As picaretagens do falecido Sérgio Naya
A trajetória do empresário e ex-deputado Federal Sérgio Naya é uma daquelas que ilustram, com precisão incômoda, os desvios morais e estruturais que marcaram o Brasil nas últimas décadas do século XX. Mais conhecido por seu envolvimento no trágico desabamento do Edifício Palace II, no Rio de Janeiro, em 1998, Naya tornou-se sinônimo de um tipo de empreendedorismo predatório, marcado pela ganância, irresponsabilidade e pela impunidade sistêmica que tanto alimenta a desconfiança dos brasileiros em relação às instituições.
Engenheiro civil por formação, Naya entrou para o ramo da construção civil ainda nos anos 1970 e logo construiu um império imobiliário com dezenas de edifícios erguidos em cidades como Brasília, Goiânia e Rio de Janeiro. Mas sua fama não se deve ao sucesso nos negócios, e sim ao modo como ele conduzia seus empreendimentos: negligência técnica, materiais de baixa qualidade e práticas administrativas pouco transparentes. A cereja do bolo foi o colapso do Palace II, um edifício de luxo construído por sua empresa, a Sersan. Duas pessoas morreram, dezenas ficaram feridas e centenas perderam tudo o que tinham.
O episódio foi emblemático. O prédio já apresentava sérios problemas estruturais poucos anos após ser entregue, mas os alertas dos moradores foram ignorados. Em 22 de fevereiro de 1998, dois blocos desabaram. As investigações mostraram falhas graves na fundação, uso de materiais fora das especificações e ausência de controle técnico adequado. A empresa de Naya ainda tentaria se esquivar das responsabilidades. Por muitos anos, os moradores do Palace II amargaram uma batalha judicial extenuante em busca de reparações. O processo, marcado por idas e vindas, foi um retrato do quanto a Justiça brasileira pode ser lenta, morosa e por vezes complacente com quem tem bons advogados e boas conexões.
Um político nos bastidores do desastre
Pouca gente lembra, mas além de empresário, Sérgio Naya teve também uma carreira política. Foi eleito deputado Federal por Minas Gerais em 1990, filiado ao PMDB (hoje MDB), e conseguiu manter-se por algum tempo nos bastidores do poder. Sua atuação parlamentar foi discreta, mas seus vínculos com a política ajudaram a blindá-lo por anos. Mesmo com uma enxurrada de denúncias envolvendo calotes, obras malfeitas e fraudes fiscais, Naya evitou condenações por boa parte da vida — um verdadeiro manual de como o sistema, quando bem manipulado, pode favorecer os maus agentes.
O caso Palace II ganhou grande repercussão, mas está longe de ser o único em seu currículo. Há relatos de problemas em edifícios construídos por suas empresas em outras cidades, processos por inadimplência, acusações de enriquecimento ilícito e tentativas de ocultação de patrimônio. Em 2002, foi preso por falsidade ideológica e em 2003, já em liberdade, foi processado por lavagem de dinheiro. Em 2004, quando se refugiava em um hotel de luxo em Salvador, voltou a ser preso — àquela altura, já era um símbolo nacional de tudo o que pode dar errado quando o interesse privado atropela a responsabilidade pública.
Sérgio Naya morreu em 2009, vítima de um infarto, enquanto estava num quarto de hotel Ilhéus na Bahia. Tinha 57 anos. Sua morte encerrou fisicamente uma trajetória de escândalos, mas deixou um rastro de prejuízos financeiros e emocionais que ainda hoje afeta muitas famílias. O caso Palace II, por exemplo, continuou a se arrastar no Judiciário mesmo após sua morte, com disputas sobre a responsabilização da massa falida da Sersan e a destinação de ativos da empresa.

Mais do que um personagem folclórico, Naya simboliza um tipo de mentalidade que ainda resiste no Brasil: o empresário que trata a legislação como detalhe, a vida humana como custo e o Estado como um instrumento a ser manipulado. É importante dizer que, desde então, algumas melhorias foram implementadas nos processos de fiscalização e controle da construção civil, especialmente no que diz respeito à responsabilidade técnica e à exigência de laudos estruturais. Mas os limites da Justiça — e a lentidão para garantir reparações às vítimas — permanecem como uma ferida aberta.
Hoje, 27 anos após o desastre do Palace II, a memória do caso ainda serve como alerta. Não apenas sobre os perigos de obras malfeitas, mas sobre os riscos de uma cultura empresarial onde a impunidade vira estratégia e onde a vida humana pode ser tratada como mera estatística. A história de Sérgio Naya, portanto, deve ser lembrada não por morbidez, mas por necessidade: para que nunca se repita.
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