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Sérgio Vaz acredita nos sonhos da periferia do país

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Nascido no Vale do Jequitinhonha (MG), em 26 de junho de 1964, Sérgio Vaz é hoje um dos nomes que estão fazendo a periferia sonhar e ao mesmo tempo realizar. Sem dinheiro para publicar os seus livros, o jeito era declamar. Foi criado o agora famoso sarau. No começo, numa fábrica abandonada, depois na mercearia que era do seu pai. Hoje o sarau da Cooperifa é um ponto onde se reúnem cerca de 300 pessoas por semana e até 60 poetas por noite. Além disso, Vaz é considerado uma das 100 pessoas mais influentes do país e uma das 10 pessoas que fazem a diferença em São Paulo, por ter transformado a Cooperifa em um dos pontos culturais mais importantes do país. Em 2011 também foi coordenada pelo poeta, a 1ª Mostra do Cinema na Laje. O poeta e agitador cultural, afirma nesta entrevista, que os escritores são de uma arrogância sem tamanho. “Nossa poesia que nasce das ruas violentas, da saúde precária, do ensino de má qualidade, do racismo, do preconceito de classe, do desemprego, das mazelas sociais, etc. Dessa literatura que denuncia o que se sofre na pele. Dessa literatura das letras descalças, mas de pés firmes e calejados que não descansam nunca. Dessa literatura que sangra na página e umedece de lágrimas. (…) Uma parte da periferia não gosta de arte porque não tem o hábito. É isso que estamos tentando mudar por aqui. Por exemplo, todo mundo tem dinheiro para ir ao cinema, mas não vai porque não tem o hábito”, afirma o poeta.

Muitos dizem que você é teimoso, invocado e original. Você se considera teimoso, invocado e original?

Acho que não, só não sou um pobre cativo. Rir com amigos, conhece religião melhor? Também não sou original, sonhadores é o que não falta na periferia.

Você afirmou que a cultura em nosso país é elitista em muitos casos. Por isso algumas pessoas das nossas periferias estão distantes da mesma?

Uma parte da periferia não gosta de arte porque não tem o hábito. É isso que estamos tentando mudar por aqui. Por exemplo, todo mundo tem dinheiro para ir ao cinema, mas não vai porque não tem o hábito. Todo mundo gosta de filme, mas não de cinema. Por isso criamos o “Cinema na Laje” que acontece segunda-feira sim, segunda não. Estamos trabalhando formação de público. Assim temos a “Chuva de Livros” na comunidade, e por aí vai. Formação de público, a palavra é essa.

Acredita que a literatura que é praticada no país hoje, está mais voltada para o umbigo e para ser discutida em jornais?

Concordo. E os escritores são de uma arrogância sem tamanho. Se negam ao público, é tipo uma arte maior, ou sei lá o quê. A maioria detesta a periferia, já tentei levar vários na Cooperifa, não vão. E sabe o que acontece quando o escritor fica no casulo: a literatura cai no esquecimento. Fui em uma escola pública da região, e o moleque falou assim “Você é novo, pensei que os escritores já tinham morrido.”

NA FUNDAÇÃO CASA…

– Quem gosta de poesia?
-Ninguém senhor.
Aí recitei “Negro Drama” dos Racionais.
– Senhor, isso é poesia?
-É.
-Então nóis gosta.
É isso. Todo mundo gosta de poesia.
Só não sabe que gosta.

Você já disse que a sua arte é irregular. Nos fale mais sobre isso.

Ser poeta foi a forma mais elegante que encontrei pra dizer que sou analfabeto. Sou artista porque sou vagabundo, porque não gosto de trabalhar, não tem nada a ver com talento. Minha arte é preguiçosa.

Se pudesse citar apenas um anseio dentre os vários que fez você criar a Cooperifa, qual seria o principal?

Uma periferia melhor para viver.

A áurea do artista supervalorizado que temos no Brasil lhe incomoda?

Ser artista neste país não é um privilégio, é um castigo. Não sei porque tem tanta gente metido à besta por conta disso. Mas é que vivemos um momento do culto à celebridade, o sucesso Miojo (dois minutos, está pronto).

Quando a grande mídia fala em “arte da periferia”, não é estranho e de certo modo até preconceituoso?

A nossa arte é uma surpresa para todo mundo, fomos formados para consumir tudo que eles querem goela abaixo. De repente a gente cortou os intermediários e começamos consumir o que é nosso. É a nossa “Antropofagia periférica”. A mídia não sabe nada sobre nós, somos de um outro país, uma outra República e falamos um dialeto das ruas. Não recitamos poesias, fazemos atentados poéticos.

Sou classe C, C de correria. C de cultura.

A mídia quando fala da periferia acha que descobriu a pólvora, mal sabe ela que nós somos urânio enriquecido.

Fazendo uma pesquisa sobre o seu trabalho, percebemos que algumas pessoas consideram que a poesia feita pela Cooperifa é pobre. Como encara críticas como essa?

É feita por pobre. Como em todo lugar, nobre ou pobre, tem gente que presta e tem gente que não presta. Estou falando de literatura, não confunda.

Nossa poesia que nasce das ruas violentas, da saúde precária, do ensino de má qualidade, do racismo, do preconceito de classe, do desemprego, das mazelas sociais, etc. Dessa literatura que denuncia o que se sofre na pele. Dessa literatura das letras descalças, mas de pés firmes e calejados que não descansam nunca. Dessa literatura que sangra na página e umedece de lágrimas. Dessa literatura órfã de pai e mãe, dessas letras mal dormidas, dessa palavra torta e mira certa, que falta trigo na hora do pão.

Dessa poesia que apanha na cara, e não dá a outra face. Desse verso maltrapilho que dorme nas calçadas, mas não pede esmola. Da rima pobre, que por dignidade, não pede dinheiro emprestado nem compra fiado.

A literatura que fala dessa vida desgramática que dói mesmo quando a gente parece que está feliz.

Ah, mas vão dizer, como disseram outro dia:
“E quando tudo isso acabar, a fome, a miséria, o racismo, a violência, enfim, vocês vão escrever sobre o quê?”
“Eu vou escrever um livro chamado, ‘Que mundo maravilhoso´.”
É disso que a literatura de periferia fala, da luta e da busca de um mundo maravilhoso para todos nós.
Não importa se com menos ou mais crase, com menos ou mais vírgulas. Essa literatura não se mede pela pontuação, métrica ou estética, ainda que tudo isso tenha sua serventia, mas pela postura de suas linhas e entrelinhas.
Nesse caso, se tiver nobreza nos atos e não tiver pobreza no coração, pode escrever essa literatura.

E os saraus como são feitos?

A pessoa chega dá o nome e aguarda sua vez. Tem noites com 70 poetas, alguns não conseguem, mas voltam outra vez.

Por que o livro “Os Miseráveis” foi tão marcante na sua vida?

Porque descobri a miséria humana. Achava que pobreza tinha a ver com dinheiro. Descobri que tem miserável que não tem nada e que tem miserável que tem tudo.

Você disse que parte do povo está anestesiado, mas uma outra parte nunca dormiu. Essa parte que está anestesiada se juntará àquela outra parte que nunca dormiu?

Há quanto tempo nossa literatura vem falando sobre tudo isso que o povo está reivindicando? Desde sempre. Só que ninguém quis ouvir. Quando o sofredor fala ninguém dá ouvidos.

Estava mais do que na hora da classe média entrar nessa briga também. Bem-vindos e aproveitem que as balas são de borracha, na quebrada não gozamos do mesmo privilégio.

O que lhe dá mais orgulho quando você olha para os frutos dados pela Cooperifa?

Construímos tudo com as nossas mãos, não tivemos que contar nenhuma história triste para conseguir isso: a nossa independência. Aprendemos a sonhar com as mãos.

Outro dia uma mulher chorou porque com 60 anos era a primeira vez que tinha ido ao cinema (na laje). Gente que nunca havia lido um livro, hoje está viciada em poemas. Molecada que voltou a estudar, que continuou estudando.

Um dos seus autores preferidos, o chileno Pablo Neruda, dizia que a poesia tem uma comunicação secreta com o sofrimento do homem. Em qual momento da sua vida essa comunicação secreta “pegou” você?

Desde sempre, tinha uma tristeza que me visitava até nos dias de alegria.

O escritor é aquele que desce até o inferno para que o leitor, esse ser ingrato e inconstante, ande como um anjo pela dor alheia.

Escrever é se matar um pouco todo dia na presença de algumas testemunhas que muitas vezes assistem a tudo, mas não podem fazer nada.

Ainda que não saiba, escrever é a minha vida.


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