A falência do Lehman Brothers em detalhes
A falência do Lehman Brothers, anunciada em 15 de setembro de 2008, foi um marco não apenas da crise financeira daquele ano, mas também do fracasso de um sistema regulatório que permitiu que a ganância e a imprudência se disfarçassem de sofisticação financeira. A queda do banco de investimentos, fundado em 1850, não foi apenas o colapso de uma empresa — foi a implosão de um modo de operar o capitalismo financeiro no século XXI. Passados quase 17 anos, os detalhes que cercam a derrocada do Lehman continuam oferecendo lições valiosas sobre riscos sistêmicos, irresponsabilidade corporativa e a falência moral de muitos dos protagonistas de Wall Street.
Com ativos avaliados em mais de 600 bilhões de dólares à época, o Lehman Brothers era o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos. Sua exposição excessiva ao mercado de hipotecas subprime — empréstimos de alto risco concedidos a mutuários com baixa capacidade de pagamento — foi o fio da meada que, ao ser puxado, revelou a fragilidade estrutural de toda a operação. Durante anos, a instituição apostou de forma agressiva em títulos lastreados em hipotecas (os chamados MBS e CDOs), gerando lucros astronômicos enquanto o mercado imobiliário americano parecia inquebrável.
“Pouco se falou à época — e ainda menos se fala hoje — sobre a responsabilização real dos executivos envolvidos. Richard Fuld, CEO do Lehman Brothers, que ganhou centenas de milhões de dólares nos anos que antecederam o colapso, saiu praticamente ileso, como tantos outros nomes da alta finança.”
O problema é que esse castelo de cartas dependia da contínua valorização dos imóveis e da capacidade dos mutuários de honrar seus pagamentos. Quando a inadimplência começou a subir em 2007, o mercado imobiliário americano entrou em colapso, puxando consigo os ativos tóxicos que lotavam os balanços dos bancos — sendo o Lehman o mais exposto de todos. Ao contrário de outras instituições como o Bear Stearns, que foi socorrido pelo governo e comprado pelo JPMorgan Chase com apoio do Federal Reserve, o Lehman Brothers foi deixado à própria sorte. E sucumbiu.
A decisão do governo dos Estados Unidos de não resgatar o Lehman Brothers é, até hoje, motivo de intensos debates. Henry Paulson, então secretário do Tesouro, e Ben Bernanke, presidente do Fed, sustentaram que a instituição estava excessivamente fragilizada e que não havia comprador disposto a assumir suas obrigações — o Barclays chegou a negociar a aquisição do banco, mas as autoridades regulatórias britânicas barraram a transação no último momento. O vácuo deixado pela quebra do Lehman gerou uma onda de pânico global: os mercados financeiros entraram em colapso, o crédito secou, e a confiança no sistema bancário evaporou.
A escolha de deixar quebrar: erro ou lição?
O que se seguiu foi uma recessão global de proporções históricas. Bilhões de dólares foram perdidos, empresas quebraram, milhões de empregos desapareceram, e a desigualdade se acentuou. A crise provocada pela falência do Lehman mostrou o quão interligado e vulnerável era o sistema financeiro internacional — e também escancarou a ausência de mecanismos eficazes de supervisão e contenção de riscos.
A posterior aprovação da Lei Dodd-Frank nos EUA, em 2010, foi uma tentativa de evitar que algo semelhante voltasse a acontecer, impondo regras mais rígidas aos bancos “grandes demais para quebrar”. A criação do Financial Stability Oversight Council e a exigência de testes de estresse regulares foram parte desse esforço. No entanto, críticas persistem sobre a eficácia dessas medidas, especialmente diante da constante tentativa das grandes instituições financeiras de driblar as regulações e manter seus lucros intactos.
Além disso, pouco se falou à época — e ainda menos se fala hoje — sobre a responsabilização real dos executivos envolvidos. Richard Fuld, CEO do Lehman Brothers, que ganhou centenas de milhões de dólares nos anos que antecederam o colapso, saiu praticamente ileso, como tantos outros nomes da alta finança. A impunidade de Wall Street continua sendo um dos legados mais perversos da crise.

Desde então, o mundo assistiu a outras crises e novos tipos de risco — como os relacionados a criptomoedas, tecnologia e mudanças climáticas — mas os fundamentos do sistema continuam, em grande parte, os mesmos. A confiança excessiva nos mercados, a tendência à alavancagem descontrolada e a busca incessante por lucro no curto prazo são elementos que, somados, continuam produzindo ambientes instáveis e propensos a novos choques.
Diante de uma economia global que ainda carrega as cicatrizes da pandemia de COVID-19, de guerras regionais e de um ciclo inflacionário prolongado, as lições do colapso do Lehman Brothers seguem atuais. O episódio mostrou que, por trás de discursos técnicos e gráficos sedutores, muitas vezes há uma bolha de irrealismo pronta para estourar — e que os danos quase sempre recaem sobre quem menos lucrou com ela. Se a falência do Lehman serviu para algo, foi para nos lembrar que o sistema financeiro, quando não regulado de forma eficaz, é menos um motor de prosperidade e mais uma roleta russa disfarçada de meritocracia.
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