André Mehmari sublinha sobre a arte musical
André Ricardo Mehmari é pianista, compositor e arranjador. Suas obras foram executadas pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), Orquestra Petrobras Sinfônica e Orquestra Amazonas Filarmônica, dentre outras importantes formações brasileiras. Na música popular, gravou discos com o bandolinista Hamilton de Holanda e com a cantora Ná Ozzetti. Em 2010 assinou contrato com um dos mais importantes selos italianos de jazz, EGEA, que representa o artista na Europa (com lançamento de cinco discos solo). O primeiro deles (“Miramari”) foi gravado no Oratorio Santa Cecilia, no centro histórico de Umbra (Itália) e já foi lançado nesse país. “Arte quando feita por um verdadeiro artista é capaz de revelar muitas coisas sobre um momento histórico, sobre as pessoas, sobre a sociedade. Ela funciona como um espelho altamente evoluído e pode evidenciar vícios sociais com toda sutileza, ironia e sagacidade. Não é à-toa que líderes tiranos historicamente sempre viram a arte (e cultura) como uma inimiga de suas “propostas” políticas totalitárias e nefastas. Um exemplo clássico é o de Dmitri Shostakovich na era Stalinista da extinta União Soviética. Acredito também que a arte é capaz de sensibilizar e aproximar pessoas de uma forma igualmente profunda. Laços culturais são muito mais fortes que um exército”, afirma o compositor, arranjador e pianista de raro talento.
André, o que moveu e move você no exercício do seu ofício e da sua arte?
A própria arte. A Música-musa gentilmente que me convidou pra seu país. Tenho fé que a arte é capaz de trazer à tona o que de melhor um ser humano pode produzir, individualmente e coletivamente.
Em que momento você acredita que a arte passa a ter um papel social?
Arte quando feita por um verdadeiro artista é capaz de revelar muitas coisas sobre um momento histórico, sobre as pessoas, sobre a sociedade. Ela funciona como um espelho altamente evoluído e pode evidenciar vícios sociais com toda sutileza, ironia e sagacidade. Não é à-toa que líderes tiranos historicamente sempre viram a arte (e cultura) como uma inimiga de suas “propostas” políticas totalitárias e nefastas. Um exemplo clássico é o de Dmitri Shostakovich na era Stalinista da extinta União Soviética. Acredito também que a arte é capaz de sensibilizar e aproximar pessoas de uma forma igualmente profunda. Laços culturais são muito mais fortes que um exército.
O que você acredita ser a palavra de ordem em uma composição sua?
Manter-me fiel às minhas crenças e escolhas musicais apesar da pressão do momento difícil e das tendências de exposição por meio de redes sociais que tendem a “chapar” toda expressão. Em suma: ser verdadeiro comigo e com quem acompanha minha produção.
Suas escolhas musicais são vindas mais de uma ligação com fatores externos ou internos?
Mais internos que externos, acredito. Até por conta de minha formação e minha natureza muito mais ligada ao estudo e à introspecção do que ao palco e ao show business.
Em que momento uma música atinge aquilo que você chama de verdade artística?
Difícil aferir essa tal “verdade” por meios científicos cartesianos até porque a própria palavra “arte” conecta com “artifício”, de criação, de “mentira” de certa forma. A música é uma invenção dos homens. O som é presente divino. Isso é subjetivo e só o próprio compositor no ato da criação terá essa sensação. Após este momento muitos ruídos podem surgir no canal artista-ouvinte.
E em que momento sua música alcançou essa verdade artística?
Tem dias que minha “antena” está mais limpa e menos ruidosa. Assim, me sinto um canal mais direto entre a arte e meu público. Neste momento eu desapareço. O ego some, me sinto apenas um canal, um veículo de algo maior que não sei o nome. Este é sempre meu objetivo quando subo ao palco ou escrevo uma música.
É possível perceber se uma canção tem essa verdade artística ou não?
Como disse acho difícil quantificar ou medir essa “verdade” de maneira racional ou matemática.
Suas obras já foram executadas tanto por orquestras como por cantores populares. Como se vai do erudito ao popular sem perder a sua essência musical?
Eu não gosto de muros. É parte da minha natureza humanista, talvez. Isso não quer dizer que não reconheça as nuances e diferenças estéticas entre as diferentes “músicas”. Apenas não vejo a música como um arquipélago de ilhas ou universos de galáxias estanques que não se comunicam. Muito ao contrário, estudo intensamente desde sempre pra me instrumentar no reconhecimento de peculiaridades intrínsecas a cada “estilo” e me aprofundar nas diversas linguagens, do barroco italiano ao choro. Por isso tenho um trânsito tão variado dentro da Música: do sinfônico ao eletrônico, do jazz ao barroco, do choro à canção: e tudo no mais alto nível, inclusive em parceria com os maiores representantes de cada linguagem específica descrita acima. Eu, evidentemente, não tenho a inclinação em me tornar um especialista, percebe-se.
O mundo-mercado moderno pede isso de nós – é mais conveniente e controlável ser especialista – mas o preço a pagar é muito alto! Acabamos por saber tanto de uma só pequena coisa que no final das contas não sabemos nada. Agora; esse negócio de dividir toda música do mundo em dois grandes blocos antagônicos (popular e erudito) é um conceito tosco e rudimentar: é meramente preguiça de pensar, na minha opinião. Trata-se de um vício, uma zona de conforto ruim. Isso seria subjugar ou reduzir, por exemplo, todo um manancial imensamente rico de músicas “clássicas” como a indiana, chinesa, persa, japonesa ou árabe, apenas para citar alguns exemplos. Portanto, claro que não se toca Mozart como se toca Jobim! Mas também não se toca Stravinsky como se toca Monteverdi nem Caymmi como Beatles. Não se toca Beethoven como Mahler… e por aí vai! São muitos os rios de música que deságuam nesse imenso e lindo oceano. E esse oceano é o mapa por onde eu gosto de navegar, visando o mergulho profundo na fusão destas águas misteriosas.
Eu sou um “fazedor” de pontes musicais e isso tem me levado para todo canto do mundo. Sinto que algumas estruturas, até para se protegerem, se agarram em definições caducas, nesses tais “muros estilísticos”. Sempre fui o mesmo, desde minhas primeiras composições aos 12/13 anos. Essa visão de música já estava ali, tanto quanto hoje, portanto, não se trata de uma escolha racional ou fabricada: é minha própria natureza artística e também de um ser social que se comunica com o mundo ao redor através da arte e por ela.
Você já afirmou que a sua música desafia fronteiras. Esse desafiar de fronteiras foi algo natural ou você sempre teve esse desejo até mesmo inconsciente?
Como disse, isso é antigo. É bastante inconsciente porque é natural e não faço “força” pra isso. É consciente na medida em que entendo que esse sempre foi e seguirá sendo meu caminho e missão. Não me assusto mais, embora os preconceitos sigam fortes na sociedade que para vender seus produtos precisa classificá-los em “categorias ou caixinhas”.
Guinga nos disse que a música lhe salvou. O que a música representa em sua existência?
A música me salva várias vezes por mês. Ela não se cansa de me salvar. Ela me escolheu e dedico minha vida a ela, sem reservas. Sou grato a ela e aos meus mestres antecessores que com suas obras permitiram que eu pudesse existir e lançar mão desta cultura de inesgotável riqueza – que sempre resistiu, resiste e resistirá às tormentas históricas como a que vivemos hoje no Brasil.
Última atualização da matéria foi há 2 anos
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