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Coparentalidade: as mulheres no pós-divórcio

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Em tempos de debates acalorados sobre família, direitos e deveres — quase sempre travados numa mesa de bar digital chamada rede social — a coparentalidade surge como aquele conceito bonito que muitos repetem, poucos praticam e raríssimos entendem. Quando vista pela ótica feminina, então, o tema ganha contornos ainda mais interessantes, e por vezes ásperos. Afinal, no pós-divórcio, a promessa da “criação conjunta” costuma esbarrar no calcanhar de Aquiles da sociedade brasileira: a persistente crença de que mulher é a provedora emocional oficial e o homem é o visitante eventual que “ajuda”. A tal “ajuda”, claro, que ninguém pediu.

A retórica da coparentalidade igualitária pinta um cenário progressista, moderno, quase escandinavo. Mas a rotina real, que inclui boletos, reuniões escolares e febres repentinas às 3h da manhã, raramente se comporta como o manual de boas intenções. Do ponto de vista feminino, a sensação é de que o divórcio acaba, mas a gestão logística da vida infantil continua fundamentalmente desigual — não por má-fé generalizada, mas por uma inércia cultural que parece ter passado incólume pelas últimas décadas. A mãe vira a CEO do lar, enquanto o pai, muitas vezes, se comporta como o investidor-anjo que aparece apenas para “dar um suporte”, tirar foto com a criança e postar uma legenda emocionada no Instagram.

“No Brasil, o pai que faz o mínimo ganha medalha. Comparece a uma reunião escolar? “Que pai participativo!” Paga pensão em dia? “Exemplo de responsabilidade!” Troca uma fralda durante o fim de semana de visita? “Herói moderno!” Ao passo que à mulher é exigida uma performance quase divina, com o detalhe de que, se cair a auréola, já se questiona sua competência materna.”

Tudo isso se acentua num mundo em que o discurso da igualdade corre mais rápido que a prática. A mulher contemporânea trabalha, estuda, administra os filhos, paga contas e, como se não bastasse, ainda precisa decodificar as expectativas emocionais do ex-parceiro, que às vezes exige “diálogo maduro” sem ao menos responder às mensagens do grupo da escola. Enquanto isso, a sociedade repete que “o importante é manter a harmonia pelas crianças”, como se harmonia fosse um arranjo ornamental à venda em floriculturas, e não um produto caro de construção diária.

De fato, a coparentalidade é um ideal saudável — quando praticado de verdade. Quando não, vira um quadro vivo do Brasil real: mulheres sobrecarregadas, pais oscilando entre presentes e omissos, e um sistema jurídico que, por vezes, ainda funciona como um espelho retrovisor de valores ultrapassados. O pós-divórcio, para muitas mulheres, não é libertação; é reestruturação profunda — quase uma reforma tributária afetiva.

Quando o discurso encontra o chão de fábrica familiar

A grande ironia é que todos dizem querer o bem da criança — e, de fato, querem —, mas as estruturas que sustentariam esse “bem” raramente são questionadas. Muitas mulheres relatam que a guarda compartilhada funciona de maneira “compartilhada” apenas no PowerPoint do acordo, não no calendário. As tarefas mentais — consultas médicas, datas de vacina, roupa de balé, atividades extras, tudo aquilo que nunca aparece na foto clássica de pai e filho sorrindo — recaem invariavelmente sobre elas. E quando ousam cobrar equilíbrio, ainda ganham o rótulo de “controladoras” ou “difíceis”.

É quase cômico, se não fosse trágico. No Brasil, o pai que faz o mínimo ganha medalha. Comparece a uma reunião escolar? “Que pai participativo!” Paga pensão em dia? “Exemplo de responsabilidade!” Troca uma fralda durante o fim de semana de visita? “Herói moderno!” Ao passo que à mulher é exigida uma performance quase divina, com o detalhe de que, se cair a auréola, já se questiona sua competência materna.

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O pós-divórcio expõe não apenas as fragilidades do casal, mas as fissuras de uma cultura que ainda não conseguiu redefinir papéis de forma equilibrada. E isso é particularmente visível quando se observa a experiência feminina, frequentemente marcada por cobranças sociais paradoxais: seja forte, mas não demais; seja compreensiva, mas não excessivamente exigente; seja independente, mas não ao ponto de ameaçar o ego masculino; e, claro, não reclame, pois o divórcio foi “escolha sua”.

No entanto, apesar de tantos conflitos, há um movimento crescente — e promissor — de mulheres que têm conseguido estabelecer modelos de coparentalidade mais maduros e menos sentimentais. São acordos objetivos, calendários claros, responsabilidades divididas sem romantizações. É a coparentalidade como administração, não como extensão emocional do casamento falido. E, surpreendentemente, quando a racionalidade assume o volante, muitos conflitos evaporam.

Por fim, a visão feminina do pós-divórcio não é — e não deve ser — um manifesto de antagonismo. É, sobretudo, um pedido por realidade: menos discurso e mais prática, menos idealização e mais partilha efetiva. É a demanda para que a coparentalidade deixe de ser uma hashtag edificante e se transforme em uma política doméstica de fato. Não é sobre culpar um gênero ou santificar o outro, mas sobre reconhecer o óbvio: crianças prosperam quando os adultos ao redor assumem, sem teatrinho, seus papéis. E mulheres prosperam quando deixam de carregar sozinhas o peso da civilização familiar.

A retórica da coparentalidade igualitária pinta um cenário progressista (Foto: Google)
A retórica da coparentalidade igualitária pinta um cenário progressista (Foto: Google)

Se há algo que define a experiência feminina nesse tema é a resistência. E, paradoxalmente, é dela que nasce uma esperança realista: a de que, com mais responsabilidade e menos espetáculo, o pós-divórcio possa finalmente fazer jus ao nome — um recomeço, não um prolongamento de velhas desigualdades embaladas em novos jargões.


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