Os abusos sexuais de Jimmy Savile
Jimmy Savile foi, por décadas, a encarnação daquele tipo de celebridade que a Inglaterra produziu em larga escala: excêntrico, espalhafatoso, endeusado pela mídia e, sobretudo, intocável. Um homem que se escondia atrás de óculos escuros e frases de efeito para encobrir uma escuridão tão profunda que, vista retrospectivamente, parece impossível que tenha sido ignorada por tantas instituições. Mas foi. E não apenas ignorada — foi cuidadosamente varrida para baixo de tapetes de gabinetes, estúdios, hospitais e fundações de caridade. O caso Savile não é somente sobre um predador em série; é sobre o culto à celebridade e a complacência estrutural que permitiram que ele prosperasse durante meio século.
O desconforto começa pelo óbvio: como um animador de TV, por mais famoso que fosse, teve acesso irrestrito a alas hospitalares, dormitórios, camarins e instituições para jovens vulneráveis? A resposta, infelizmente, é clássica na cultura britânica — Savile se oferecia como benfeitor, padrinho honorário, arrecadador de fundos, figura pública afável. O tipo de personagem que as instituições adoram para fotos oficiais, mas também aquele que, na calada dos bastidores, usufruía da aura de “homem de bem” para cometer crimes na sombra. A manipulação era tamanha que alguns gestores de hospitais se sentiam honrados em entregar-lhe chaves de acesso, como se ele fosse uma espécie de mascote filantrópico.
“Savile, de certa forma, foi a soma da covardia de todos. Um sintoma — brutal, nauseante — de uma cultura que não sabe lidar com poder quando ele vem disfarçado de sorriso e adereços chamativos.”
Impressiona menos o monstro que Savile foi — porque monstros existem — e mais a engrenagem social que lhe deu proteção, silêncio e oportunidades. A BBC, por exemplo, foi acusada de ignorar denúncias internas, preferindo preservar a reputação da corporação ao bem-estar das vítimas. A polícia recebeu alertas que nunca avançaram. Algumas investigações foram sabotadas ou arquivadas com a facilidade de uma folha de ofício sendo empurrada para o fundo de uma gaveta. Tudo isso enquanto Savile posava ao lado da realeza, de políticos, de estrelas do showbiz e de pacientes doentes que, ironicamente, acreditavam estar diante de um ícone de bondade.
A ironia final é que a investigação só ganhou corpo depois da morte do apresentador, quando ele já não podia responder pelas acusações — um espetáculo tardio de moralidade que muitos chamaram, com razão, de “coragem post mortem”.
O culto à celebridade como biombo moral
A história de Savile revela também a arquitetura cultural que transforma celebridades em sacerdotes seculares. Gente famosa recebe o benefício da dúvida antes mesmo de abrir a boca. A sociedade, com seu fascínio infantilizado por ídolos, entrega confiança, desculpas e blindagem sem perguntar quanto isso custa às vítimas invisíveis. Savile manipulou essa dinâmica com a perícia de um maestro: distribuía doações, apresentava programas considerados “do bem”, frequentava bailes beneficentes e transformava cada aparição pública numa performance de excentricidade calculada. Ele era, em suma, o tipo de figura que instituições adoram porque gera manchetes simpáticas — e manchetes simpáticas são ouro.
Mas o preço desse ouro foi pago por centenas de pessoas cujas vozes foram abafadas por décadas. O relatório oficial que veio à tona anos depois revelou um padrão grotesco: vítimas crianças, adolescentes, mulheres adultas, pacientes sedados, funcionárias de bastidores, fãs em desvantagem emocional. A heterogeneidade das vítimas reforça a essência do predador: Savile não escolhia perfis; escolhia oportunidades. Ele caçava onde o sistema o deixava circular livremente.
Não surpreende, portanto, que o escândalo tenha forçado o Reino Unido — e sobretudo a velha guarda de suas instituições — a confrontar suas próprias mitologias. A ideia de que figuras públicas, especialmente aquelas ligadas à filantropia ou entretenimento, são naturalmente “boas pessoas” continua sendo um veneno cultural. Savile provou o óbvio: ninguém deve ser blindado pelo carisma. Nem pelo crachá da mídia. Nem pelo cheque da caridade. Nem pelo contato com reis e rainhas.
Quando se olha para o caso com distância histórica, percebe-se a anatomia de um fracasso coletivo: a mídia que preferiu o silêncio ao escândalo, a polícia que preferiu a conveniência ao dever, as instituições que preferiram a vaidade ao zelo, o público que preferiu o mito à lucidez. Savile, de certa forma, foi a soma da covardia de todos. Um sintoma — brutal, nauseante — de uma cultura que não sabe lidar com poder quando ele vem disfarçado de sorriso e adereços chamativos.

Hoje, depois de documentários, relatórios, confissões tardias e investigações post mortem, resta a pergunta que importa: quantos outros Saviles ainda se movem por trás das cortinas do prestígio? Talvez a maior lição seja a mais incômoda: os predadores variam, mas o mecanismo que os protege continua alarmantemente vivo.
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Emanuelle Plath assina a seção Sob a Superfície, dedicada ao universo 18+. Com texto denso, sensorial e muitas vezes perturbador, ela mergulha em territórios onde desejo, poder e transgressão se entrelaçam. Suas crônicas não pedem licença — expõem, invadem e remexem o que preferimos esconder. Em um portal guiado pela análise e pelo pensamento crítico, Emanuelle entrega erotismo com inteligência e coragem, revelando camadas ocultas da experiência humana.




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