Um raio x da Vox Capital do executivo Daniel Izzo
Daniel Izzo iniciou a sua carreira nas áreas de marketing e novos negócios. Trabalhou no Submarino na época que era uma startup e depois ficou por vários anos na Johnson & Johnson Consumer Division no Brasil, onde foi gerente de produto de Band-Aid e Sundown, entre outros. É sócio e cofundador da Vox Capital, primeiro fundo de investimentos de impacto do Brasil, focado em negócios com grande potencial de crescimento que servem a população de baixa renda brasileira com soluções que ajudam a melhorar suas vidas. Daniel é membro do conselho de diversas instituições, do Pólo ANDE Brasil, World Responsible Leader pela BMW Foundation e professor-convidado sobre Investimentos de Impacto no programa executivo da Said Business School, em Oxford. “Apesar da crise, o Brasil continua sendo uma das dez maiores economias do mundo. Temos um mercado interno muito significativo e isso vai continuar existindo. Por outro lado, temos quase 60% da população vivendo com menos de R$25 por dia. Essa população, de cerca de 120 milhões de pessoas, ainda é, em sua grande maioria, muito mal servida, mesmo nas questões mais básicas, como educação, saúde e acesso a serviços financeiros. Esse tipo de oportunidade é um prato cheio para empreendedores preparados e com interesse genuíno na resolução de problemas”, afirma o ativista e empreendedor.
Daniel, fale se possível de uma forma resumida, como foi o começo de sua carreira até chegar nos dias atuais.
Iniciei minha carreira nas áreas de marketing e novos negócios. Trabalhei no Submarino na época que era uma startup e depois fiquei por vários anos na Johnson & Johnson Consumer Division no Brasil, onde fui gerente de produto de Band-Aid e Sundown, entre outros. Nos últimos anos na empresa, fui responsável pelo desenvolvimento de um novo negócio focado em comunidades de baixa renda no Rio de Janeiro. Nesse projeto, estávamos buscando desenvolver um modelo ganha-ganha-ganha, onde a empresa vendia seus produtos, as lideranças comunitárias geravam renda para suas equipes e para sua associação e levávamos informações sobre promoção de saúde para a comunidade como um todo. Foi então que me apaixonei pelo modelo de negócios com impacto social. Para ter uma escala e uma profundidade maior nesse trabalho, tive a ideia de criar um fundo de investimento para apoiar novos modelos de negócio de impacto, que se tornou a Vox Capital.
Você lembra o momento exato, que parou de fazer sentido trabalhar simplesmente para maximizar lucros?
Foi uma construção. Por muito tempo eu já sentia uma desconexão profunda entre o meu trabalho (o ganhar dinheiro) com a minha vida pessoal (meus valores e o que eu buscava na vida). Por muito tempo essa insatisfação ficou anestesiada e escondida debaixo do medo da sobrevivência e da necessidade de fazer dinheiro. Até que chegou um ponto em que essa desconexão ficou impossível de sustentar. Uma manhã, numa sexta-feira, cheguei no escritório às 9h e tive que sair às 11h, porque não conseguia mais trabalhar num modelo que buscava apenas maximizar o retorno financeiro e aumentar as receitas. Foi então que resolvi mudar o foco de meu trabalho para incluir modelos mais sustentáveis e com impacto social atrelado ao retorno financeiro.
Em um determinado período da sua vida, você afirmou que estava incomodado em tornar gente rica ainda mais rica. Atualmente, acredita que parte da nossa elite, também tem esta consciência?
Essa frase surgiu dentro do contexto de um trabalho focado apenas em maximizar o retorno financeiro. Trabalhar 40, 50, 60 horas por semana, em troca de um salário, por melhor que seja, para tornar acionistas, que eu nem conhecia, ainda mais ricos, enquanto aqui na “realidade” a gente vive uma desigualdade social profunda, deixou de fazer sentido. Ou eu passava a trabalhar para melhorar o mundo em que vivíamos, ou não fazia mais sentido dedicar todo o meu esforço e energia. Muita pouca gente se dá conta que o esforço que colocamos, através do nosso trabalho e investimento, ajuda a moldar o mundo. Quando dedico tempo a uma atividade, estou contribuindo para que o produto dessa atividade seja mais forte e mais presente no mundo no futuro. Quando trabalhamos apenas para ganhar dinheiro, às vezes nem nos damos conta do que estamos construindo. Qual é o efeito no mundo do que faço? Vai ser um futuro melhor ou não? Quando você começa a se perguntar isso, não dá pra voltar…
Em que momento a ideia de criar a Vox Capital se tornou palpável?
Tive a ideia de criar o fundo através de um investimento anjo que fiz em 2008. Vendo os desafios e as barreiras de uma empresa em estágio inicial, ficou claro que é necessário apoio, tanto em forma de dinheiro quanto em apoio à gestão, para que a maioria dos negócios tenha chance de sobreviver e crescer. Comentei sobre essa ideia com o empreendedor em que eu estava investindo e ele logo me apresentou à fundadora da Artemisia, a Kelly Michel, que também estava com a ideia de criar um fundo de investimento para apoiar os negócios acelerados por eles. A Kelly, por sua vez, conhecia o Antonio Moraes, que também tinha esse projeto. Tivemos, portanto, ideias semelhantes quase na mesma época e nos conhecemos através de redes comuns. Logo no início das conversas com os outros sócios cofundadores, já tínhamos um investidor americano interessado no conceito de negócios de impacto social positivo no Brasil., com base no trabalho que já vinha sendo desenvolvido pela Artemisia. A partir daí, foi só arregaçar as mangas e começar a trabalhar.
Quais foram os grandes desafios que a Vox teve no começo de sua operação?
O primeiro desafio foi achar nossa tese de investimento ideal. Ainda não estava claro para nós qual deveria ser o balanço entre impacto social e retorno financeiro ou o estágio de desenvolvimento das empresas-alvo ou até se o investimento deveria ser em participação acionária, ou dívida. Não havia benchmark ou outros fundos fazendo o mesmo no Brasil. Tudo teve que ser refinado através de muita conversa com empreendedores e análise de mercado. Fizemos alguns investimentos errados e descobrimos muito do que gostávamos ou não gostávamos de fazer através de tentativa e erro. Foram, basicamente, os três primeiros anos de nossa operação nessa iteração e desenvolvimento de negócios
E quais são os grandes desafios que ela tem hoje?
Os principais desafios que enfrentamos hoje são em i) captação porque, com as taxas de juros atuais no Brasil, existe muito pouco incentivo financeiro para investimento em inovação e ii) desenvolvimento dos negócios do nosso portfólio – essa é uma atividade que requer muita flexibilidade, pois, cada negócio tem necessidades específicas, e visão de longo prazo, já que, normalmente, acompanhamos cada empresa do portfólio por 5 a 7 anos.
De qualquer forma, como líderes e pioneiros do setor de investimentos de impacto temos como desafio mostrar que o conceito tem potencial e funciona. Para isso, precisamos criar casos de sucesso, para que mais empreendedores, investidores e executivos acreditem que é possível gerar retorno financeiro e impacto social através dos negócios.
Como uma empresa pode ter um impacto social e ainda assim resolver um problema real da população de baixa renda, num momento turbulento como o atual?
Apesar da crise, o Brasil continua sendo uma das dez maiores economias do mundo. Temos um mercado interno muito significativo e isso vai continuar existindo. Por outro lado, temos quase 60% da população vivendo com menos de R$25 por dia. Essa população, de cerca de 120 milhões de pessoas, ainda é, em sua grande maioria, muito mal servida, mesmo nas questões mais básicas, como educação, saúde e acesso a serviços financeiros. Esse tipo de oportunidade é um prato cheio para empreendedores preparados e com interesse genuíno na resolução de problemas. De um lado, um mercado interno gigante, de outro, muitos problemas a serem resolvidos. Por isso que, sempre que estou no exterior, digo que o Brasil é um dos principais mercados do mundo para investimentos de impacto. Em pouquíssimos outros países temos essa combinação de fatores que permite o desenvolvimento de modelos de negócios para solucionar problemas sociais.
Você se considera mais ativista ou mais empreendedor?
Ambos. Na realidade, acredito que não há nada melhor que uma causa para motivar a energia empreendedora. Eu me tornei empreendedor por ter uma razão maior, um propósito maior. Nesse sentido, sou mais ativista. Acontece que o dia a dia pede uma resiliência e uma capacidade de fazer acontecer muito empreendedora. Então sou um pouco dos dois.
O termo investimento de impacto, é bastante difundido no mercado. O que isso significa na, prática, e como a Vox se alinha nesta questão?
Para mim, a melhor definição de investimento de impacto vem do GIIN (Global Impact Investing Network), que diz que investimentos de impacto são aqueles feitos em negócios com a intenção de causar impacto social e/ou ambiental positivo, além de retorno financeiro. Para mim, são três os principais itens dessa definição: i) impacto positivo; ii) retorno financeiro, que diferencia bem a atividade de outras iniciativas filantrópicas e iii) a intenção – ou seja, o impacto não é uma externalidade positiva, mas sim, está na missão da empresa desde seu início e é considerado em seu modelo de governança. Ou seja, o impacto positivo e o retorno financeiro são indissociáveis e a gestão trabalha ativamente para alcançar os dois.
A Vox Capital trabalha apenas com negócios de impacto social positivo, segundo a definição acima. Nosso recorte é o foco em negócios que usam tecnologia para entregar serviços que resolvem problemas reais que são mais prevalentes na população de baixa renda.
Outra questão que já disse há um tempo, foi que devemos instituir no Brasil a visão de negócios de longo prazo. Quais os caminhos para que isso ocorra em uma nação que quer “tudo pra ontem?”.
Acho que só conseguimos realizar algumas mudanças, quaisquer mudanças, quando demonstramos resultados. Acho que o “imediatismo” (apesar de eu não concordar necessariamente que o Brasil é mais imediatista que a média mundial) só deixará de ser o modelo atual das finanças, quando o resultado alcançado no longo prazo puder ser demonstrado. Por isso, quem está trabalhando com esse tema precisa ter paciência, resiliência e foco. Hoje, o longo prazo tem que estar no mindset [seria algo como estar na mente] de quem trabalha com investimento de impacto. Só assim teremos o tempo e o foco necessários para criar mudanças significativas e, assim, influenciar mais atores para que sigam o mesmo modelo.
Como enxerga o papel da Vox Capital em um longo prazo?
A Vox Capital tem uma visão de continuar a investir com impacto por muito tempo. Vejo nosso papel em três pilares, ao longo do tempo: investindo em cada vez mais negócios de impacto de sucesso, contribuindo para o desenvolvimento do ecossistema de investimento de impacto e inspirando outras pessoas e organizações a trabalharem com o tema, para assim, juntos, melhorarmos o mundo em que vivemos.
Última atualização da matéria foi há 3 anos
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