manutenção e respeito aos princípios e valores de um Estado Democrático de Direito. Por muitos anos, trabalhei na OAB/SP e lá, durante considerável período, atuei como vice-presidente da Comissão Permanente de Exame de Ordem. Nessa época, fizemos um grande trabalho de conscientização nas Faculdades de Direito em torno da importância do nosso exame de ordem como meio de garantir, tanto a qualidade da advocacia, como a própria segurança dos jurisdicionados. Uma simples retrospectiva do passado é suficiente para se concluir pelo importante papel que a Ordem exerce não só em prol de seus membros, os advogados, como também, e talvez principalmente, à sociedade brasileira como um todo, sempre de forma autônoma e desapegada de qualquer viés, interesse ou capricho político.


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